The Warriors – há mais de cinquenta anos arrebentando Nova York e o Mundo

A adaptação cinematográfica do livro The Warriors, escrito por Sol Yurick, transformou uma obra literária de modesto sucesso em um clássico da cultura pop.

Assistir a um filme pela televisão provoca uma sensação diferente de utilizar um serviço de streaming, alugar ou comprar um DVD ou Blu-ray, baixar um arquivo mp4 através de torrents ou ainda assistir no cinema. Por meio de um canal aberto há uma sensação fantasma de coletividade. Uma sensação de que outras pessoas, em algum lugar do país, estão compartilhando aquela experiência com você. Milhares de desconhecidos concentrados, ao mesmo momento, recebendo os mesmos estímulos audiovisuais.

Na década de 80, esse tipo de percepção extrassensorial de alguma forma mística era bastante comum. Na manhã seguinte todos na escola e na rua do bairro comentavam acerca do filme da noite passada. Quando era anunciada a reprise, o boca a boca era a confirmação de que muitos parariam novamente em frente às telas, na hora marcada para a transmissão, para rever o filme e repetir os mesmos comentários da primeira vez.

The Warriors – Os Selvagens da Noite foi uma dessas obras cinematográficas que marcaram época. Sua menção pode provocar paralisias nostálgicas em quem passou pela experiência de ver e comentar com todos os amigos acerca das brigas entre as gangues. Eu não fui um destes. Misteriosamente, não sei dizer onde estive nas inúmeras ocasiões em que esse filme foi reprisado na televisão. Também não posso confirmar que tenha estado presente nos corredores da escola para conferir o que meus colegas falavam das guerras de gangues filmadas por Walter Hill.

Na verdade o filme costumava ser reprisado nas madrugadas, e criança era obrigada a dormir cedo. Conheci Warriors há pouco menos de 10 anos atrás, por indicação de um desses fanáticos entusiastas do filme. Será que a obra forneceu os impulsos necessários para que ele se tornasse parte de uma torcida organizada de futebol? Alguns estudiosos adorariam confirmar que sim.

Quando estreou, em 1979, as próprias gangues da obra pareciam ir às sessões. Pancadarias antes, durante e após o filme foram registradas. Falou-se de uma ou outra morte. Adolescentes começavam a procurar entrar em gangues ou formar as suas. Todo mundo entre 12 e 18 anos queria ser um Warrior. O grupo de jovens que queria apenas cruzar Nova York até chegar em casa talvez não tivesse exercido a mesma influência caso o diretor Walter Hill tivesse seguido à risca algumas características da história original.

Cinematograficamente a adaptação deu tão certo que em Coney Island, lar da gangue principal do filme, ocorre o The Warriors Fest, um encontro no qual os fãs do filme se reúnem com a presença de atores do elenco, fazem cosplay, compram souvenirs e encaram filas para autógrafos em seus itens de colecionador.

A editora DarkSide lançou recentemente Warriors – Os Selvagens da Noite, de autoria de Sol Yurick, um norte americano que cresceu na pobreza da Grande Depressão, queria ser cientista, se formou em Literatura, fez especialização em filosofia, se lançou como escritor e teve de encarar um emprego como assistente social no Departamento de Bem Estar Social de Nova York na década de 50, quando percebeu que vencer no mundo literário não era fácil.

Fisicamente, o livro conta com o esmero já típico da editora. A ilustração da capa imita a jaqueta de couro da gangue principal do filme, com a marca e título em destaque. Os capítulos são separados por desenhos dos mapas do metrô de Nova York. Esteticamente irresistível para os fãs do filme.

Além da história original na íntegra, a publicação traz dois breves comentários sobre a obra. Um do Férrez, romancista paulistano conhecido por obras que se relacionam ao universo da periferia das grandes cidades, e outro de Beto Estrada, do site Jovem Nerd. Ambos comentam o impacto do filme (não do livro) à época e como a obra marcou a juventude de ambos.

Em seguida, um longo prefácio escrito pelo próprio Sol Yurick, que termina por se tornar a parte mais interessante do livro, ainda mais que a história em si. O autor discorre francamente acerca de sua trajetória pessoal até a elaboração, lançamento e transposição de sua obra para o cinema. Conta seus fracassos no campo literário e como a vida o guiou até a composição de uma obra que foi inicialmente embasada no livro Anábase, escrito pelo grego Xenofonte, uma história que narra a marcha de um exército de 10 mil mercenários gregos, guiado pelo príncipe persa Ciro, para tentar um golpe contra o Império. No livro de Yurick, Ciro é um membro visionário de uma das tantas gangues da cidade que procura unificar todos os marginalizados para tomarem o poder em Nova York através da força.

Lançado na década de 60, o livro Warriors chamou a atenção, sendo publicado também na Inglaterra e Japão. Entre 76 e 77, Hollywood comprou os diretos de adaptação e Walter Hill assumiu a direção. Hill fizera Lutador de Rua (Hard Times, 1975), com Charles Bronson, e Caçador de Morte (The Driver, 1978) estrelado por Ryan O’Neal. Mesmo sendo dois filmes competentes, não chegaram a chamar a atenção do grande público. Era preciso mais.


Na discussão típica de qual obra é melhor, o livro ou o filme, este foi um dos casos nos quais o poder de Hollywood venceu, transformando um livro de sucesso modesto em um clássico cult que deu uma poderosa sobrevida ao original e certamente foi a causa da aposta da Darkside. Inevitável evitar comparações entre os dois formatos, especialmente quando ocorreram tantas adaptações para transpor a história para as telas. Enquanto Yurick escreveu uma narrativa baseada em um antigo texto grego, enfocando especialmente os aspectos sociológicos da juventude devastada de sua época, Hill criou um enredo de ação e aventura.

No livro, Os Dominadores são um grupo de negros marginalizados, frutos de desprezo e carências sociais, capazes de atos gratuitos de violência como um brutal assassinato de um transeunte e até um estupro grupal que têm como consequência o afastamento da simpatia do leitor pelos protagonistas. Warriors se refere de modo genérico a todos os membros de gangues. No filme, é o nome de um grupo específico, no qual temos uma mescla racial julgada pelo escritor como impossível de acontecer na época. O grupo liderado por Swan conquista a torcida dos espectadores, em uma fuga alucinante em meio a uma trilha sonora rock n’ roll e memoráveis confrontos físicos entre gangues que parecem saídas de histórias em quadrinhos. O tipo de ação que não aparece na versão original.

As adaptações desfiguraram o propósito da história criada por Sol, que confessou não ter gostado do resultado final. Contudo, com o sucesso do filme, em 79, o livro foi reeditado e lançado na França, Itália, Alemanha e Portugal. Hoje, mais de quatro décadas depois de seu lançamento, ainda é reeditado. A obra nas telas vai ganhar uma sobrevida que deve alavancar ainda mais a procura pelo livro, uma vez que uma série de televisão já foi anunciada por Joe e Anthony Russo, responsáveis pelo filme Capitão América: Guerra Civil.


Os fãs do filme não encontrarão no livro exatamente os mesmos elementos que os fizeram ter vontade de procurar uma gangue. Não há assassinato culpando os Warriors, que se chamam Dominadores no original, nem combates ferozes entre os grupos, apenas um bando de desajustados que tentam voltar para um lar socialmente destruído. Se era possível torcer pelo marrento e intempestivo Ajax, um personagem estilo anti-heroi, o mesmo não acontece com Lesadão, sua contraparte literária, um adolescente estúpido que seria destaque nos piores programas policiais do país. Yurick escreveu uma obra para leitores adultos. Hill dirigiu um filme para um público adolescente, falando diretamente a eles através de valores que perdurarão até colonizarmos Marte e além. Fazer parte de um grupo exclusivo e ter o aval para praticar atos socialmente condenáveis ou ilegais é o desejo obscuro no coração de cada criança, adolescente ou ainda de adultos problemáticos.

Warriors – Os Selvagens da Noite é um livro direcionado para os que não cansam de rever o filme e que gostariam de se aprofundar nas raízes da obra. É uma história que envelheceu bem, capaz de conquistar novas gerações ainda que vindas do cinema de ação.