Seven – O filme que restaurou a fé de David Fincher no cinema

Há toda uma nova geração, talvez até duas, que não sabe a resposta para uma pergunta que, há mais de vinte anos, ecoa na mente daqueles que viram Seven – Os Sete Crimes Capitais no agora distante ano de 1995: “O que tem na caixa?”

Três anos antes, em 1992, estreava nos cinemas Alien 3, o primeiro longa metragem de David Fincher. Uma experiência que o deixou desiludido e amargo com a indústria hollywoodiana, o fazendo preferir ter um câncer de cólon a dirigir outro filme. Vieram então mais trabalhos para clientes como Madonna, Michael Jackson, The Rolling Stones e Aerosmith, até que um certo roteiro chegou em suas mãos por engano.

Era uma história sobre dois detetives, um veterano com uma aura de desilusão fortalecida pelos longos anos em contato diário com a perversidade humana, e um novato cabeça quente, mas otimista, ambos tentando desvendar uma série de assassinatos inspirados nos sete pecados mortais da humanidade. Até então, apenas mais um filme policial com parceiros que no início se detestam, mas depois se tornam melhores amigos. Mesmo assim, o roteiro escrito por Andrew Kevin Walker havia sido considerado muito sombrio para ser feito. O motivo era principalmente a resposta à pergunta sobre o que havia na caixa entregue no meio do deserto, endereçada a um dos personagens. E foi a resposta que deixou Fincher esperançoso sobre seu futuro no cinema.

Walker diz ter baseado a história em sua experiência ao viver em Nova York por alguns anos, um lugar onde se sentia alienado, solitário e infeliz na maior parte do tempo. Reprovado, decidiu aceitar reescrever para Jeremiah Chechik (Férias Frustradas de Natal, 1989), que iria dirigir o filme na época. Mas o roteiro terminou indo para as mãos de David Fincher, que acabou recebendo, por engano, o original, aquele que os produtores não tinham coragem de fazer.

O produtor Arnold Kopelson (Platoon, O Fugitivo) insistia em um final feliz, com emoções positivas, otimismo e ao menos um pouco de justiça. Fincher estava determinado a não deixar os problemas de Alien 3 se repetirem. Ele queria total controle criativo e nenhuma interferência do estúdio, e resolveu comprar a briga convencendo as partes a aceitarem aquele final devastador.

O resultado foi um dos mais memoráveis thrillers dos últimos cinquenta anos. Seven ganhou uma indicação ao Oscar de melhor edição, foi aplaudido pela crítica em geral e, curiosamente, conseguiu a sétima maior bilheteria do ano, arrecadando um total de 327 milhões de dólares, tendo custado cerca de dez vezes menos. Até hoje, o título continua sendo um dos grandes momentos da filmografia de todos os envolvidos.

 

A obra possui uma atmosfera de tensão constante, conseguindo provocar repulsa sem nem mesmo apresentar nenhuma cena de assassinato acontecendo. Um processo químico foi aplicado às fitas, onde a camada de prata foi removida, enfatizando as sombras e ajudando a dar uma tonalidade única ao filme.

Vemos apenas o resultado de crimes cruéis perpetrados por uma mente genialmente doentia, em uma cidade imersa em sombras e assolada por uma chuva interminável, que cessa apenas quando o assassino é capturado, levando a um encerramento no calor tórrido de um deserto, onde a luz intensa promete calcinar todo o mal.

Grande parte do mérito veio da habilidade de Fincher como contador de histórias. Alguém que sabe que o impacto do filme resulta não da ação, mas da construção do clima e do psicológico dos personagens, interpretados por Brad Pitt, Morgan Freeman, Kevin Spacey e Gwyneth Paltrow. Interessante apontar que os papéis dos policiais foram oferecidos a Al Pacino, que recusou por problemas na agenda, e a Denzel Washington, que achou o roteiro muito sombrio para seu gosto, decisão da qual se arrependeu depois.

“Em meu primeiro filme, Alien 3, eu tive de pedir permissão para tudo, mas meu segundo filme, Seven, foi realmente minha obra e a de Andy Walker, Brad Pitt, Morgan Freeman e Kevin Spacey. Não precisei pedir permissão a ninguém. Fiz um acordo com o chefe do estúdio, Michael De Luca. ’Cara, a plateia quer uma revelação. Vou fundo nisso. São $34 milhões e foda-se’. Ele estava mil porcento comprometido, até quando estouramos o orçamento em 3 milhões.”

A seguir, a reprodução de uma matéria publicada na revista Empire (fevereiro de 1996) escrita por Mark Salisbury, intitulada Sétimo Inferno, contendo mais revelações sobre os bastidores do filme. Se você não sabe o que havia dentro da caixa, não prossiga.

“Eu não sabia o que aconteceria no fim” recorda Fincher ao ler o roteiro de Kevin Walker. “Meio que pensei comigo mesmo que talvez poderia acontecer, mas que nunca iriam fazer isso, não é a maneira como Hollywood trabalha. Gosto de o filme ser tão cruel. Li umas vinte páginas e pensei, meu Deus, é um filme de parceiros, e é como se eu fosse a última pessoa no mundo a dirigir um, porque não os entendo, mas, de repente, tudo muda e vou me afundando cada vez mais naquela perversão, e nem mesmo me senti desconfortável com aquilo.”

A cereja no topo é quando John Doe (o assassino interpretado por Kevin Spacey) se entrega. “Eu estava lendo o roteiro, então sabia quantas páginas faltavam para o fim e pensei ‘puta merda, se estou sentado no cinema, este filme poderia ter mais uma hora de duração, poderia ser essa a metade do filme’. Fiquei muito desconfortável”.

De fato, Seven tem provavelmente o pior final dos grandes filmes de Hollywood. Fincher se empolga e ri quando fala isso. “Excelente, a maioria das produções de hoje não te fazem sentir nada, então se você pode fazer com que o público sinta algo…fiquei muito chocado ao final, também percebi que o filme tinha aquele tipo de escuridão das produções da década de 70, de algum modo lembrando Klute – O Passado Condena (1971) e Corrida Contra o Destino (1971), e tinha um pouco daquilo de ‘não sei bem o que estou fazendo, mas isso pode dar em um grande filme’.

Foi um final que quase não ia para as telas, recorda. “Chamei meu agente e disse, eles irão fazer esse filme? Quer dizer, você leu aquilo? E ele respondeu ‘sim, eu li’. Eu disse: ‘Tem a porra de uma cabeça dentro da caixa no final, é espetacular. Vão fazer de verdade?’, e ele: ‘Não, você pegou a versão errada do roteiro’. Então eles me enviaram a correta e havia uma cena de perseguição que terminava no banheiro onde a esposa de Mills estava tomando banho enquanto o assassino entrava pela janela”. Fincher, pode-se dizer, não estava muito impressionado com esse final alternativo. “Eu disse: ‘Isto é uma porcaria, o primeiro é muito melhor’. Então fui à luta para manter o original, o que tinha uma cabeça dentro da caixa. Fui conversar com Michael De Luca (da New Line) e disse, ‘A cabeça na caixa, esse é o final legal’, e ele respondeu: ‘sim, eu achei também, vamos fazer essa versão”.

Tendo convencido o estúdio, restava convencer o produtor, Arnold Kopelson. “Nunca que a cabeça na caixa vai aparecer nesse filme, absolutamente de jeito nenhum, nem me venha falar disso”. Fincher respondeu: “Arnold, daqui a cinquenta anos, irão ter caras entre 25 e 30 anos em uma festa e um deles vai estar falando: ‘Lembra quando tínhamos 15 anos, daquele filme que passou na tv, nem sei quem eram os atores, mas no final havia uma cabeça numa caixa no meio do deserto’ e todo mundo vai dizer ‘Sim cara, adorei aquele filme’. Vai ser assim que esse Seven será lembrado, então como você pode cortar isso? E ele respondeu: ‘Você está certo’. Ele avaliou em termos de imortalidade”.

Se alguém te perguntar sobre um filme de serial killer, você provavelmente lembrará de O Silêncio dos Inocentes. É sobre assassinos seriais, afinal, mas as comparações acabam aí. Ele é tão bom quanto dizem, mas não vai além de ser um thriller. Também há algo de perversamente atraente no Hannibal de Anthony Hopkins. Ele pode ser um assassino em massa, mas é do tipo charmoso. Foge da prisão ao final do filme, mas ao menos é para matar um personagem detestável, então tudo bem. É uma válvula de escape cinematográfica. Seven, por outro lado, não possui nenhuma válvula de escape. Nenhuma oportunidade para a plateia desabafar. “Eu quis que fosse assim”, insiste Fincher. “Primeiro, você imagina que é um filme policial, depois, que é um thriller, e então percebe que é um filme de terror – é a porra do Exorcista, e você não tem nenhum controle sobre aquilo, resta seguir viagem”.

Quando a caixa é aberta e Somerset corre em direção ao detetive Mills e ao assassino, é como se você percebesse que aquele final foi cravado em uma pedra, que estaria pensando nele por pelo menos oito ou nove horas depois. De repente se tornava um filme de terror, tendo de lidar com circunstâncias que iam além do seu controle. “Você está na água com um tubarão e não pode nadar mais rápido que ele, ou então está em uma espaçonave com um tremendo monstro te perseguindo sem chances de escapar. E aqui temos um cara cujo destino da esposa já foi decidido e é apenas uma questão de como ele vai lidar com aquilo. Começou como um filme de parceiros, no meio se tornou um thriller, e quando pensam que terminou, vem um final devastador te acertando como um filme de horror e pensei que isso seria legal…apenas detonar com a ideia de como o entretenimento deveria ser”.

Seven e entretenimento? Com certeza essas duas palavras são anátemas. “Eu não sei o quanto cinema deveria ser entretenimento”, Fincher reflete. “Sempre me interessei por filmes que marcam. A coisa que amo em Tubarão é que depois dele nunca mais fui nadar no mar novamente. Tinha cerca de vinte anos quando o vi e meu Deus, foi espetacular.”

Com Seven, Fincher brinca com sua mente, e seus conceitos pré-concebidos sobre o mundo se vão. Os créditos de abertura são como um clipe de música pop com David Bowie. “A única forma de ter aquele resultado em dois minutos seria elaborar algo abstrato. Algo bastante viajado que afirmava basicamente que havia alguém lá fora que tinha uma mente realmente ferrada. E também queríamos que deixasse claro que aquilo não era Lendas da Paixão. Quem achasse isso, estaria na sala de cinema errada.”

E sim, Brad Pitt, que provou de uma vez por todas que não era apenas um rosto bonito, mas também um grande ator, mesmo que disputasse a tela com Morgan Freeman como o tira que já viu tudo aquilo antes e estava próximo da aposentadoria. Pitt não foi a primeira escolha de Fincher para o papel do jovem detetive. “Eu sempre vi alguém que era mais que uma espécie de condenado, e CAA disse que eu deveria conhecer Pitt, que ele estava realmente interessado no filme. Nós almoçamos e ele definitivamente viu o mesmo no personagem, e também tinha a habilidade de falar qualquer coisa e você não se irritar com ele. Estava incrivelmente entusiasmado e disse a ele: ‘Isto não é uma grande produção. É um filme pequeno para todos os envolvidos, e é como devemos ter em mente. É uma pequena produção, um experimento para deixar as pessoas à vontade para fazerem o que quiserem, e todos apostaram nessas pessoas, temos esperança de possamos conseguir uma audiência que o amará ou ficará fascinada por ela, mas como um filme policial orgulhoso, pequeno, feito à mão e ferrado’ e ele respondeu: ‘Estou dentro. Quero fazer.”

Para o papel da esposa de Mills, Fincher escalou a namorada de Pitt, Gwyneth Paltrow, que havia estreado em A Força de um Passado (1993). “Foi minha primeira escolha e todo mundo disse para não ficar com ela, que era muito exigente, não iria aceitar ser apenas a esposa de um policial, que não estava interessada nesse tipo de produção, tão sombria. Nós tentamos conseguir uma figurinista com a qual já havia trabalhado antes e ela recusou, não queria se envolver com esse filme, e vários agentes diziam que não iriam enviar nenhum cliente porque era perverso e misógino, e continuavam dizendo que a Gwyneth não iria fazer. Já havíamos testado bem uma centena de atrizes e até encontramos umas duas que se encaixavam bem, até que Brad a chamou para entrar, não para fazer o teste, mas apenas para nos conhecermos, e lembro de dizer a Arnold para ver aquela garota. Ele assistiu A Força de um Passado, e depois ela veio, sentou por dois segundos e perguntou se havia um banheiro. Ela foi para lá, fechou a porta e Arnold disse: ‘Ela é perfeita’.

Olhando em retrospectiva, dirigir uma sequência de 50 milhões para dois dos filmes mais influentes de ficção científica dos últimos vinte anos provavelmente não era a melhor opção como primeiro trabalho. Especialmente um que teve mais roteiristas que a Bíblia. Mas foram os ataques pessoais que mais irritaram Fincher. “Provavelmente a coisa mais difícil foi que não era de fato uma visão pessoal de qualquer forma”, relembra. “Não é como se alguém dissesse: ‘Pegue esses 60 milhões e faça o que quiser’. As pessoas diziam: ‘Tome aqui 30 milhões. Nós gostamos mesmo de suas ideias, mas não faremos nada porque os custos são altos e também são um pouco questionáveis e não é o que queremos. Queremos algo que pareça com uma sequência’.

Olhando para trás, o que ele acha que deu errado? Foi o roteiro não ser bom, ele ser jovem demais, ou muita interferência dos produtores? “Foi tudo isso”, suspira Fincher. “Foi como a Guerra do Golfo. Você tem de ter colhões de ferro para fazer um filme desse tipo. Por isso que produtores não fazem filmes de 50 ou 60 milhões que são sequências que tenham acrobacias, monstros e efeitos especiais. Se não tivéssemos que pensar de acordo com os dois outros filmes, eles não gastariam tanto dinheiro porque teríamos mais liberdade, mas tinha um nível de expectativa em tudo. De repente haviam sete pessoas em uma sala e todos tinham de concordar com um algo, e sempre que acontece uma situação como essa em um filme, termina tendo um resultado medíocre, porque sete pessoas com medo de perder seus empregos tendem a concordar com algo que elas acham que vai dar certo e que já viram antes.”

Espere, e quanto à Guerra do Golfo, o que quis dizer? “Foi algo bem estranho porque nenhum dos executivos do estúdio queria voar até lá para ver o que estava acontecendo. Eles tentaram controlar tudo sem saber o que de fato acontecia. Confiavam nas palavras de gente que estava apavorada em perder seus empregos se a coisa estourasse o orçamento e todos tentavam se proteger. Então ninguém da Fox estava na verdade por lá, tentavam tomar decisões às cegas sem saber o que estava acontecendo por lá de verdade. Se algo custava 138 mil dólares, você recebia apenas a metade. Bem, não posso filmar sem metade do set. ‘Você terá de dar um jeito’, era esse tipo de coisa.”

Então, qual a pior história de horror? “Todas são. A coisa mais assustadora em Alien 3 foi perceber que, por mais cuidadoso que você fosse, eles te ferravam. Foi uma dura lição a aprender. O modo como você tem de jogar ao lidar com essa quantidade de dinheiro é estar disposto a ir em frente e foda-se. Se não funcionar, não funcionou. Diga que não se importa. Então você fica em uma posição de poder.”

“Eu estava impotente por conta da ansiedade em fazer algo que repetiria a mesma coisa em outros dois filmes. Revendo Alien 3, não é ruim tão quanto lembrava. Ainda é um filme ruim da franquia Alien, mas se separado dos anteriores  é um trabalho interessante. A história que falei para eles, que me conseguiu o trabalho, era legal. Era um filme de David Lean. Não era sobre bombados no espaço, mas sobre pedófilos espaciais. Era algo grande e muito intricando, político. Haveriam três Lance Herinksens por aí, Plau McGann seria um serial killer, e no final do filme teríamos o alien à solta e veríamos três mil soldados em seu encalço. Era algo grande e estranho, a ideia era ótima. Eles me deram o trabalho, então vamos fazer esse filme, mas então ‘Você não pode fazer isso, podemos ter apenas dezoito caras aparecendo no final’. Não podiam pagar os custos daquilo, então em certo momento, cortaram tudo.”

Fincher cresceu em Marin Couty, California. Perto da rua de George Lucas. Ele conta que era um local muito ensolarado e seguro, mesmo que por volta de seis a oito meses, com o assassino Zodíaco estava à solta, o ônibus escolar fosse escoltado por um carro da polícia, mas era a única coisa que quebrava o clima idílico do lugar. “Era um lugar lindo para morar”. Isso é importante porque dois dos filmes de Fincher são ambientados em locais sombrios, depressivos e escuros, o que poderia levar a pensar que seria influência de uma infância profundamente depressiva.

“Você não vai fazer um filme de Alien que seja como um passeio pelo parque com pessoas vendendo balões, você faz um filme de Alien que se passa em algum local hediondo. E quando começa a pesquisar sobre serial killers,  percebe que essas pessoas não vão atrás de senadores, eles pegam os fracos, os que ficaram para trás, os fugitivos e prostitutas, pessoas sequestradas e que tem a infelicidade de estar em uma loja de conveniências às duas da madrugada.”

E sobre sempre estar chovendo em Seven? Foi resultado de ter morado seis meses na Inglaterra enquanto estava fazendo Alien 3? “Não, foi uma decisão pragmática baseada no fato de que só poderíamos trabalhar com Brad Pitt por 55 dias. Depois ele teria que ir para as filmagens de Os 12 Macacos do Terry Gillian, não tinha o que ser feito sobre isso. Então, estava chovendo em Los Angeles na época e sabíamos que teríamos que combinar as cenas internas com as externas. Também foi uma forma de não ficar aparentando ser Los Angeles, porque lá está sempre ensolarado.”

“Só quero fazer o meu melhor e trabalhar no que realmente me importo. É difícil encontrar coisas assim então posso passar um ano pensando a respeito, mas já tenho algumas coisas interessantes, então veremos.”