Top Gun Maverick – O limite é determinado apenas por aqueles que o ultrapassaram

Quando James Bond foi reapresentado ao público na metade da década de 1990, desta vez encarnado por Pierce Brosnan, o agente britânico já contava 3 décadas de cinema. Ao ser chamado para mais uma missão por M (Judi Dench), a superiora o descreve assim: “(…) acho você um machista, dinossauro misógino, uma relíquia da guerra fria.”

Vinte anos depois de 007 Contra Goldeneye (Goldeneye, 1995), em 007 Contra Spectre (Spectre, 2015), ainda pesava sob o espião a acusação de ser uma peça ultrapassada, em vias de extinção a ser substituído pela pura tecnologia. No caso, uma rede de inteligência artificial que tornaria o MI6 obsoleto. O Bond de Daniel Craig, mais que seu antecessor, tinha de provar constantemente que não era velho ou antiquado demais para o trabalho, que o mundo ainda precisava dele mesmo quando todos apontavam que não. 

O piloto Pete ‘Maverick’ Mitchel, interpretado por Tom Cruise no filme Top Gun: Ases Indomáveis (Top Gun, 1986) passa pelo mesmo processo de resiliência contra as transformações do seu corpo, da sua instituição e da sociedade na sequência lançada em 2022. Maverick é um homem envelhecido lutando interna e externamente para se manter o mesmo. O fato de não ter constituído família é apenas um dos indícios de sua recusa a ir em frente. Não progrediu na carreira militar, como o seu colega e ex-rival Iceman (Val Kilmer), não fixou qualquer tipo de raiz em lugar algum. 

No primeiro momento da sequência o encontramos desafiando o sistema para manter uma pesquisa de desenvolvimento de novos aviões capazes de atingir velocidade mach 10, projeto que um alto superior considera desperdício de dinheiro. No mundo atual, caças pilotados por humanos estão sendo substituídos por drones controlados remotamente. Esse futurismo já é realidade há algum tempo, como demonstrado nas campanhas de guerra lideradas pelo governo Obama e na ficção da série Homeland, onde a protagonista da quarta temporada é reconhecida como a rainha dos drones. 

A luta para se manter relevante em um mundo no qual a velocidade dos ciclos de mudanças é catalisada pela tecnologia pode ser observada em várias obras cinematográficas de gêneros diversos, em especial a ficção científica. Em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (Terminator 2: Judgment Day, 1991), o T-1000 é a nova tecnologia de metal líquido que deixa o exterminador encarnado por Arnold Schwarzenegger, o modelo T-800, ultrapassado. Em Robocop 2 (1990), a ameaça produzida pela OCP surge como um novo modelo de androide, mais letal e obediente, com o objetivo de substituir Alex Murphy. 

Em Dívida de Sangue (Blood Work, 2002), ainda que não tenha que enfrentar uma versão melhor de si, encontramos Clint Eastwood vivendo um agente do FBI aposentado que resolve voltar à ativa para investigar o desaparecimento de uma pessoa. Após ter passado por um transplante cardíaco, seu corpo não aguenta o ritmo, mas ele insiste em continuar. É também uma luta contra seus próprios limites. Assim tem sido um padrão nos trabalhos do diretor e ator, de um homem envelhecido que se recusa a simplesmente parar, dentro e fora das telas e lentes. 

Hunter Thompson, o jornalista gonzo, ao singrar pelas ruas de São Francisco nas madrugadas pilotando sua moto durante a época em que escreveu sobre os Hell Angels, experimentava altas velocidades enquanto ponderava que apenas se pode conhecer realmente o limite quem o ultrapassa. Essa reflexão remete às instruções de voo e regras de segurança de pilotagem de caças em Top Gun. Os manuais indicam os limites de cada aeronave, mas Maverick aponta que elas são capazes de mais, e apenas o instinto do piloto pode determinar até que ponto a estrutura irá suportar, um cálculo que uma máquina seria incapaz de ponderar. Um piloto remoto também seria incapacitado, pois a experiência é diferente. 

O protagonista de Top Gun é um homem que desafia os limites na atividade em que se dedicou para ser o melhor. Luta contra a obsolescência e contra qualquer mudança que possa, em sua cabeça, torná-lo mais fraco ou, ainda, apagar sua essência, sua funcionalidade primordial. Apesar de ter aprendido lições preciosas no primeiro filme, como a importância do trabalho em equipe acima da rivalidade, seu pecado continua sendo a sede pelo excesso, por desafiar o limite. 

Em Os Eleitos: Onde o Futuro Começa (The Right Stuff, 1983), acompanhamos a história do desenvolvimento do programa espacial americano, desenvolvendo modelos de jatos que quebrariam a barreira do som. O filme, baseado em livro de Tom Wolff, tem como protagonistas os pilotos de testes, pessoas dispostas a arriscar suas vidas em máquinas que tinham por missão desafiar os limites da realidade conhecida. Os pilotos Top Gun, ainda que em menor nível de risco, compartilham o mesmo objetivo.

Curioso apontar como, para tornar o sucesso de Top Gun Maverick uma realidade, ator e personagem se fundiram. A sequência foi filmada em 2018 e estava programada para lançamento nos cinemas no ano seguinte, porém a pandemia estourou e a Paramount decidiu inserir o filme direto no streaming. Ao comprar briga contra a Paramount e insistir no adiamento do lançamento do longa no cinema, aguardando o momento certo, Tom Cruise adotou uma postura que Pete Maverick adotaria, a de apostar no seu próprio instinto. Deu certo. 

Top Gun Maverick foi o primeiro filme da carreira de Tom Cruise a ultrapassar 100 milhões de dólares de bilheteria no final de semana de estreia e maior arrecadação no território americano. Em um mercado que parecia indefinidamente submisso a franquias baseadas em histórias em quadrinhos de super-heróis, um blockbuster à moda antiga conseguiu atingir a barreira do bilhão de dólares de bilheteria e provou que os homens comuns ainda podem ser heróis de cinema.