Adam Wild – Não há diálogo possível com escravagistas

Adam Wild, criação de Gianfranco Manfredi, chegou ao Brasil pela novata editora Saicã, que se junta às recentes pequenas editoras dedicadas a personagens da italiana Sergio Bonelli, como a Graphite e a Editora 85. Originalmente contando 26 edições de 100 páginas, será publicado por aqui em 8 volumes

O protagonista, um explorador escocês membro da Royal Geographical Society of London, como é comum nas criações bonellianas, encontra suas contrapartes cinematográficas em Douglas Fairbanks e, mais especificamente, em Errol Flynn, atores conhecidos por filmes de capa e espada. Fairbanks interpretou personagens como Zorro, Robin Hood e D’Artagnan. Um dos maiores sucessos de Flynn foi As Aventuras de Robin Hood (The Adventures of Robin Hood, 1938), que aconteceu de ter sido o primeiro filme que Manfredi viu na vida. Chamou sua atenção o fato de o protagonista ser um herói sorridente, alguém que demonstrava alegria de viver, característica que ele também transferiu para seu Adam Wild. 

O palco das histórias é a África subequatorial por volta do ano 1893, do Quênia à África do Sul, incluindo Congo e Nigéria. O mundo estava se transformando em alguns aspectos. As grandes expedições geográficas estavam sendo substituídas por estudos antropológicos. Havia interesse em descobrir mais sobre a natureza, as civilizações, suas sociedades e culturas. Em muitas áreas do continente, a escravidão fora abolida por decreto da Inglaterra, mas a prática da captura e venda de seres humanos ainda persistia principalmente organizada pelos árabes.

Justificando seu sobrenome, Wild é imprevisível, ou ao menos é o que parece para quem acaba de conhecê-lo, incluindo os leitores. Descobrimos primeiramente que, apesar de extremamente simpático, é impulsivo e tem temperamento explosivo. O que o explorador mais detesta são escravagistas. Esses ele mata sem misericórdia, sendo capaz de usar qualquer tipo de artifício para isso, incluindo traição. Ocupando o segundo lugar em sua escala de ódios, estão os caçadores de marfim. 

Parecem características contraditórias para um herói, mas o personagem não possui nenhum tipo de moralismo barato. Seu criador o descreve como um homem livre, que adora viver entre homens livres e fará qualquer coisa para quebrar correntes que escravizam, mesmo que tenha de matar com suas próprias mãos usando quaisquer meios necessários. 

Ao longo das histórias outras facetas do caráter do personagem são apresentadas de formas mais sutis. A vida envolta por violência demanda muita energia, tanto física quanto espiritual. Adam se embriaga frequentemente e, por vezes, assume uma expressão taciturna. É como se precisasse recuperar as energias para continuar em uma guerra sem fim contra o mundo, ou grande parte dele, formada por gente insensível e cruel, que não hesita em esmagar os mais fracos por prazer, por dinheiro ou por ambos. 

O parceiro de aventuras de Adam, o personagem que justifica um giro aventureiro dentro da África, é o conde Narciso Molfetta, uma espécie de nobre que possui tempo, dinheiro e interesse em refazer os passos do famoso explorador David Livingstone pelo continente. Ele assume o papel quase do leitor nas primeiras histórias, de ser o estranho em terra estranha que faz a isca para que os demais o expliquem o funcionamento daquele mundo tão diverso e perigoso, mas de grandes belezas. 

O primeiro grande oponente que surge na série, e que se firmará como um rival à altura, é uma espécie de contraparte maligna do protagonista, o caçador Frank Frost, alguém que encarna tudo o que o explorador repudia. Como o sobrenome denuncia, possui um coração de gelo. Mortífero e cruel, seu único objetivo é o dinheiro, e não se furta a qualquer tipo de vilania para conseguir. Está embrenhado na África em uma missão para capturar animais exóticos para uma espécie de zoológico espetáculo. Nas primeiras histórias, Manfredi coloca um no rastro do outro, mas não antecipa o encontro, aumentando a expectativa do leitor para esse momento. 

O autor aborda também o polêmico caso de tribos de negros que participam ativamente de esquemas de tráfico humano, apresentando uma dupla bizarra que, liberta das correntes por Livingstone, se voltam para a caça e venda de negros de outras tribos, fato que deixou o lendário explorador abatido. Há algo de até sobrenatural em ambos, no sentido demoníaco, por conta de como se relacionam entre si, quase como uma simbiose. Em episódios futuros, como o Pesadelo da Girafa, a ser publicado pela Saicã no volume 2 do título, a série também abordará o sobrenatural no melhor estilo a que os fãs de Mágico Vento estavam habituados. 

O continente africano, considerado o berço da humanidade, é povoado de tantas lendas, mitos, fatos históricos e naturais que faz Manfredi ser o autor perfeito para explorar tantos temas. Antes da cada aventura, a sessão Safari apresenta informações sobre o tema que será abordado na história, da mesma forma como o autor fez primorosamente em outras minisséries com caráter histórico como Face Oculta (publicada pela Panini) e Shangai Devil (publicado por aqui atualmente pela Red Dragon).

Infelizmente, como parte desses mistérios que nem o próprio Martin Mystère consegue solucionar, Adam Wild não teve vida editorial longa e a saga do explorador antiescravagista foi encurtada. Claro que a crise do mercado editorial, incluindo as histórias em quadrinhos, é mundial, mas o título tinha uma qualidade bem acima da média, mesmo para o padrão Bonelli.

Ter séries canceladas prematuramente não é exatamente uma novidade para a editoria italiana. Vale lembrar que nem mesmo o adorado Ken Parker resistiu ao tempo e as baixas vendas convenceram Berardi e Milazzo a encerrar o título. Outro autor consagrado, Gino D’Antonio, teve de finalizar Bella & Bronco pelo mesmo motivo. Ainda mais recentemente, Napoleone de Carlo Ambrosini também encontrou um fim prematuro na edição nº 54.

Dragonero foi o último caso de sucesso consolidado da editora em termos de publicação mensal regular e ainda assim usou o recurso de zera a numeração da publicação após aproximadamente 70 edições, assumindo o título de “Dragonero Il Ribelle”. Mesmo artifício usou o Morgan Lost de Chiaverotti (publicado atualmente aqui pela Editora 85) iniciando uma nova coleção chamada “Mogan Lost Dark Novels”.

A boa notícia é que os leitores brasileiros aprenderam a apreciar Manfredi e a ficarem de olho em tudo do autor que sai por aqui. Mágico Vento é elogiado pelos fãs de quadrinhos em geral, o que garantiu até uma reedição pela Mythos das 131 edições da série em formato italiano. Se a minissérie Face Oculta pela Panini não foi um sucesso de vendas, aos poucos vem sendo reconhecida como uma pérola dos quadrinhos italianos.