Zom 100: Coisas para fazer antes de virar zumbi  –  quando o apocalipse faz o papel de sindicato e fiscal da justiça do trabalho

Adaptação de mangá criado por Haro Aso e ilustrado por Kotaro Takata, Zom 100: Coisas para fazer antes de virar zumbi, disponível na Netflix, volta ao cansativo tema do apocalipse zumbi, mas faz uma abordagem interessante. Com suas críticas suaves ao sistema, consegue um resultado quase George Romero. O protagonista, Akira, é um jovem que consegue o primeiro emprego em uma grande empresa de finanças. Disposto a dar 100% de si, descobre logo no primeiro dia que vai precisar se dedicar muito mais.

Varar a madrugada trabalhando no escritório é mais rotina que exceção. Os funcionários competem entre si para ver quem acumula mais horas extras não remuneradas. Orgulhosos, compram lanches e bebidas uns para os outros, enfeiando a gentileza com gabolice, afirmando que ganham mais (mesmo quando não é verdade). Se alguém não resiste e pede demissão, a carga de trabalho é redistribuída para os que restaram. Assédio moral e sexual são rotina. 

Jogado naquele turbilhão, Akira submerge no trabalho e 3 anos se passam sem nenhum tipo de melhoria, ao contrário. Assim como milhares de conterrâneos, ele não encontra uma saída para o inferno que se tornou sua vida, dedicada exclusivamente ao trabalho. Um dia acontece de as pessoas se tornarem zumbis canibais e a sociedade começa a desmoronar. 

Em invés de ficar preocupado ou apavorado, Akira percebe que finalmente está livre, que a perspectiva da morte iminente, o apocalipse da sociedade, é a chance que ele tem de finalmente relaxar e viver um pouco. O cara só quer ficar em casa sem fazer nada, bebendo cerveja. Só que a cerveja acaba e ele tem de se arriscar com os zumbis para conseguir mais. E assim a aventura começa.

Zom 100 me lembrou uma das obras-primas do cineasta japonês Akira Kurosawa, Viver (Ikiru, 1952), onde um funcionário público que dedicou sua vida ao trabalho descobre que tem uma doença terminal e percebe que nunca teve uma vida pessoal, só trabalho e sacrifício pelos outros. 

O tema dos zumbis já vi abordado em um mangá chamado I Am A Hero, onde um desenhista de quadrinhos, área também conhecida por intenso sofrimento dos profissionais no Japão, se vê tentando sobreviver a uma epidemia zumbi. 

O tom cômico do anime se sobrepõe a qualquer outro. É como se Akira vivesse em um mundo à parte. Enquanto as pessoas normais estão aterrorizadas, acuadas, preocupadas e morrendo, a epidemia trouxe vida ao seu espírito. Ele passa visualizar várias matizes de cores onde antes era só o branco e cinza do escritório. Akira treinou rugby na escola, o que justifica sua agilidade e desenvoltura entre os zumbis. Quando começa a fazer sua lista de 100 coisas para fazer antes de morrer, dentre várias bobagens, uma delas é encontrar o grande amor.

Acho que mais que uma mera crítica ao capitalismo, Zom 100 critica a cultura nipônica mesmo, que desde sempre demanda um nível de entrega sobre humano dos seus cidadãos. O mundo tecnológico, como terminou acontecendo com o resto do mundo, empurrou a produtividade para o alto, mas também passou a exigir mais e mais da classe trabalhadora. O resultado é o retrato do japonês que só tem tempo e vida para o trabalho, não se relaciona mais, deixa em segundo plano a família e outras perspectivas. 

Akira, mesmo tendo ciência de que lhe resta pouco tempo, pretende a partir de então fazer cada minuto valer a pena. A vida bem vivida sobre a qual os filósofos profissionais se referem em palestras contratadas por grandes empresas para seus funcionários, o memento mori que vemos pichado em um muro em uma cena do primeiro episódio. Não exija mais profundidade do que isso, mas é o bastante para manter o interesse e relaxar descompromissadamente. 

A primeira temporada deve contar 12 episódios, sendo liberados semanalmente na Netflix e Crunchyroll aos domingos.