O gabinete do Dr. Caligari

A obra fundamental do expressionismo alemão que impulsionou o cinema fantástico.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1917, a Alemanha estava sob as cláusulas limitantes do Tratado de Versalhes, acordo estabelecido pelos países vencedores e que punha restrições e punições ao derrotado. O povo alemão vivia então um período turbulento, com campos agrícolas e indústria arrasada, propiciando o surgimento de vários conflitos internos. Externamente, o país era visto como o grande vilão da Europa.

Foi em meio a esse estado que, em 1920, foi lançado o filme O Gabinete do Dr. Caligari, produção que inaugurou uma escola do cinema conhecida como “Expressionismo Alemão”. A película apresentava características que marcariam os próximos filmes daquela época, instituindo as bases do que viria a se tornar o gênero do horror, com cenários sombrios que pareciam constituir uma espécie de realidade onírica, um pesadelo habitado por monstros assassinos.

A história, escrita a quatro mãos por Carl Mayer e Hans Janowitz, apresenta os estranhos e macabros eventos que começam a acontecer na cidadezinha de Holstenwall após a chegada do estranho Dr. Caligari com seu espetáculo no qual apresenta um sonâmbulo chamado Cesare, capaz de prever o futuro das pessoas. Francis e seu amigo Alan visitam o gabinete do Dr. Caligari para assistirem ao espetáculo. É então que, ao ser despertado, Cesare sentencia que Alan morrerá na manhã seguinte. Quando seu amigo é de fato encontrado morto no outro dia, Francis passa a desconfiar de Caligari e seu servo zumbi. Logo, Jane, sua noiva, se torna o próximo alvo.

Janowitz se inspirou em uma sinistra figura que viu certa vez em um parque de diversões. No dia seguinte, uma garota foi encontrada brutalmente morta e a mesma figura esteve no enterro.

O diretor Robert Wiene criou uma Alemanha sombria, com arquitetura enviesada e personagens de aspecto fantasmagórico. Os cenários são distorcidos, com portas, janelas, cadeiras, telhados e escadas enviesadas, construções que renegam as leis da engenharia e da física. Uma alusão ao estado da Alemanha pós-guerra, resiliente mas repleta de problemas internos. Quando Cesari rapta Jane e a leva nos braços pelos telhados da cidade, perseguido por um grupo de cidadãos empunhando tochas, apresenta-se de forma ampla um cenário impossível.

Tanto o zumbi-sonâmbulo Cesari quanto seu mestre Caligari possuem uma maquiagem cadavérica, reforçando seu aspecto de mortos-vivos em um mundo que tenta se recuperar de suas perdas. O espectador é levado ao longo do filme, por meio de Alan, a se perguntar acerca da veracidade dos acontecimentos apresentados. Um grupo de médicos começa então a suspeitar dos relatos do jovem. Eis então que as dúvidas começam a se instalarem na mente do espectador, que passa a se sentir tão confuso quanto o próprio personagem.

O obscurecimento das bordas da tela, sugere que o espectador está vivenciar um pesadelo. O pesadelo no qual a Alemanha se encontrava imersa, vendo inimigos à espreita e sendo ela mesma vista como o inimigo pelos outros países. Mais tarde, como uma espécie de predição apocalíptica, essa miríade de sentimentos paranoicos tomaria forma física e espalharia uma teia de horror e destruição pelo mundo na forma do nazismo.

Era a época de uma Alemanha decadente, repleta de sombras e pensamentos lúgubres, onde a população ainda chorava por seus mortos em uma nação semidestruída. Os cineastas da época absorveram esses sentimentos e os expressaram cinematograficamente, deixando de lado a verossimilhança e criando mundos deformados que expressavam esses sentimentos e sensações de desordem e angústia.

Em seguida, o fantástico começaria a invadir as telas de cinema na Alemanha, e depois sua influência se espalharia pelo mundo. O gigante de lama em O Golem (1920), o próprio ceifador encapuzado em Nosferatu, A Morte Cansada (1921), o vampiro em Nosferatu, Uma Sinfonia de Horror (1922), um triunvirato de assassinos formados pelo califa Al-Raschid, Ivan, o Terrível e Jack, o Estripador em O Gabinete das Figuras de Cera (1924) e um reflexo vingativo em O Estudante de Praga (1926) foram algumas das obras mais marcantes que o expressionismo alemão criou.

As técnicas de iluminação e cenografia, criando mundos sinistros, estéreis e fantasmagóricos, além de arquétipos como o do predador masculino e da mulher indefesa inspiraram Hollywood, com os monstros da Universal e outras produções. O diretor Tim Burton bebe diretamente da fonte do expressionismo, criando cenários sombrios e personagens deformados física e psicologicamente, como Edward Mãos de Tesoura ou o Pinguim de Batman o retorno (1992) ou ainda o Beetlejuice de Os Fantasmas se Divertem (1988).