Anos 90 – Mais conteúdo que nostalgia

Artigo por: Célio Gustavo Soares Gaião

Parece que depois da onda de revivals da década de 1980, com A Ressaca (Hot Tube Time Machine, 2010), Super 8 (2011), Stranger Things (2016) e o remake de It (2017), parece ter chegado a vez de a cultura pop nos trazer de volta os anos 90. Grunge, skate, auge da MTV, era pós yuppie, uma época em que as pessoas que viveram juram que não foi tão legal quanto a anterior, ainda que menos bosta que a entrada no novo milênio.

A surpresa nessa produção fica por conta do nome de Jonah Hill como diretor e roteirista. Hill ficou mais conhecido por Superbad: É Hoje! (Superbad, 2007) e embarcou em outras comédias de gosto mais ou menos duvidoso, com viés comercial dos piores, como dois Anjos da Lei (22 Jump Street, 2012 e 2014), É o Fim (The End, 2013) e Vizinhos Imediatos de 3º Grau (The Watch, 2012), mas é verdade que também esteve em boa companhia. Atuou sob a batuta de Scorsese em O Lobo de Wall Street (The Wolf Of Wall Street, 2013), coprotagonizou o excelente Cães de Guerra (War Dogs, 2016) e até tentou atuar de verdade em A História Verdadeira (True Story, 2015). Enfim, ninguém lembra muito dele.

Mas o que acontece quando se subestima alguém habituado a estereótipos é se surpreender ao perceber sua capacidade de subverter totalmente as expectativas e apresentar um produto diferenciado, uma obra que, ao abordar a pré-adolescência, produza um produto que, embora pequeno e despretensioso, pertence ao público adulto, ao cinema de gente grande.

Em Anos 90, conhecemos o pequeno Stevie (Sunny Suljic), um garoto filho de mãe jovem, solteira e namoradeira, com um irmão mais velho, Ian (Lucas Hedges), que é uma usina de dor e ressentimento que sempre descarrega o excesso de energia negativa no alvo mais fraco. As cenas em que os dois entram em confronto físico são intensas, evocando o tipo de cinema realidade que faz qualquer alma decente absorver parte das pancadas que sofre o indefeso protagonista.

Entrando na fase mais complicada da vida, Stevie é um garoto solitário que sente o chamado das ruas, abandona a proteção da mãe e parte para encontrar novos amigos e redescobrir a vida. Conhece Fuckshit (Olan Prenatt), Ruben (Gio Galicia), Ray (Na-Kel Smith) e Quarta Série (Ryder McLaughlin), quatro adolescentes que passam o dia alternando entre andar de skate, participar de festas e encontros e tomar conta de uma loja de acessórios e equipamentos do esporte. Como um cão de rua o garoto vai se aproximando aos pouco e, quando quase morre em uma manobra, consegue ser aceito pelo bando. Na medida em que começa a se sentir parte de algo, encontrar pessoas com quem se identifica e pode conversar, vai se afastando de sua família, um núcleo fissurado.

Mãe e filhos sofrem de solidão mas, ao invés de se unirem, terminam aumentando o abismo entre eles. Como todo irmão mais novo, Stevie idolatra seu irmão, que o trata com desprezo. A mãe dos garotos, Dabney (Katherine Waterston), apesar de suas qualidades, está mais concentrada em conseguir um novo relacionamento amoroso, buscando carinho, compreensão e apoio em outro adulto.

O que acontece com o garoto a partir do momento em que resolve expandir seus horizontes nas ruas é o encontro com o sexo oposto, o desenvolvimento de habilidades físicas e sociais que incluem cigarros, álcool, drogas e, o mais importante, o reconhecimento e o encontro com a verdadeira, tão verdadeira quanto possível, amizade. Ray, o mais maduro do grupo de skatistas, termina assumindo o papel de pai e irmão mais velho de Stevie, se revelando supreendentemente alguém que, apesar da avalanche de palavrões, vícios e maus hábitos, consegue ser sim uma ótima influência dentre as circunstâncias.

Pela estética realística, tanto no tocante à temática quanto às técnicas de filmagem, seleção de elenco e enquadramento, lembramos de produções como, principalmente, Kids (Kids, 1995) de Larry Clark, inspiração declarada de Hill, assim como outros filmes mais comerciais que se dedicaram ao skate como esporte, como Os Reis de Dog Town (Lords Of Dogtown, 2005), que fica entendido ser o sonho de personagens como Ray, se destacar na vida através do esporte. Se Kids optou por chocar visualmente, Anos 90 preferiu o caminho verborrágico, mostrando a garotada conversando todo tipo de absurdo sem nenhuma censura.

Filmado em 16mm e formato de tela 4:3 (a velha tv de tubo), fotografia com cores opacas, insaturadas e até granuladas, Anos 90 parece mesmo uma obra feita de forma amadora por um dos personagens, o “Quarta série”, que está quase sempre com uma câmera na mão. Além do aspecto visual, elementos como camisetas do game Street Fighter II e do desenho Ren And Stimpy , fitas K7, Discman e, óbvio, trilha sonora, reconstroem a época. Jonah Hill ainda buscou conselhos de gente do calibre de Martin Scorsese e Ethan Coen. A estreia do longa aconteceu no TIFF (Festival Internacional de Toronto), em setembro de 2018 e prosseguiu no ano seguinte em circuitos de festivais recebendo várias indicações a prêmios.

O filme abre espaço para a reflexão, que vai de superficial à profunda. Como diz Ray, o cabeça do grupo, “se você conhecesse os problemas dos outros, nãos os trocaria pelos seus”. O longa possui momentos dolorosos e divertidos, tal qual uma volta de skate pode ser. É menos um filme sobre esporte e mais sobre solidão e conexões humanas que funciona muito bem. O que mais um diretor estreante pode querer?

Anos 90 (Mid90s, 2018)
Gênero: Drama
Diretor: Jonah Hill
Elenco: Sunny Suljic; Katherine Waterston; Lucas Hedges
Duração: 1h21min