Lemmy – A Biografia Definitiva

O rock conta agora com duas datas de falecimento. A primeira é 16 de agosto de 1977, quando Elvis Presley morreu em um banheiro. A segunda e, de acordo com muita gente, a verdadeira, é 28 de dezembro de 2015, quando Ian Fraiser Kilmister partiu. A partir de então ficou a frase “o rock está morto” passou mesmo a fazer sentido.

Lemmy foi símbolo vivo de um estilo de vida que diziam ter acabado por volta da década de 70, quando o abuso de drogas começou a fazer efeito e mudanças comerciais repentinas no mercado fonográfico dispararam um processo cíclico de destruição no meio artístico mais subversivo de todos.

Inabalável, Lemmy continuou consumindo drogas e fazendo a mesma música até o final. Atravessou todas as fases com seu senso de honra intocado, nunca cedendo para o que estava em voga. Metal, thrash, death, grunge, gótico, new metal, não importava o que estava no auge, o Motörhead continuava inabalável, sempre iniciando suas apresentações com a singela frase “We are Motörhead! We play rock n’ roll!”.

Publicado no Brasil pela Globo Livros, Lemmy – A Biografia Definitiva, narra a trajetória de um inexorável. Escrito por Mick Wall, jornalista britânico veterano na música pesada, que já concebeu biografias de gigantes como Led Zeppelin, Iron Maiden, Black Sabbath, Metallica e AC/DC. Neste livro, Wall reconstrói a vida de Lemmy com ampla participação do mesmo através de várias entrevistas concedidas ao longo de 35 anos e também relatos de pessoas que o acompanharam durante alguma fase de sua carreira, como empresários, roadies, parceiros de banda ou do seu meio artístico.

Nos últimos anos, o Motörhead conheceu o sucesso e passou a gozar de um status na mídia como nunca antes, com o líder da banda sendo tratado como celebridade até fora do meio do rock, tendo lançamentos nos charts de mais vendidos e até ganhando um Grammy (ainda que por uma música que nem era de autoria do grupo, o que fez Lemmy resmungar bastante).

Por que viver 120 anos se dá tédio? Por que não fazer o que você quer e ter o tempo que você conseguir?

Com nomes de capítulos sinceros como “Puta Merda”, “Morto pela Morte” e “Nunca Tomei Leite”, a obra se detém com mais detalhes nos primeiros anos de sua carreira, descrevendo sua juventude delinquente, narrando acontecimentos como quando ele bateu no professor com sua própria vara após uma sessão injusta de disciplina, o caso do primeiro filho que teve com uma garota de quinze anos, que depois foi dado à adoção, e como costumava vagar pelos bares atrás de uma dose de qualquer coisa e um pouco de speed, droga que consumiu até literalmente o leito de morte.

A corrente de acontecimentos continua por sua entrada e saída turbulenta do Hawkwind, e chega aos primeiros anos do Motörhead, com a formação clássica do grupo, conhecida por Los Tres Amigos, quando gravaram clássicos absolutos como Overkill, Bomber e Ace Of Spades, formando as  partes essenciais para se compreender como foi a gestação de uma das bandas mais respeitadas entre os headbangers de todo o mundo. Mas por que Los Tres Amigos, a formação que todos afirmam ser a perfeita, a que gravou os maiores sucessos da banda, se esfacelou?

No dia seguinte, Taylor, de manhã cedo, correu para o jardim, completamente pelado, e bateu nas coisas, fazendo uma arruaça terrível. Quando notou que as cortinas se mexiam em várias casas próximas, olhou para elas e gritou: ‘Tá tudo bem! Eu tô drogado!’

A breve aliança entre Lemmy, Eddie Fast Clarke e Phil Animal Taylor, com a ajuda do empresário Doug, colocou definitivamente nos trilhos uma máquina que não descansaria um só minuto até a morte de seu condutor. Apesar do nome pelo qual o trio ficou conhecido, era uma mistura instável demais para perdurar. Phil era um ex-skinhead e hooligan que passou a conviver com os Hell Angels. Se metia em brigas que nem podia ganhar, chegando a levar uma facada no pé e até ser atirado de uma escada de hotel, quase quebrando o pescoço, em plena turnê. Eddie era um técnico de tv de trinta anos, quase sem expectativas àquela altura, que não soube lidar bem com o estilo suicida de Phil e o desleixo de Lemmy. Eddie e Phil chegavam muitas vezes a trocar socos antes e depois dos shows. O livro reconstrói cenas dessa era e lança explicações sobre o seu fim nas palavras de Eddie e Lemmy.

Isso só acontece quando você tem sucesso. Mas o que acontece quando você começa a ficar famosos e de repente fica meio rabugento ou algo te irrita você pensa: eu não tenho de aturar isso. Sou famoso! Nunca me senti assim, mas acho que Phil e Lemmy tinham um pouco disso.

As outras formações do grupo após a dissolução de Los Tres Amigos também são comentadas, embora de forma mais rápida, como a desastrosa participação do guitarrista Brian Robertson, vindo do Thin Lizzy, até chegar em Mikkey Dee e Phil Campbell, a mais estável e duradoura da história do Motörhead, embora não seja a mais lembrada.

O livro também reúne histórias divertidas e curiosas, contadas pelo próprio músico ou levantadas pelo autor, como quando um deputado do País de Gales, terra natal do baixista, cometeu o erro de convidar Lemmy para discursar no parlamento sobre o perigo das drogas. Você não pode chamar alguém que é símbolo do trinômio “sexo, drogas e rock n’ roll” para falar sobre um desses três elementos, ao menos não em um parlamento. Em um discurso que constrangeu os presentes, Lemmy defendeu a descriminalização das drogas e disparou não acreditar em política nenhuma, se declarando um anarquista.

Quando um jornalista perguntou por que ele nunca fez uma cirurgia plástica para retirar as verrugas, Lemmy respondeu: ‘Porque não estou nem aí. Afinal, você está olhando para elas e não falta mulher para mim!

Lemmy – A Biografia Definitiva, apesar do subtítulo, passa mais a sensação de ser um resumo da vida do músico, uma espécie de melhores partes. Quando adentra os últimos dias de Lemmy, se torna até penoso de ler. Um relato amargo e angustiante de alguém teimoso demais para desistir, mas cujo estado de saúde cada vez mais debilitado o forçava a abandonar shows após algumas músicas.

Para alguém que alegava que não ia morrer falido embora não tivesse ficado rico, Lemmy deixou uma renda líquida de cerca de 10 milhões de dólares. Tinha uma vida minimalista, fazendo as coisas simples que gostava, tomando speed, bebendo Jack Daniel’s com coca, jogando caça-níqueis e tocando rock n’ roll o mais alto possível.

 Mas eu as derroto. Ainda estou aqui. Se você vê o Motörhead, você viu uma das melhores bandas de rock da porra do mundo! Não ligo. Eu tenho isso. E já é bom. Era o que eu queria fazer. Foi o que eu fiz.