Wall Street ,  Poder e Cobiça – A classe trabalhadora como presa do mercado financeiro

Oliver Stone é conhecido por ser um cineasta que faz questão de ressaltar temas políticas em suas obras, geralmente abordando situações que, de alguma forma, questionam e incomodam seu próprio país. Seu avô foi um investidor de sucesso e seu pai, um veterano da Segunda Guerra Mundial que, quando regressou, tentou seguir os passos do progenitor, mas sem igualar o desempenho. Naturalmente, ir para a mesma área seria o caminho mais fácil para o jovem Oliver, mas este decidiu seguir algo totalmente diferente, muito graças à influência de sua mãe, uma francesa ligada à classe artística. Queria ser escritor, roteirista. 

Durante algum tempo foi motorista de táxi enquanto escrevia e submetia seus roteiros. Colocou muitas de suas experiências pessoais no papel e posteriormente nas telas expurgando demônios internos e apresentando sua visão, sempre crítica, sobre os Estados Unidos. 

A década de 1980 foi a era mítica dos yuppies (Young Urban Professionals), jovens de uma nova geração, que sucedeu a dos hippies, otimistas que achavam que os Estados Unidos era o melhor país do mundo, a terra mágica das oportunidades onde, com algum esforço, um homem poderia sair do zero ao milhão. No mercado financeiro, eram conhecidos como “golden boys”, jovens promissores que movimentavam fortunas. 

Bud Fox (Charlie Sheen) acaba de sair da universidade. Endividado com os empréstimos estudantis em uma nação na qual o ensino superior não é gratuito, encontra emprego em Nova York em uma corretora de ações. Seu trabalho é arregimentar investidores por meio de ligações telefônicas, oferecendo pacotes de ações de empresas clientes, fornecendo suas observações sobre o fluxo do mercado, analisando e apontando as melhores oportunidades. 

Sofrendo pressão constante devido ao risco inerente próprio do negócio, sempre no fio da navalha das perdas e ganhos, seu grande objetivo é atrair a atenção de Gordon Gekko (Michael Douglas), um tubarão do mercado financeiro, modelo de investidor implacável que está sempre em evidência nas capas de revistas que cobrem Wall Street. 

Fox, quando finalmente consegue ficar cara a cara com seu ídolo, não impressiona. Suas ideias e dicas são consideradas triviais. A solução que surge em sua mente é repassar uma informação confidencial que seu pai comentou por acaso, sobre o resultado de uma ação judicial da companhia de aviação na qual trabalha como mecânico e onde tem papel como líder sindicalista. 

Eis o grande segredo dos gigantes de Wall Street: o acesso a informações que ninguém mais tem, fora dos gráficos e relatórios oficiais liberados pelas empresas para os analistas. A prática, chamada de ‘insider trading’, é ilegal mas, como se trata de um crime difícil de ser provado, o retorno compensa o risco. 

Gekko alicia Fox, o orientando a agir à sua maneira, o tornando um agente corruptor do sistema, detectando e aproveitando brechas que levam a ganhos milionários mas causando a ruína de muita gente como consequência. O homem quando atinge o sucesso financeiro, se modifica. O dinheiro é capaz de transformar valores pessoais, alterar o caráter. “A ganância é boa”, prega Gekko. 

Lou (Hal Holbrook), um dos mais antigos funcionários da corretora onde Bud trabalha, faz o papel de uma espécie de guru do bem, um contraponto discreto ao personagem de Michael Douglas. Em uma área na qual os veteranos estagnados parecem fracassados e são evitados pelos jovens, Lou é alguém que procura se manter fiel aos princípios pelos quais a bolsa de valores foi criada. Como um mago sábio, está sempre soltando espécies de provérbios do mundo dos negócios. Ele aconselha Fox a não se perder no deslumbramento instantâneo, mas falso, daquele ambiente. Mas Lou não é rico e consequentemente fascinante como Gekko. 

O pai, Carl (Martin Sheen), é visto por Bud como um homem simplista demais, um mecânico que nunca irá além na sua profissão. Ele é ‘apenas’ um trabalhador, um dos tantos milhões que de fato compõem a riqueza da nação. Apesar disso, o relacionamento entre eles é fraterno. Bud quer se distanciar do pai, dos valores familiares, de suas raízes, para se aproximar do modelo que ele admira atualmente, Gekko. Apesar de suas ambições altas, a base familiar ainda vai ser a salvação da alma do jovem investidor.

Em determinado momento Gekko é acusado por um adversário, Sir Wildman (Terence Stamp), de ser o tipo de negociante que venderia a própria mãe. A discussão se dá na frente de Bud e é fruto do desdobramento de uma articulação feita com a sua ajuda. Mais tarde, Gordon faz com que seu pupilo venda seu pai. 

Gordon Gekko é um dos grandes personagens no currículo de Michael Douglas. Como vilão, é magnético. Opera em um nível que a grande maioria das pessoas não compreende, não consegue perceber as consequências de seus atos. Sua sagacidade, comprovada por sua conta bancária, é referendada pela mídia e promovida por ele mesmo, com suas falas, algumas sendo adaptações e interpretações do famoso livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, um compêndio escrito no tempo dos Estados Guerreiros da China, que segue até então sendo adaptado para o mundo dos negócios.

Gekko encarna o lado negro de Wall Street e das finanças em geral, especialmente naquela nova fase, quando o governo Reagan estabeleceu uma série de mudanças legislativas desregulamentando o mercado de empréstimos, em 1982. A partir de então, os americanos começaram a acumular dívidas e a concentração de renda estourou. 

A ideia principal da negociação em bolsa de valores é que as empresas consigam financiamento para expandir seus negócios, mas há uma distorção que infecta o sistema, quando investidores apenas cuidam de mover ações apenas para fazer dinheiro rápido, porém sem nenhum tipo de aproveitamento sólido para as empresas envolvidas nas transações. 

Gordon Gekko é o grande tubarão, concentrando um volume monetário capaz de esmagar empresas vulneráveis que, em vez de obterem recursos para se aperfeiçoarem, se tornarem mais competitivas, terminam fagocitadas, incapacitadas e vendidas para gerar dinheiro imediato. As consequências são trabalhadores desempregados e aumento da desigualdade.

Cenas em destaque:

Conflito de classes: Bud reúne representantes dos sindicatos dos trabalhadores da empresa de aviação Blue Star em sua nova casa para apresentar sua proposta que prevê uma redução de salários dos funcionários. Neste cenário, seu pai é o único a se opor, fato que o deixa embaraçado na frente de sua namorada e do tutor. A cena materializa o conflito entre o trabalhador comum e o investidor de Wall Street, entre as raízes familiares, e a influência do mundo externo. 

Agente corruptor: Bud convence um amigo que trabalha em uma consultoria, Roger Barnes (James Spader), a compartilhar informações privilegiadas alegando que é um dinheiro fácil e seguro, expandindo a doutrina de Gekko. Porém, a ganância os deixa descuidados e vulneráveis.

 

Reflexo no espelho: Fox está atormentado pelo resultado de suas ações, mas sua namorada, Darien (Darryl Hanna), tenta o convencer que tudo vale a pena para manter o estilo de vida que conseguiu, incluindo seu relacionamento. Ele não reconhece mais o seu reflexo no espelho, começa a ter uma crise de identidade. A vida que construiu se mostra frágil e pueril. A mulher que conquistou é fria e oportunista tal qual um corretor de ações. 

Wall Street: Poder e Cobiça (Wall Street, 1987)
Direção: Oliver Stone
Gênero: Drama
Elenco: Michael Douglas; Charlie Sheen; Martin Sheen; Darryl Hanna
Duração: 2h6min

Adendo: Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme

A sequência lançada em 2010 traz de volta Michael Douglas como Gordon Gekko, mas o protagonista agora é Shia LaBeouf como Jake Moore, um corretor de valores especialista em energias renováveis que, por um irônico acaso, namora a filha de Gekko, Winnie (Carey Mulligan)

As consequências dos eventos mostrados no filme anterior foram devastadoras para o núcleo familiar de Gekko. Saído da cadeia após cumprir 8 anos, ele não encontra família ou amigos para o recepcionar. Resta ganhar a vida lançando um livro sobre sua experiência e fazendo palestras sobre o mercado financeiro. Parece um homem em busca de paz e conciliação. 

Jake o procura na expectativa de fazer com que sua filha volte a se conectar com ele. Todos terminam unindo forças contra Bretton James (Josh Brolin), um tubarão do mercado que tem o mesmo modus operandis de Gekko. Esse novo capítulo não comete o erro de apresentar uma típica história de redenção. 

Bud Fox aparece em uma cena breve, ainda que estranhamente não seja o mesmo personagem que conhecemos, mas sim o próprio Charlie Sheen em sua contraparte Charlie Harper da série Dois Homens e Meio. 

Se o primeiro mostrava as discrepâncias possibilitadas pelo afrouxamento da regulamentação do mercado, este apresenta um cenário ainda pior. O sistema está tão fragilizado que leva a uma grave crise econômica generalizada de proporções globais. 

O Dinheiro Nunca Dorme é, de certa forma, mais leve que o anterior, apesar de lidar com situações como suicídio, mas é uma rara sequência digna, ainda mais pela distância temporal dos lançamentos.