Filmes para fazer sua cabeça

Onze filmes que abordam diferentes aspectos acerca do uso e da comercialização de drogas

A maconha é conhecida há mais de 200 anos. Há relatos que índios mascavam as folhas de Coca há quatro milênios e meio atrás. Em 3.400 A.C. a Mesopotamia cultivava a papoula do ópio. As sintéticas são recentes na história dos entorpecentes. As anfetaminas começaram a surgir no final do século dezenove. O famoso Ecstasy foi criado por uma indústria farmacêutica em 1914. A Ritalina, nome comercial do Metilfenidato tem se tornado bastante popular para combater o cada vez mais comum transtorno de déficit de atenção e, além disso, ajudar concurseiros a conseguir desempenhos maiores em suas rotinas de estudo. Escapismo de uma realidade cruel ou entediante para alguns, estimuladores da criatividade para outros, símbolo da rebeldia juvenil contra o sistema, não importa. Podemos listar dezenas de motivações para seu uso. A verdade de cada uma depende de uma análise mais profunda, que requer o estudo e compreensão da sociedade e época na qual foi utilizada. Mais que isso, requer uma capacidade de empatia, uma emulação do entendimento do que é ser humano. E, no cinema, as drogas são consumidas com voracidade, especialmente fora das telas. No final dos anos 70 a cocaína havia se tornado febre em Hollywood. A maconha desde há muito já era artigo normal nos sets de filmagem. Em certa ocasião, quando estava em Cannes e não havia como comprar a droga por lá, Martim Scorcese mandou um avião buscar o produto fora. A cocaína afundou a carreira de muita gente no meio artístico e ajudou a de outros tantos.

Sobre as drogas dentro das telas, algumas produções adotam um tom sério e servem como alertas ameaçadores. Outras apenas apresentam protagonistas adeptos do mero consumo, vivendo descompromissadamente em um tom cínico ou mesmo puramente cômico, sem nenhuma mensagem séria contra seu uso. A ótica dos traficantes também é vastamente explorada, assim como temos a oportunidade de ver nas telas retratos futuristas nas quais as drogas continuaram sendo um problema social, ou ainda, a solução perfeita de um governo distópico. Quanto aos personagens, alguns caíram mesmo definitivamente no inferno, outros saíram por si mesmos, alguns precisaram da ajuda divina e bem poucos continuaram usando os narcóticos recreativamente sem problema algum.

O VERÃO PSICODÉLICO

No final da década de 60, o festival Woodstock foi a celebração do auge da contracultura nos Estados Unidos, algo que significava viver intensamente a expressão “sexo, drogas e rock n’ roll”. A era do ácido, do baseado compartilhado, do sexo livre e da confraternização universal. Já Hollywood se encontrava estagnada, mas uma revolução sobre duas rodas estava chegando.

Easy rider – Sem Destino (Easy Rider, 1969)

“É isso aí, esse é o western moderno, dois caras atravessando o país de moto…e talvez eles tenham feito uma supertransação e estejam cheios de grana. E eles atravessam o país e vão se aposentar na Flórida. Mas aí dois caçadores de pato num caminhão acabam com eles só porque não gostam do visual deles.” Assim foi a descrição de Peter Fonda para o que seria a idéia de Easy Rider. A supertransação a que Fonda se referia era cocaína, uma droga que na época era rara, caríssima e ninguém imaginava que poderia viciar. Era apenas isso. Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper), cruzando os Estados Unidos com uma fortuna em cocaína escondida nos tanques de combustível de suas motos. Era muito mais que isso. Um sucesso de proporções devastadoras. O espectador ocasional que assistir Easy Rider provavelmente não o compreenderá se não tiver a noção de seu contexto histórico-social. Trata-se de uma exposição da contracultura do país, apresentando os excluídos, os renegados, aqueles que se recusavam a fazer parte da massa e, por isso, eram perseguidos. Os executivos ficaram incapazes de compreender, exceto a parte em que os cinemas estavam lotados e o filme gerando uma fortuna. O que custou 501 mil dólares, rendeu 19,1 milhões. Segundo Hopper, Easy Rider foi responsável pela popularização da cocaína nos Estados Unidos.

Medo e delírio (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998)

“O porta-malas do carro mais parecia um laboratório móvel do departamento de narcóticos. Tínhamos dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranquilizantes, berrantes, gargalhantes… além de um litro de tequila, outro de rum, uma caixa de Budweiser, meio litro de éter puro e duas dúzias de amilas.” Munido de todo este equipamento, o jornalista Hunter Thompson (Johnny Depp), em companhia de seu fiel advogado, Dr. Gonzo (Benicio Del Toro), estava preparado para ir à Las Vegas e cobrir uma corrida de carros no deserto para uma revista de esportes. Durante todo o filme a dupla consome tudo o que há no porta-malas. O resultado são alucinações constantes, ataques psicóticos e reflexões hilárias de Hunter sobre o modo de vida americano. Aparentemente a única coisa que não é criticada aqui é o uso de drogas.

OS DONOS DA MORTE

Alguns defendem que os consumidores de drogas ilegais são diretamente responsáveis pela violência gerada pelos traficantes. Você consome, você financia a violência. Em meio às discussões sobre a descriminalização da maconha, temos geralmente como argumento positivo o fim do tráfico ilegal e da violência atrelada a ela. Algumas produções não tomam nenhum lado no debate, apenas expõem os acontecimentos, enquanto que outras claramente tentam estabelecer algum ponto de vista.


Nem tudo é o que parece (L4yer Cake, 2004)

Um negociante de drogas (Daniel Craig) bem sucedido seguindo suas próprias regras de segurança já planeja sua aposentadoria para breve, mas seu plano começa a ser alterado quando o chefão local, Jimmy Price (Kenneth Cranham), o incube de duas tarefas aparentemente simples: localizar uma garota desaparecida e negociar uma carga gigante de pílulas de ecstasy que estão em posse do Duke (Jamie Foreman). Descobre então que o pai da garota é um adversário de Jimmy e seu desaparecimento pode não ser um simples caso de uso de drogas e que o carregamento de ecstasy foi roubado de traficantes sérvios conhecidos por serem assassinos sanguinários e implacáveis. Além disso, pode haver algum informante policial no grupo. A cada minuto parece que sua aposentadoria vai se dar na cadeia. Nem tudo é o que parece começa com o Sr. X (Daniel Craig), apresentando em primeira pessoa sua visão do mundo das drogas, acreditando que em breve todas serão legalizadas e vendidas em farmácias. O homem não é um assassino, apenas uma comerciante. “São negócios.” O título original, Layer Cake, é uma referência às camadas ou níveis do mundo dos negócios. O filme mostra um submundo modernizado, sem códigos de honra ou “famílias”. São apenas negociantes, uns mais desonestos que outros.

Selvagens (Savages, 2012)

Uma trama sobre uma dupla de amigos que são produtores da melhor maconha do mundo mas que agem como um grupo pacífico de desenvolvedores de software e mantém uma relação aberta do tipo Aline e seus dois namorados ou Dona Flor e seus dois maridos com uma garota conhecida como O (Blake Lively). Selvagens é uma adaptação de um livro de Don Winslow, considerado pelo New York Times um dos 10 livros mais influentes de 2010, sabe-se lá por que. De acordo com as declarações do diretor Oliver Stone, a intenção era mesmo fazer uma espécie de protesto a favor da descriminalização das drogas e expor a violências dos cartéis mexicanos. Em Selvagens podemos ver na verdade a oposição entre dois modelos de negócios. O modelo mexicano, com seqüestros e assassinatos brutais, seria o modelo convencional. O modelo de Bem (Aaron Taylor-Johnson) e Chon (Taylor Kitsch) seria o que se tornaria realidade caso a droga fosse legalizada. Oliver Stone é abertamente a favor da descriminalização da maconha e usa Selvagens para reforçar seu ponto de vista.

O LADO NEGRO DA LEGALIDADE

“Toda a descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva; por vezes a ciência deve ser tratada como um inimigo possível.” (Aldous Huxley)

O modus-operandi das indústrias farmacêuticas e a história da psiquiatria geram discussões éticas intensas. De um lado, temos comportamentos que, antes dados como naturais, a cada dia são apontados como doenças em compêndios psiquiátricos, e um novo medicamento é indicado para seu controle. Dependência e efeitos colaterais são o grande problema das drogas legais, além do questionamento acerca de até que ponto são realmente necessárias.


Prozac nation (Prozac Nation, 2001)

Prozac Nation se refere a outro tipo de droga. Aborda os medicamentos legalizados, capitaneados pelos espremedores de cérebros de passado não muito louvável. Falo dos psiquiatras, criadores de zumbis modernos, dependentes de antidepressivos e estimulantes. Elizabeth Wurtzel (Christina Ricci) teve uma infância um tanto quanto isolada. Seu pai abandonou a família quando ainda criança e desde então sua mãe se tornou sua única amiga e companheira. Quando sai de casa para estudar Jornalismo em Harvard, se entrega a uma vida de sexo e drogas que trazem à tona todos os problemas acumulados desde a infância levando a um estado de depressão e crises existenciais. Prozac Nation é baseado no livro de mesmo nome escrito pela própria Elizabeth Wutzel. A então estudante se transforma em uma Junkie, mas do tipo que todos querem evitar, afogada em autopiedade e transbordando agressividade contra todos ao seu redor. Seus problemas não parecem ter sentido. Sua revolta é sem justa causa. Ao contrário de Rê Bordosa, como Junkie, Wurtzel não é nem uma companhia divertida para um drink. É então que, receitado por sua psiquiatra, Elizabeth começa a consumir o Prozac. O medicamente surgiu em 1986 e ficou conhecido como a “pílula da felicidade”, sendo consumido fartamente, como o próprio título do filme indica.

Terapia de risco (Side Effects, 2013)

Emily (Rooney Mara) e Martin (Channing Tatum) estavam vivendo um momento de ascensão profissional até que Martin é preso por fraude. A partir de então um quadro de depressão e ansiedade começa a se desenvolver em Emily. Quando seu marido é libertado, a situação se agrava ao ponto de tentar o suicídio, o que a leva ao Dr. Jonathan Banks (Jude Law). Ao se informar com a psiquiatra anterior de Emily, a doutora Siebert (Catherine Zeta-Jones), Banks decide receitar um novo medicamento chamado Ablixa. A princípio, a garota tem uma recuperação notável, mas começa a apresentar efeitos colaterais, incluindo um estado de sonambulismo no qual ela mata o marido. Mas, até que ponto o medicamento foi responsável pelo comportamento homicida da paciente? Terapia de Risco é um trhiller eficiente que apresenta questionamentos sobre a ética do relacionamento entre médicos e grandes empresas farmacêuticas, as quais chegam a pagar para que seus medicamentos sejam prescritos. Nos Estados Unidos, no início da década passada, já houve casos nos quais acusados de homicídio atribuíram o crime à influência do Prozac. O uso crescente de medicamentos como solução para problemas comportamentais é o problema ou a solução?

FANTASMAS FAMINTOS

Segundo o budismo, os fantasmas famintos, ou espíritos ávidos, são seres atormentados por uma fome que nunca é satisfeita. Apesar de comerem e beberem fartamente, nunca estão saciados, a fome continua os devorando, gerando um sentimento de frustração. Parece que o toxicômano se encaixa perfeitamente ao conceito budista. A sensação de prazer que a droga propicia é fugaz, obrigando o viciado a se manter em um constante estado de torpor, caso contrário é devorado pela síndrome de abstinência.

Trainspotting – Sem Limites (Trainspotting, 1996)

Porque usar drogas? A resposta é simples: “Escolha uma vida, escolha um emprego, escolha uma família, uma carreira, uma televisão bem grande, máquina de lavar, carros, cd player, abridor de lata elétrico… por que eu ia querer isso? preferir não ter uma vida, preferir ter outra coisa! E os motivos? Não há motivos, pra quê motivos se você tem heroína?” Trainspotting é um retrato direto, sem falso moralismo, sem retóricas inúteis acerca da cultura das drogas. Aqui não há clima sorumbático, ainda que acontecimentos impactantes como a morte de um bebê, o contágio pelo HIV, ou ainda a terrível síndrome de abstinência da heroína sejam mostrados. Trainspotting tem ritmo de videoclipe, atmosfera de comédia adolescente e clima de festa rave. Renton (Ewan McGregor), Spud (Ewen Bremner), Sick Boy (Jony Lee Miller), Tommy (Kevin McKidd) e Begbie (Robert Carlyle) são amigos que vivem em Endimburgo, Escócia. A medida que a narrativa se desenvolve, eles tomam rumos diferentes, que é o que acontece na vida real. Assistir Trainspotting uma única vez não é suficiente.

Réquiem para um sonho (Requiem for a Dream, 2000)

Aqui a coisa muda. Enquanto Trainspotting é divertido, Réquiem Para Um Sonho é um pesadelo orquestrado pelo até então pouco conhecido Darren Aronofsky. O diretor apresenta quatro personagens que se envolvem com drogas. Harry (Jared Leto) tenta o sucesso com a impetuosidade da juventude, mas se vicia em heroína. Marion (Jennifer Connelly), namorada de Harry, também é viciada na droga. Sara (Ellen Burstyn), mãe de Harry, recebe um convite para participar de seu programa de tv favorito, e insiste em ir com seu antigo vestido vermelho, mas a mulher não possui mais as mesmas medidas e começa a tomar inibidores de apetite para conseguir perder peso a tempo. Tyrone (Marlon Wayans), tenta firmar uma sociedade com Harry com o objetivo de revenderem drogas. Em Réquiem Para Um Sonho não há final feliz, não há retorno nem redenção. Apenas, talvez, arrependimento. Todos os personagens são aniquilados.

JESUS SALVA

Acompanhamento profissional, apoio da família e força de vontade não são suficientes para algumas pessoas vencerem a dependência. A fé divina oferece um suporte mais vigoroso e eficaz em determinadas pessoas. Neste ponto a religião age de forma positiva na sociedade, exceto nos casos nos quais os pacientes estão enganando a si mesmos ou sendo ludibriados por líderes e instituições religiosas de caráter duvidoso.

Redenção (Machine Gun Preacher, 2011)

Sexo, drogas, rock n’ roll, armas, harley Davidson, Rambo e Jesus Cristo. Motoqueiro estilo Hell Angel, usuário de drogas, traficante, ladrão e se a situação pedir, matar não é problema. Esse é Sam Childers (Gerard Butler), o homem que depois de uma temporada na prisão, comete mais alguns erros antes de se voltar para Deus graças a influência da esposa (ex-dançarina de strip-tease e agora convertida). Mas pra um sujeito barra-pesada como Childers, apenas ir para a Igreja nos domingos não é o bastante. Sua motivação o leva para o norte de Uganda onde constrói um orfanato e passa a pegar em armas para defender o que considera certo, se tornando conhecido como o Pastor Metralhadora (!). A história soa um pouco absurda em alguns pontos, mas é baseada em fatos reais. O Pastor Metralhadora existe mesmo e Butler se sai muito bem no papel de Childers, um homem truculento e prestes a perder o controle a qualquer momento. A primeira parte do filme mostra o futuro pastor saindo da cadeia, reencontrando a família e se metendo em mais problemas. Depois de Childers encontrar Deus, o filme fica meio estranho. Hora parece uma produção evangélica, quase que pregando ao espectador, hora lembra um filme de Chuck Norris quando o foco se volta para a ação com o Pastor Metralhadora combatendo os inimigos à bala.

QUANDO NÃO HOUVER MAIS HUMANIDADE, NÃO HAVERÁ DROGAS

A ficção científica permite realizar ensaios acerca da realidade, prevendo ou fornecendo pistas sobre o direcionamento que a sociedade pode tomar. No caso do problema dos narcóticos, temos realidades nas quais as drogas foram a solução e outras nas quais continuam sendo um problema social que mobiliza a repressão do estado.


O homem duplo (A Scanner Darkly, 2006)

Philip K. Dick foi um dos mais prolíficos escritores americanos de ficção científica. Blade Runner – O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982), O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990) e Minority Report – A Nova Lei (Minority Report, 2002) são adaptações de sucesso de seus contos. Em O Homem Duplo, temos uma sociedade futurista na qual a guerra contra as drogas continua. A droga do momento é um alucinógeno conhecido como Substância D. Delírio. Demência. Desespero. O policial Fred (Keanu Reeves) trabalha disfarçado como Bob Arctor, um homem que se infiltra em um grupo de junkies com o objetivo de encontrar o distribuidor das pílulas. Com a ajuda de uma nova tecnologia que oculta sua identidade até da própria polícia e com o consumo da droga, Fred começa a confundir as realidades de sua vida. Piora quando James Barris (Robert Downey Jr.), um dos junkies, denuncia Bob à própria polícia, e assim Fred recebe ordens para investigar a si mesmo. Parece confuso. O filme lida com a percepção da realidade e a necessidade do uso de substâncias para lidar com ela, e apresenta um sistema repressivo paranoico capaz de descartar seus próprios agentes.

Equilibrium (Equilibrium, 2002)

Após a humanidade sobreviver à Terceira Guerra Mundial, o governo ditatorial resolve eliminar a causa da beligerância humana: os sentimentos. Por meio da dose diária de Prozium, uma droga que suprime a emoção, os cidadãos se comportam de maneira lógica, ordeira e passiva, seguindo as rígidas leis do sistema, que incluem a proibição de qualquer forma de arte, como poesia, música ou pintura. John Preston (Christian Bale) faz parte da força policial do governo, cuja missão é exterminar os subversivos que insistem em não ingerir o Prozium. Acidentalmente, um dia Preston não consome sua dose da droga, e então começa a questionar o sistema. Equilibrium é um filme que prioriza a ação, mas cria um universo que permite a visualização de um futuro no qual as drogas alteradoras de comportamento são a solução definitiva para a harmonia da sociedade. Impossível não lembrar do livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, onde o escritor criou um mundo futurista no qual existe o Soma, uma droga que tem praticamente características semelhantes ao Prozium de Equilibrium.