Efeito Dominó – O homem é o lobo do homem

Em tempos de discussão intensa acerca da política de armas no Brasil, Efeito Dominó é o tipo de produção que contraria os entusiastas pró-armas. No filme, temos um casal que, em um país no qual o acesso às armas de fogo é praticamente ilimitado, demonstra receio em adquirir uma mesmo quando a prudência recomenda. O filme desenvolve situações que permitem refletir acerca da inclinação natural à violência e à desordem, inclinação acentuada pela aparente perda de controle do Estado.

Thomas Hobbes afirma que, no mundo natural, onde todos são livres, o homem é o lobo do homem, sendo capaz de aniquilar seus semelhantes para sobreviver e obter vantagens. Assim sendo, apenas um Estado, o Leviatã como ele chama, é capaz de estabilizar a sociedade e manter a ordem. O emprego da força, da violência, é então monopólio exclusivo desse Leviatã. O tecido civilizatório, porém, continua tão frágil quanto a estrutura que o garante. Imaginemos então um colapso da rede elétrica por causa desconhecida e tempo indeterminado? Poderia o Leviatã conseguir suprimir os instintos animais garantindo a lei e a ordem, mantendo ainda o domínio sob o povo?

Em Efeito Dominó, um blecaute deixa uma cidade americana às escuras. A população não fica apenas sem energia por vários dias, mas também sem nenhuma informação sobre a causa. As linhas telefônicas, rádio e televisão ficam inoperantes. Logo, boatos e especulações começam a circular e a paranoia se instala aos poucos. Sem energia, as pessoas não conseguem sacar dinheiro nos caixas eletrônicos e nem realizar pagamentos por cartões de crédito ou débito. Quanto tempo até o caos se instalar na ausência contínua da eletricidade?  

O tema do homem urbano, do humano civilizado, que é forçado a evocar a violência ancestral para enfrentar situações limite provocadas por seus pares já foi explorado muito bem por Sam Peckinpah em Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971). Efeito Dominó apresenta um novo ensaio sobre o tema, muito bem elaborado pelos roteiristas James Burke e David Koepp, também diretor do longa.

O pouco reconhecimento de que goza o filme talvez se deva a falta de nomes de peso no elenco, apesar da presença de Elisabeth Shue, mas o trabalho possui qualidades que o colocam muito acima da média. Ainda que David Koepp não seja um diretor de características marcantes, é habilidoso na arte da escrita, tendo trabalhado em produções como Missão: Impossível (Mission: Impossible, 1996), Olhos de Serpente (Snake Eyes, 1998), Ecos do Além (Stir of Echoes, 1999) e blockbusters do calibre de Homem Aranha (Spider Man, 2002) e Jurassic Park (1993). Koep demonstra habilidade de interligar acontecimentos e personagens montando situações que armam gatilhos que disparam mudanças de comportamento e alteram o destino dos envolvidos, mantendo o espectador atento e curioso praticamente todo o tempo, em um clima de tensão que se instala aos poucos e cresce ao longo da projeção.

A história conecta protagonistas e coadjuvantes em um fio que se desenrola e perpassa por todos os atos do longa. Primeiro o roteiro apresenta pontos cotidianos de quebra na ordem social, como furar uma fila ou conversar dentro do cinema, incomodando os demais. Típicos comportamentos egoístas censurados pela coletividade e que irritam o cidadão comum. Simples mas capazes de evoluir ao ponto de causarem conflito físico e até morte.

O casal Matthew (Kyle MacLachlan) e Annie (Elisabeth Shue), receosos de iniciar um conflito dentro do cinema, decide trocar de lugar durante a sessão, após pedirem silêncio a um homem na fila de trás e serem tratados com hostilidade. Apesar do incômodo ocasionado pela aparente covardia, Matthew opta pelo não conflito, mas os próximos acontecimentos testarão seu sangue frio quando o blecaute ocorre e começa a interferir em sua rotina, como quando é enxotado por um farmacêutico que se recusa a fornecer, sem a receita, um antibiótico para sua filha, uma bebê de colo sofrendo com uma infecção no ouvido.

Com o prolongamento do colapso elétrico, Joe (Dermont Mulroney), amigo da família, se junta ao casal. Os dois amigos resolvem comprar uma arma para defesa, ainda que não demonstrem inclinação par a ação. Após enfrentarem uma situação de perigo ao repelirem um ladrão que invade a residência à noite, caso que tem um fim trágico, o grupo decide ir para outra cidade em busca de local seguro. O filme assume então ares de roadie movie, com restaurantes de beira de estrada, rodovias desertas e gente desesperada pelo caminho.

Efeito Dominó entrega um conto de egoísmo e traição, construindo uma visão negativa da sociedade, descrita como individualista e insensível, características que apenas ficam ainda mais visíveis em situações atípicas como a do fenômeno do blecaute prolongado. O protagonista, o pai de família cuja prioridade é o bem estar da esposa e filha, consciente de sua própria fraqueza física, ainda carrega dentro de si valores que o fazem refletir sobre as opções que são apresentadas em situações de conflito. Matthew fica entre a resolução pela violência, entre regredir ao lado selvagem, ou apelar para o diálogo. O ato mais corajoso pode ser não a determinação para matar um estranho, mas confiar em um.

Efeito Dominó (The Trigger Effect, 1996)
Gênero: Drama
Diretor: David Koepp
Elenco: Kyle MacLachlan; Elisabeth Shue; Dermot Mulroney
Duração: 1h34min