Seguidores do Bushido: Os samurais sob quatro rodas de Refn e Walter Hill

O cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn atingiu reconhecimento mundial com o lançamento de Drive em 2011, um filme sobre um mecânico e piloto que, para complementar a renda ou para apenas para treinar suas habilidades na direção, aceita trabalhos como motorista de fuga em assaltos. 

O grande público foi capturado pelas sequências de ação dentro do carro e fora dele, a fotografia com cores saturadas, a trilha sonora inusual e uma trama simples. O protagonista, Joe (Ryan Gosling), se apaixona pela vizinha Irene (Carey Mulligan) e, quando parece que está apto a ter uma vida normal, se vê emparedado em uma situação mortífera ao tentar ajudar um amigo. 

Em 1978, Walter Hill apresentava ao mundo seu segundo longa metragem, Caçador de Morte (The Driver). O filme narrava o jogo de gato e rato entre um detetive da polícia e um motorista de fuga de assaltos. Hill apresenta um protagonista silencioso, altivo, solitário, um tanto quanto amargo e mortífero em um mundo de rapinantes onde sobrevive não apenas o mais forte, mas o mais preparado. 

Caçador de Morte contém personagens sem nome, jogadores que só têm importância puramente pelos papéis que desempenham. Além do policial (Bruce Dern) e do criminoso (Ryan O’Neal), este o protagonista, aquele por quem o espectador irá torcer, está também uma espécie de mulher fatal, interpretada pela Isabella Adjani. 

O Joe de Gosling poderia ser filho do motorista sem nome de O’Neal. Ambos possuem as mesmas características físicas, trejeitos, dividem as mesmas habilidades e inclinação a atos ilícitos. São loiros, silenciosos e frios nos momentos de ação e estão sempre se antecipando aos eventos, o que revela um excesso de precaução característico de quem não confia no seu próximo. Isolados, encontram na música o entretenimento. O motorista de O’Neal, trancado em seu quarto ouvindo música country em um rádio de pilha. O piloto de Gosling cruza a cidade ao som de uma espécie de música pop com tons retrô. 

Indo mais longe na árvore genealógica dos dois personagens, chegaremos a Jeff Costelo, o protagonista do filme de 1967 de Jean-Pierre Melville, O Samurai (Le Samourai). No longa francês, acompanhamos um matador de aluguel interpretado por Alain Delon. O filme de Melville inspirou uma larga geração de cineastas, incluindo Refn e Walter Hill. Dois resultados evidentes são Caçador de Morte e Drive, mas podemos apontar também Ronin (1998) de John Frankenheimer e O Matador (Dip huet seung hung, 1989) de John Woo. 

Mas não são apenas as características físicas e psicológicas dos personagens principais de O Samurai, Caçador de Morte e Drive que são semelhantes. As tramas dos três filmes carregam similaridades em alguns pontos, mas Caçador de Morte e O Samurai são os mais próximos, enquanto que Drive se distancia de seus predecessores. 

Nos filmes de 1967 e 1978, há um contrato de trabalho, ocorre uma traição, surge uma garota de comportamento ambíguo que decide não entregar o protagonista e há um policial disposto a quebrar a lei para prender o culpado. O motorista de 2011 parece tentar se afastar do bushido. Ao quebrar suas próprias regras, ao fugir do caminho solitário do samurai, Joe termina em uma caçada humana dirigida por uma espécie de gângster, submergindo em um submundo do qual sempre procurou manter uma distância profissional. Apaixona-se e volta ao crime apenas para ajudar um amigo em dificuldades.

No conto conduzido por Refn não há um policial como antagonista, mas um criminoso que quebra as regras do submundo e se vê obrigado a eliminar os envolvidos. O projeto de Refn parece dividir a influência com Michael Mann em Profissão Ladrão (Thief, 1981) onde um criminoso quer alcançar uma espécie de redenção constituindo uma família, mas termina em conflito com alguém do submundo. 

Enquanto o longa de Hill se tornou praticamente um cult movie, uma peça do gênero ação subestimada e desconhecida do grande público, a obra de Refn atraiu a atenção do mundo para ele. 

Sob os três filmes, que têm a mesma inspiração, naturalmente pesa a mesma acusação, de terem mais estilo que história, de a forma se sobrepor a todo o resto. Esses críticos não estão errados, mas esquecem que o cinema pode ser tanto entretenimento quanto arte, funcionar com roteiros minimalistas, personagens pouco desenvolvidos e chegar a um resultado acima da média. 

O poeta Carlos Drummond de Andrade afirmou que escrever é a arte de cortar palavras. O mesmo princípio pode ser aplicado ao cinema. Melville, Hill e Refn, como cineastas hábeis, reduzem o filme à sua essência, cortando tudo o que for excesso, supérfluo, chegando a um resultado que convida o espectador a repetir a imersão em suas obras. 

Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017) de Edgar Wright também reúne todos os indícios de que sua origem remonta ao francês de 67, mas sofre dos excessos do cinema de ação atual.