Dylan Dog em Retorno ao Crepúsculo

O Detetive do Pesadelo ganha nova chance no Brasil através de três edições especiais publicadas pela Editora Lorentz.

Poucos, bem poucos títulos da italiana Sergio Bonelli conseguiram se manter nas bancas brasileiras. Tex, o principal personagem da editora, é a grande exceção, sendo publicado por aqui regularmente desde a década de 1970. Ken Parker e Mágico Vento conseguiram ter todas as suas histórias publicadas. Zagor e Júlia continuam no páreo enquanto tantos outros estrearam e sumiram pouco tempo depois, alguns mais de uma vez. É o caso de Dylan Dog, o detetive do pesadelo. O personagem, que já conseguiu a proeza de ultrapassar o número de vendas de Tex na própria Itália durante algum tempo, já foi publicado por aqui pelas editoras Record, Conrad e Mythos. Agora, ressurge após uma hibernação de 11 anos em uma iniciativa da Editora Lorentz, uma editora criada com a finalidade de publicar o personagem da Bonelli.

Dylan ganhou mais uma chance de cativar leitores brasileiros, chegando a um mercado bem mais diversificado em relação à sua última encarnação editorial, o que não sei exatamente se será uma vantagem. Serão três edições de periodicidade trimestral, contemplando três fases de sua já longa vida. Na terra da bota, seu título mensal já se encontra no nº 369.

O primeiro número traz a história “Retorno ao crepúsculo”, com roteiro de Tiziano Sclavi (criador do personagem) e desenhos de Montanari e Grassani. A princípio o leitor novato pode estranhar a escolha dessa história para a estreia, por ser uma espécie de continuação de “A zona do crepúsculo”, publicada aqui no nº 07 da editora Record, além de fazer referências a inimigos já familiares dos leitores veteranos, como o Dr. Hicks e o Dr. Xabaras.

O fato é que o receio é desnecessário, uma vez que não há nenhum prejuízo para a história atual, que ainda conta com uma narrativa dos eventos da história anterior feita pelo próprio Dylan. Aliás, o universo Bonelli em geral não é como a Marvel e a DC, com cronologias confusas, múltiplas interligações e eventos cósmicos que desconstroem os personagens de tempos em tempos deixando leitores novos confusos e os veteranos irritados. Em geral, o leitor da Bonelli que deixa a publicação no nº 50 não encontrará nenhuma dificuldade em voltar a ler a partir do nº 200.

Após sermos apresentados à rotina dos cidadãos de Inverary, Dylan Dog fala sobre a origem da estranha “zona do crepúsculo”, uma cidade inglesa na qual o tempo parou, onde todos os dias os eventos se repetem de forma exatamente igual. Lá, a ansiedade provocada pela morte não tem efeito, pois ninguém morre. Tudo graças à técnica do mesmerismo aperfeiçoada pelo Dr. Vergerus e aplicada em todos os habitantes. O detetive do pesadelo explica a origem do fenômeno a uma nova cliente, filha de um velho inimigo, que deseja encontrar o local na esperança de que o cientista possa recuperar seu corpo, completamente deformado.

Ao aceitar a o trabalho, os dois partem para o vilarejo inglês a bordo do fusca de Dylan. A partir de então, a história começa a assumir os contornos típicos das aventuras do detetive do pesadelo, onde a realidade se desfaz em camadas e os eventos lembram os filmes da escola do surrealismo francês. Quando finalmente chegam à cidade, descobrem que os habitantes simplesmente sumiram. O problema então é encontrar o Dr. Vergerus, descobrir o que está causando a destruição da zona do crepúsculo e também uma maneira de conseguir sair do lugar, mesmo que, para isso, Dylan tenha de sofrer o processo de mesmerização.

São muitos os fatores que tornam a maioria das histórias do detetive do pesadelo instigantes. Suas aventuras são resultado de um caldeirão de referências que o Sclavi e outros roteiristas da série inserem em tramas que usam da farsa, da enganação e do inusitado como temperos que viciam o leitor, que pode ser surpreendido a cada virar de página. Dylan Dog reúne em si todos os gêneros e sub-gêneros do horror, seja da literatura, do cinema, dos livros de história e ciência ou dos noticiários. Em Retorno ao Crepúsculo, por exemplo, temos o Mesmerismo, uma terapia médica desenvolvida no século XVIII por um charlatão, e um conto de Edgar Allan Poe, O Estranho Caso do Dr. Waldemar, como bases para a história que se desenrola.

Sendo um título no qual os personagens estão sempre às voltas com a morte em todas as suas formas, as tiradas filosóficas são inseridas de modo inteligente, lançando reflexões ao leitor. O horror pode vir na forma de um monstro, um demônio, um alienígena, um fantasma ou simplesmente, o horror da vida real, do dia a dia, do cotidiano estafante. Os habitantes de Inverary ganharam a imortalidade, mas ao preço de ficarem presos em uma rotina previsível, onde todo dia é igual ao dia anterior, como um looping temporal invisível e inescapável.

Além disso, o personagem possui um carisma autêntico. Um ex-agente da Scotland Yard, romântico ao ponto de se apaixonar rápida e perdidamente por uma mulher diferente a cada história, mais curioso que corajoso, armado de auto-ironia e guiado por um quinto sentido e meio. Alguém que, quando cercado pelo inexplicável, é capaz de se perder em monólogos reflexivos sobre o horror da vida e da morte, interrompidos pelas piadas de seu mordomo assistente, uma cópia do Groucho Marx.

A edição da Lorentz é de longe a encarnação do personagem em território nacional que recebeu o melhor tratamento gráfico, com o formato original italiano (16 x 21 cm), capa cartão plastificada e papel offset. Particularmente acho o papel lwc irritante por refletir luz de forma que incomoda a leitura. Todo o acabamento da edição está impecável, o que, aliado ao fato de ser uma editora estreante e de o personagem não ter um público solidificado no país, justifica o valor de R$ 16,00 da revista. Até o plástico que protege a publicação é de qualidade superior.

Quem não conseguir encontrar o título nas bancas, pode pedir diretamente à editora através do Mercado Livre.

Resta então aguardar como será o desempenho do título no mercado, o que determinará sua permanência no país. O fato é que, caso o retorno não seja o esperado, esse será mais um dos grandes mistérios ocultos da humanidade, um enigma que o próprio detetive do pesadelo ainda não conseguiu desvendar.