O Barco: Inferno no Mar — O suplício daqueles que estão para morrer

Os Estados Unidos, por meio das produções hollywoodianas, convenceram o mundo que foram os grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial. Sob variados pontos de vista, é bem verdade. Após a derrota da Alemanha nazista, a influência norte-americana sob o planeta aumentou subitamente. Vários blockbusters e produções menores foram para as telas abordando a Guerra pelo viés americano. Algumas exceções são Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006), do Clint Eastwood, e A Cruz de Ferro (Cross of Iron, 1977), do Sam Peckinpah. O Barco: Inferno no Mar (Das Boot, 1981), uma produção germânica, entrou no hall dos grandes filmes de guerra mostrando o raro ponto de vista dos vilões, os soldados do Reich. Tornou-se  na época o filme estrangeiro de maior sucesso em território americano, ganhando seis indicações ao Oscar. O Barco ocupa atualmente a 80ª posição na lista de melhores filmes no IMDb, o que não deixa de ser um grande feito. 

Em 1930 tivemos Sem Novidade no Front (All Quiet on the Western Front), uma produção americana sobre a Primeira Guerra Mundial, baseado em livro homônimo de Erich Maria Remarch, um soldado alemão que combateu nas trincheiras e sobreviveu para narrar seu suplício e denunciar o que é a guerra. Remarch sofreu muitas perseguições em sua terra natal por conta do caráter pacifista da sua obra e discurso. O relato de Remarch mostra jovens alemães imaturos e estúpidos, arrancados de suas casas para serem transformados em soldados autômatos para serem queimados em uma guerra confusa. O Barco, também baseado em livro, escrito por Lothar-Günther Buchheim, apresenta uma tripulação de marinheiros já formados que vão combater a bordo de um submarino com a missão de localizar e destruir embarcações inglesas.

O longa começa mostrando um baquete oferecido aos soldados antes de partirem em suas campanhas. Podemos captar uma mistura de medo e ansiedade pairando no ambiente. Um dos soldados passa mal provavelmente pela ansiedade ante a iminência da missão, outro bebe até apagar e ainda há um oficial veterano que aparenta valentia mas cujo olhar deixa transparecer que têm consciência de que poucos naquela sala regressarão vivos. 

O filme é um espetáculo visual e narrativo que permite ao espectador se tornar parte da tripulação, a quase também experienciar a vida em um estreito túnel de ferro, com um banheiro para 50 homens, sob o risco constante de uma morte atroz. Em vários momentos a câmera desliza de uma ponta a outra da embarcação como em um found footage (com steadycam), acompanhando a correria dos homens para estabilizar o equilíbrio do submarino durante manobras ou simplesmente assumirem seus postos. O ambiente confinado transforma indivíduos em uma massa homogênea disforme, homens em animaisque têm de ser controlados por meio de disciplina rígida, por vezes tendo de ameaçar apelar à violência extrema para que a ordem seja cumprida. 

Em tal ambiente, o filme mostra o psicológico de alguns marinheiros cedendo de vez enquanto outros ficam à beira do abismo. A cena em que o mecânico enlouquece temporariamente após um bombardeio é estarrecedoramente realista. É difícil tomarmos uma posição de simpatia diante de personagens que são soldados obedientes a Hitler, dispostos a massacrar os inimigos em prol de instituir uma ditadura global eugenista, mas ainda assim o roteiro consegue incutir a ideia de que nem todos aqueles homens são monstros, mas vítimas das circunstâncias, assim como Remarch. Isso fica claro quando o submarino explode um navio inimigo e o capitão e alguns oficiais ficam observando no deck os homens pulando ao mar, desesperados, alguns em chamas, talvez a cena mais impactante do filme. Para o tenente e o engenheiro, aquelas imagens ficarão impregnadas em suas mentes como um soldador que trabalha sem equipamento de proteção que, à noite, ao fechar os olhos para dormir, continua a enxergar o brilho do maçarico. O Capitão assume uma postura diferente, a do militar que, apesar de se preocupar com seus comandados, está disposto a seguir as ordens a qualquer custo. Esse homem é o resultado de uma linha de produção militar perfeita, que tira a capacidade de reflexão do soldado, mesmo quando a ele é dada uma missão impossível. 

O diretor alemão, Wolfgand Petersen, foi cooptado pelas forças americanas após o seu filme seguinte, História Sem Fim (Die unendliche Geschichte, 1984), iniciando uma carreira de sucesso em Hollywood, onde dirigiu nos anos seguintes astros como Dennis Quaid em Inimigo Meu (Enemy Mine, 1985), Clint Eastwood em Na Linha de Fogo (In the Line of Fire, 1993), Dustin Hoffman em Epidemia (Outbreak, 1995) e Harrison Ford em Força Aérea Um (Air Force One, 1997), voltando ao tema marítimo em Mar Em Fúria (The Perfect Storm, 2000).

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O Barco: Inferno no Mar (Das Boot, 1981)
Diretor: Wolfgand Petersen
Gênero: Guerra
Elenco: Jürgen Prochnow; Herbert Grönemeyer; Klaus Wennemann
Duração: 2h29min