Viver e Morrer em Los Angeles: um amoral, tenso e imprevisível neo-noir policial por William Friedkin

Boa parte dos diretores que ascenderam na Hollywood do final dos anos 1960 e durante a década seguinte, período conhecido como Nova Hollywood, não tiveram a mesma aceitação nos anos 1980, com vários projetos amargando baixa aceitação de público e crítica, refletidos nas bilheterias. 

William Friedkin tinha no currículo dois grandes filmes: Operação França (The French Connection, 1971) e O Exorcista (The Exorcist, 1973). O primeiro, um filme policial que amealhou 5 Oscars, incluindo os prêmios de Melhor filme e Melhor Diretor. O segundo, um terror sobrenatural que, se não conquistou mais prêmios que o anterior, até hoje segue aclamado como um dos melhores do gênero na história do cinema. 

Como o próprio cineasta comentou em sua autobiografia, após se atingir o topo, o único caminho a seguir é para baixo. E assim foi. O Comboio do Medo (Sorcerer, 1977) foi massacrado pela crítica. Um Golpe Muito Louco (The Brink’s Job, 1978) não surtiu efeito algum. Parceiros da Noite (Cruising, 1980) já encontrou um zeitgeist alterado que não o compreendeu. O público já preferia filmes mais palatáveis, menos sombrios. Gente como Harold Ramis Robert Zemeckis e Steven Spielberg nadaria de braçada nesse novo ambiente.

E lá foi Friedkin tentar suavizar seu estilo com Uma Tacada da Pesada (Deal Of The Century, 1983), estrelado por Chevy Chase, Gregory Hines e Sigourney Weaver. Não deu. Melhor voltar para o lado sombrio da humanidade. 

Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in L.A., 1985) é um retorno a um campo em que ele tinha bastante experiência. Dupla policial, investigação de uma célula criminosa bem organizada, uma cena memorável de perseguição de carros e muita violência. Mesma fórmula, mas produto final diferente, época diferente. Se não teve o reconhecimento merecido lá, hoje é tido como uma obra-prima menor do cineasta.

Quando seu parceiro é assassinado ao investigar uma quadrilha de falsificadores de dólares, o agente do Serviço Secreto americano, Richard Chance (William Petersen), toma o caso como pessoal e fará tudo o que puder para prender os envolvidos. 

Chance chega ao nome do cabeça da organização, um artista no campo da pintura chamado Rick Masters (Willem Dafoe). Para conseguir capturá-lo, ele e o novo parceiro, John Vukovich (John Pankov), se disfarçam como homens de negócios encarregados de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais e tentam armar uma grande transação de notas falsas. O problema é que, para continuar a armadilha, precisam pagar um adiantamento de 30 mil dólares ao criminoso, o que é vetado pelo chefe do departamento. 

Com a fuga de Cody (John Turturro), um integrante da quadrilha que tinha aceitado um acordo para entregar seus comparsas, o agente se vê sem opções. É então que se lembra de uma dica de sua informante, Ruth (Darlanne Fluegel), uma mulher que trabalha em um clube de strip, sobre uma transação de diamantes somando um montante de 50 mil em dinheiro vivo. 

A missão do agente Chance é então pela justiça, pela vingança, por pura adrenalina ou apenas pelo lucro fácil? Tudo se torna enevoado e confuso em uma trama neo-noir bem amarrada aonde, aos poucos, o espectador também vai afundando em um mar de lama e sangue e se pergunta até quando os personagens envolvidos irão conseguir se safar. 

Viver e Morrer em Los Angeles, enquanto integrante do gênero policial, traz alguns clichês. O protagonista não segue os protocolos e regulamentos da corporação, desobedece ao chefe imediato e discute com figurões da justiça. Chance inicialmente rejeita o novo parceiro designado após o assassinato do anterior, mentor e amigo, mas depois o aceita e passa a confiar nele de acordo com o que as circunstâncias pedem, mais por necessidade que por vontade pessoal. Quando o roteiro não se escora apenas em um amontoado de clichês, eles nem incomodam, fluem junto com a história. 

O protagonista do longa tem uma índole diferenciada de outros ‘heróis’ do cinema policial. Não é o que podemos apontar como um exemplo moral na corporação. Richard Chance é competente, mas não infalível. Se veste como uma espécie de caubói, com jeans, botas com saltos, jaqueta de couro combinadas com uma atitude à altura de um antigo texas ranger. É um apostador compulsivo, não liga de arriscar sua própria vida ou de outros.

Vive na adrenalina da incerteza, então passa de um sufoco a outro em situações mortais. Apostou que conseguiria dominar um homem bomba no início do longa. Apostou que conseguiria fazer um acordo com um membro preso da quadrilha de Masters. Apostou que conseguiria enganar o falsificador se passando por um negociante e que conseguiria roubar 50 mil dólares de um bando de contrabandistas de joias. Poucas vezes vimos um policial tão atolado em problemas como o Bullit de Steve McQueen, entre a prisão, a morte, a demissão e desgraça.

Com o passar do tempo de projeção, notamos que não se trata de um homem exatamente justo. Chance é um tanto quanto indiferente às pessoas ao seu redor. Trata o colega como comparsa inferior, o corrompendo. Mantém um relacionamento abusivo com a informante, lidando com ela como se fosse um cafetão. Dito isso, a atuação de William Petersen é excepcional. Certamente seu trabalho aqui garantiu o papel como Will Grahan em Caçador de Assassinos (Manhunter, 1986) de Michael Mann, cineasta que tem muito em comum com o estilo de Friedkin.

O filme é uma adaptação do romance de mesmo nome escrito por Gerry Petievich, que teve uma carreira de 19 anos como agente do Serviço Secreto. Petievich concluiu a obra e a lançou no mesmo ano em que se aposentou. O livro chegou a Friedkin, que em três semanas concluiu a primeira versão do roteiro. O problema era conseguir algum estúdio interessado em um novo trabalho de um diretor cujos títulos não estavam atraindo multidões ao cinema.

A solução veio por meio de Irv Levin, CEO da National General Pictures, uma distribuidora que vinha tendo sucesso trabalhando com a MGM, com os bolsos cheios devido a Poltergeist (1982). Levin carregava um arrependimento por não ter aceitado financiar Operação França e tentou remediar o erro injetando 6 milhões no projeto Viver e Morrer em Los Angeles, o que não representava nenhuma fortuna. 

Com orçamento tão limitado, Friedkin recorreu a um velho amigo, Bob Weiner, um sujeito que costumava ganhar a vida como crítico de teatro para o Village Voice de Nova Iorque. Seu talento era descobrir estrelas de cinema antes de qualquer outro. Weiner foi um dos trunfos na escalação do elenco de Operação França e repetiria seu desempenho. Ele descobriu William Petersen no Canadá, que à época fazia a peça Um Bonde Chamado Desejo, assumindo um papel que já fora interpretado por Marlon brando. Também trouxe Willem Dafoe e John Turturro. John Pankow foi recomendação do próprio Petersen. 

Friedkin conta em sua autobiografia que nunca havia se sentindo tão confiante em uma produção como daquela vez. Estava tudo caminhando perfeitamente.

A violência retratada na tela é um espetáculo à parte, algo que deixaria Sam Peckinpah satisfeito. A rebeldia de cineasta junto ao espírito de sua época, o de fazer um cinema realístico, o fazia, assim como o protagonista do filme, forçar os limites de todos os envolvidos. 

Dafoe aprendeu todo o processo de impressão de dólares falsos com um ex-condenado trazido por Petievich, que atuou como consultor na produção. Filmaram a confecção de notas de 20, algumas apenas com uma face, outras integralmente. Enquanto isso, Petersen e Pankov passaram semanas convivendo com policiais para pegarem as manhas da atividade. Petersen teve de pular de bungee jumpe, encarar uma avenida na contramão (com auxílio dos dublês, claro) e fazer cenas de nudez frontal nível Cine Privé. 

O realismo empregado no filme provocou algumas dores de cabeça. Um membro da equipe de efeitos especiais levou algumas notas de 20 falsas para casa, as que tinham impressão apenas em uma face. O filho dele encontrou e usou para comprar doces em um supermercado. O Serviço Secreto foi chamado e prendeu o garoto e um amigo. Logo chegaram ao nome de Friedkin. O cineasta recebeu uma ligação do Procurador, mas já havia previsto essa possibilidade e estava preparado. A conversa entre os dois terminou com o diretor exigindo um mandato para que assim se apresentasse com um advogado. Nada aconteceu.

Quando o filme foi lançado, começaram a circular histórias de que as notas de 20 estavam sendo usadas pela cidade. Friedkin pegou algumas e usou em restaurantes e outros estabelecimentos. Todos aceitaram o dinheiro falso.

Os críticos usaram adjetivos como tenso, excitante e imprevisível. Compararam Petersen a Steve McQueen. Porém, o filme começou a perder bilheteria e a MGM não fez nada, de acordo com o diretor. O dono do estúdio à época, Ted Turner, se ocupava em relançar clássicos preto e branco recoloridos para serem exibidos em sua rede de emissoras de televisão. 

Em uma entrevista concedida a B. Alan Orange e publicada no site Movieweb, em 2010, o entrevistador pergunta ao cineasta o que ele acha dos filmes repletos de efeitos especiais da atualidade. Sobre o ponto do uso da técnica de captura de movimentos, Billy responde que a graça de fazer um filme consiste em pegar uma imagem em 2D e inserir a ilusão da profundidade. “A arte do cinema é convencer a audiência, provocar a suspensão da descrença e, para isso, é necessário ativar a imaginação do público”.

Ao comentar sobre as dificuldades técnicas em fazer um filme, especificamente no tocante à sequência de perseguição de carros, o diretor é questionado se hoje em dia utilizaria CGI ou se aquele modo de fazer filmes estaria mesmo no passado. A resposta surpreende. Ele diz que utilizaria todos os recursos disponíveis hoje, não fazendo mais sentido arriscar as vidas das pessoas em cenas realmente perigosas. 

Em sua juventude, arriscou demais a própria vida e a de terceiros, mas não faria novamente. Aponta que Paul Greengrass e Pierre Morel superaram tudo o que ele já fez em filmes de ação como A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004) e suas duas sequências, Busca Implacável (Taken, 2008) e Dupla Implacável (From Paris With Love, 2010).

O mestre é mesmo muito modesto. 

Cenas memoráveis

Agente, apostador e cafetão: Após fazerem sexo, na manhã seguinte a informante pergunta a Chance o que ele faria caso ela não trabalhasse mais para ele. A resposta revela um homem frio, que atribui valor para as pessoas apenas de acordo com sua utilidade para ele. 

A Fuga: após conseguirem roubar o dinheiro da transação de diamantes, Chase e Vukovich são perseguidos por vários homens fortemente armados. É então que o agente decide entrar na contramão em uma rodovia movimentada. Se Operação França e Bullit são reconhecidos por terem as melhores cenas de perseguição de carro do cinema, essa sequência em Viver e Morrer em Los Angeles certamente merece a medalha de bronze. 

Quem se junta aos porcos, farelo come: John Vukovich, com a parceria com Chase, se mostra um homem transformado. Seu modo de vestir, de andar, sua atitude, parecem emular os do seu colega agente. Foi apenas durante a montagem do filme que Friedkin percebeu isso e resolveu implementar uma alteração radical no roteiro. 

Viver e Morrer em Los Angeles (To live and to Die in L.A., 1985)
Direção: William Friedkin
Elenco: William Petersen; Willen Dafoe; John Turturro; John Pankov; Darlanne Fluegel
Gênero: ação; policial;
Duração: 1h56min