A Mulher do Próximo

Após nove anos de pesquisas e vivências, Gay Talese apresenta a história do amadurecimento sexual da sociedade americana.

Gay Talese nasceu em 1932 no estado de New Jersey, Estados Unidos. Trabalhou como repórter no jornal New York Times por uma década (1955-1965) e escreveu artigos regulares para a revista Esquire, uma espécie de fusão de Playboy com Men’s Health. Na década de 60, seu estilo de escrita foi denominado de “New Journalism”. O seu diferencial em relação ao jornalismo convencional é o fato de criar uma espécie de ficção que mistura narrativa jornalística e literária.

O New Journalism requer uma apuração longa e detalhada. Requer uma maior proximidade com os protagonistas das histórias a serem contadas. Talese define seu trabalho como “a arte de sair por aí”. O jornalista renuncia ao uso de qualquer meio eletrônico para registrar as informações. Acredita que causam a perda da naturalidade da história. No máximo faz anotações em pequenos blocos de papel. Tem longas conversas com suas fontes, desenvolve intimidade e, ao chegar em casa, começa a escrever. Até hoje condena o uso de celulares ou pesquisa em internet. Acredita que a verdade está lá fora, embora não posso afirmar que acredite em vida alienígena.

A Mulher do Próximo, publicado em 1980, continua a ser até hoje um livro polêmico. Talese demorou nove anos para conseguir reunir todas as histórias acerca da revolução sexual norte americana, histórias que perpassam por simples consumidores de material erótico, escritores com obras censuradas, editores e comerciantes perseguidos por leis obtusas e inquisidores que tinham na Bíblia sua lei maior. À medida que a leitura vai se desenvolvendo, o leitor percebe a interligação entre cada capítulo e a importância de cada protagonista dissecado pelo escritor, formando uma enorme teia de eventos interligados.

“Em Connecticut, o crime de sexo oral podia ser punido com 30 anos de cadeia. No Ohio, a sentença podia ser de 20 anos. Na Geórgia, esse crime contra a natureza podia levar o paciente à prisão perpétua com trabalhos forçados, uma pena muito mais rigorosa do que fazer sexo com animais, que era punido com penas de cinco anos.”

Talese inicia o livro contando a história de Harold Rubin, um adolescente consumidor de revistas eróticas. Conta detalhadamente um episódio no ele qual vai até uma banca de revistas, escolhe a publicação, paga ao jornaleiro, volta para casa e enfim “consume” o material. Descreve sua vida, a vida de sua família, que começou por conta do estupro de sua mãe por seu pai, o que resultou em um casamento por pressão social, e até mesmo o relacionamento do jovem com a avó. Conta especificamente acerca de sua predileção por uma das modelos que aparece nas revistas que coleciona, Diane Webber, que se torna a protagonista do capítulo seguinte.

“(…) Vários líderes comerciais e industriais, convencidos de que a permissividade sexual desviava a energia dos trabalhadores, também eram favoráveis a regulamentos mais rigorosos sobre a moralidade.”

Diane, assim como Harold, tem sua vida narrada tal qual uma autobiografia. Quais foram as decisões que a levaram a terminar como uma emblemática modelo de revistas adultas? Ao final do capítulo, Talese conta como suas fotografias chegaram a Hugh Hefner, o homem que se tornaria o maior magnata do sexo nos Estados Unidos. É ele então o protagonista do capítulo seguinte no qual acompanhamos a transformação de Hefner de um homem romântico a um magnata no ramo do sexo e amante sem alma. Quando sua namorada confessa a infidelidade, Hugh a perdoa e a pede em casamento. Sim, o império da Playboy começou indiretamente de um modo no qual geralmente as coisas terminam em morte. Desta forma os capítulos seguem com elementos que os conectam uma ao outro.

A Mulher do Próximo assume uma narrativa não linear a medida que volta no tempo para apresentar personagens e fatos que levaram à criação de leis contra a comercialização de produtos considerados impróprios para os bons costumes. Volta à 1896 e fala sobre a vida e luta de Anthony Comstock, um balconista de mercearia, vingativo e evangélico (termos que não exatamente estranhos um ao outro) que se tornaria responsável pela aprovação da Lei dos Correios, que tornava crime o envio de material obsceno de qualquer natureza por via postal, e que se tornaria o fundador e líder da Sociedade de Nova York para Supressão do Vício, uma organização que o dava plenos poderes de perseguir e prender cidadãos suspeitos de conduta obscena.

“Além de prender numerosos vendedores de cartões-postais franceses, madames e prostitutas, assim como livres pensadores irreverentes como D.M. Bennet, Anthony Comstock indiciara – ou iria indiciar – negociantes de artes que trabalhavam com nus artísticos, farmacêuticos que vendiam preservativos, editores de manuais de casamento e livros sobre controle de natalidade de Margaret Sanger.”

Talese conta toda a história do surgimento de Sandstone, uma moderna comunidade privada de sexo livre, e retorna para o século XVIII para relatar a ascensão e queda de Oneida, um modelo de sociedade fechada na qual o sexo livre entre os participantes era assentido, e fala especificamente sobre seu contraditório líder, John Humphrey Noyes.

“O novo mandamento é que devemos nos amar uns aos outros…não aos pares, como no mundo, mas em masse.” (Noyes)

Entre outros fatos e histórias, Talese apresenta Samuel Roth, editor de livros e revistas consideradas impróprias, preso e condenado à cadeia, o que o valeu o ingrato título de mártir literário, e a trajetória de Alvin Goldstein , que se tornaria criador do maior insulto em papel já produzido contra o puritanismo norte americano, a revista Screw (Trepada). Era um jornal em formato tabloide que publicava fotos de órgãos genitais, abundância de palavrões nos artigos, avaliações de produtos eróticos e serviços de salões de massagens, o tipo de comércio que estava encontrando terreno fértil para se desenvolver no país. As batalhas judiciais também são detalhadas, em especial a do caso de Hamling contra os Estados Unidos, em 1974. Hamling era editor de uma revista concorrente à Playboy, porém com uma ousadia maior em relação às poses das modelos. Tal qual um emocionante filme de tribunal, acompanhamos todo o esforço financeiro e ideológico de réu e de seu singular advogado, Stanley Fleishman, para conseguirem provar a arbitrariedade das acusações.

Ao último capítulo, Gay Talese se apresenta como um dos personagens da história, relatando o início de sua ideia para o livro, seu relacionamento com os participantes, as dificuldades em organizar o material colhido, sua experiência como cliente em casas de massagem e posteriormente como gerente, e observações bastante interessantes acerca da sexualidade humana. Fala fracamente até mesmo de seu relacionamento íntimo com uma das entrevistadas, uma nativa de Sandstone. Talese de muitas formas viveu o que relatou, ao frequentar os famosos salões de massagens e experimentar seus serviços. Não conta exatamente como sua esposa reagiu ao saber destes detalhes.