Sombras da Lei — Quando aplicar a lei não é fazer justiça

Se Martin Scorsese ficou com seu nome ligado a filmes de máfia, Sidney Lumet ficou associado a dramas de tribunal por 12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men, 1957). O cineasta repetiu embates jurídicos em filmes como O Veredicto (The Verdict, 1982) e Sob Suspeita (Find Me Guilty, 2006), que até virou meme recentemente com a imagem do Vin Diesel com cabelo, mas várias outras produções dele abordaram embates envolvendo divergências entre lei e justiça.

Em Sombras da Lei somos apresentados a Sean Casey (Andy Garcia), um jovem advogado que se inscreve em um programa para ser auxiliar jurídico na Procuradoria do Estado de Nova York. Quando seu pai, o policial veterano Liam (Ian Holm), é ferido em uma ação policial para capturar um grande traficante do Harlem, cuja fuga resulta em três outros policiais mortos, o Procurador Geral, Morgenstern (Ron Leibman), encontra a oportunidade de usar o caso em uma estratégia política para se reeleger, indicando Casey, um novato, para assumir o caso de grande repercussão. O elenco ainda conta com James Gandolfini como Joey Allegretto, policial parceiro do pai do protagonista, um papel que terá grande importância para o desenrolar da trama. 

O julgamento se revela mais difícil do que o esperado por conta de um prestigiado advogado que assume a defesa do traficante, Sam Vigoda (Richard Dreyfuss), mesmo assim Casey consegue vencer, porém é com esse sucesso que seus problemas irão começar. A corregedoria da polícia começa a investigar os policiais envolvidos no caso e descobre indícios de corrupção poderão fazer desabar o julgamento libertando o assassino. Agora em uma posição de influência e destaque, o jovem fenômeno começa a perceber que o mundo jurídico pode criar várias armadilhas, lançar questões morais e éticas que, a depender de suas decisões, o colocam sob risco de perder sua carreira e a todos que ama.

O longa inicia com uma tela preta na qual faixar azuis vão descendo de cima para baixo, formando lentamente a silhueta da cidade de Nova York ao som melancólico de um sax, ambientando o espectador para o drama que se desenrolará, o do ‘self made man’ vindo da classe trabalhadora que sobe meteoricamente na carreira mas cujo sucesso poderá ter um preço amargo. Estando no topo, ele se manterá fiel aos valores que o levaram até ali? Até que ponto vai a tenacidade da lei? Em quem você pode confiar? No chefe e mentor que te ofereceu uma oportunidade única de ascensão profissional mas também o fez por interesses pessoais? Na sua amante, embora ela faça parte de um escritório de advocacia que atue defendendo criminosos que você é pago pelo Estado para condenar? No seu pai, que o passou valores como honra e trabalho, mas que cometeu deslizes graves? Essas questões levam o protagonista a uma encruzilhada onde deverá escolher um caminho que será decisivo para sua vida, para definirá o tipo de agente público que se tornará. 

Lumet vai revelando aos poucos o background dos personagens, que se encaixam perfeitamente com os acontecimentos já apresentados no longa. Quando Sean estapeia um suspeito em seu trabalho, parece ser uma atitude não afeita a um advogado, especialmente em início de carreira, mas depois descobrimos sua vida pregressa como policial e então a cena faz todo sentido. A sequência de ação na qual o traficante foge de um cerco policial é secamente violenta e factível, apresentando pleno domínio da geografia do ambiente, movimentação de câmera e alinhamento do tempo dos acontecimentos. 

Sombras da Lei é uma fábula urbana que representa de modo factível a sociedade, suas instituições, seus agentes e seus dramas tecendo uma situação em que não aplicar a lei pode ser mais justo que aplicar. 

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Sombras da Lei (Night Falls In Manhattan, 1996)
Diretor: Sidey Lumet
Elenco: Andy Garcia, Richard Dreyfuss, Lena Olin
Gênero: Drama
Duração: 1h 53min