Chamando os caça-fantasmas

Os caras que acreditavam em você precisaram de alguém que acreditasse neles primeiro.

O sucesso de Star Wars foi um indício de que a linguagem dura da Nova Hollywood da década de 70 perderia a força. Os ditadores da violência cinematográfica logo teriam de voltar aos becos escuros. Finais felizes e personagens carismáticos estavam de volta às telas e um quarteto de cientistas carregando mochilas de prótons iria afirmar definitivamente essa mudança de clima. Um sujeito saído de um programa televisivo de comédia começou a criar o conceito do que viria a se tornar um dos grandes ícones de uma geração. Uma produção que Sun Tzu chamaria de uma comédia celestial.

Dan Akroyd realmente acredita em fantasmas. Um negócio de família, mas não exatamente como o dos Winchester. Seu bisavô fazia às vezes de canal com o outro mundo. Seu avô tentava se comunicar com os mortos por meio de ondas de rádio. Seu pai tinha suas histórias sobre fantasmas. Akroyd pegou tudo isso e transformou em um filme, ganhando muito dinheiro, transpondo os limites entre a televisão e o cinema e inspirando muita gente a querer fazer filmes também. Mas o projeto atravessou muitos obstáculos, desencontros e imprevistos.

O filme era uma daquelas apostas que quebram a banca. E o dono do cassino não vê com bons olhos esse tipo de apostador. Muito dinheiro para atores vindos da tv liderados por um diretor inexperiente é sinal para que os produtores levantem voo, até porque na época O Portal do Paraíso (heaven’s Gate, 1980) de Michael Cimino não era exatamente uma lembrança distante. Outro sinal dos Deuses de que a coisa vai acabar mal é quando um dos astros do projeto morre de uma overdose de drogas em Los Angeles. Akroyd faria uma parceria com John Belush, amigo do Saturday Night Life. Entra então Bill Murray. O problema era que Bill tinha fama de não se comprometer seriamente com nada até os últimos momentos.

Ninguém envolvido no projeto jamais havia feito algo nessa escala, e tiveram então apenas um ano para reescrever, gravar e editar o filme. Frank Price, o cara da Columbia que deu luz verde, já era considerado o sujeito que havia apostado sua casa no azarão.

Em seu auge, Akroyd era tido como uma espécie de Deus das Ideias na Televisão. Michael Ovitz, fundador da Creative Artists Agency declarou que, em dado momento, haviam 10 ideias dele em diferentes fases de desenvolvimento ao mesmo tempo. O problema era que ele era bom em disparar essas ideias como uma metralhadora, mas precisava de alguém que as tornasse reais.

Para direção foi escolhido Ivan Reitman, conhecido por Recrutas da Pesada (Stripes, 1981) e Almôndegas (Meatballs, 1979). Reitman comentou que o primeiro roteiro era uma loucura impossível de ser filmada, algo bem diferente do que chegou ao público. Se passava no futuro e em vários planetas e dimensões diferentes. Já tinha o monstro de Marshmallow e o logo que se tornaria a marca registrada dos Ghostbusters. O diretor sugeriu que os Caça-Fantasmas se tornassem uma espécie de trabalho em uma cidade moderna, um ramo de negócios. Queria tornar as coisas realistas ao ponto de um gigante feito de marshmallow ser verossímil. Akroyd concordou. Seria então em Nova York, um lugar repleto de prédios com arquitetura gótica protegidos por gárgulas que seriam perfeitas para criarem vida.

Era muito dinheiro apenas para fazer rir

Iria custar a humilde bagatela de 25 milhões de dólares. Esse foi o valor estimado que Reitman deu ao engravatado da Columbia, Frank Price. A estreia foi marcada para o verão de 84, já o ano seguinte.

Foram duas semanas intensas apenas concentrados em reescrever o roteiro. Primeiro remodelaram os personagens principais, Peter Venkman, Raymond Stanz e Egon Spengler, respectivamente o espantalho, o leão covarde e o homem de lata. Decididamente escolheram os sobrenomes mais estranhos do cinema.

Enfim, o novo roteiro iria requerer aproximadamente 200 tomadas com efeitos especiais. A empresa capaz de criar os efeitos estava ocupada em Indiana Jones e o Templo da Perdição e em O Retorno de Jedi. A opção era criar uma própria para o serviço. Por sorte, Richard Edlund, famoso pelos efeitos de Poltergeist e Os Caçadores da Arca Perdida estava querendo montar seu próprio negócio. Daí então, de algum modo, Reitman fez a conexão entre Edlund, a Columbia e a MGM e estava criada a Boss Film Studios.

Escolhendo quem seria o porteiro e quem seria o guardião

Tudo então começou a tomar forma. Sigourney Weaver se tornou a Dana Barret, que seria possuída por Zuul, o Porteiro. John Candy meio que recusou o papel de Loius Tully, o carinha que seria o Guardião, por insistir demais em modificar o personagem. Rick Moranis achou o roteiro genial e aceitou. Houve boatos de que o quarto Caça-Fantamas seria Eddie Murphy, mas Reitman desmentiu. Então Winston Zeddmore assumiu o personagem que não era cientista, que não tinha explicações científicas para o que acontecia ao seu redor, oferecendo a oportunidade de o público aprender com ele sobre o que o grupo fazia. Annie Potts se tornaria Janine Melnitz, a secretária caída de amores pelo Dr. Spengler.

Gozer, o demônio com voz gutural que assustava de verdade em um filme com tons de comédia, era uma modelo iuguslava chamada Slavitza Jovan envolta por uma roupa colante que imitava algo como a pele molhada cheia de espuma de banho. Ao menos era como eu via aquilo.

 

A música tema se tornou uma das trilhas sonoras mais emblemáticas da década e da história do cinema. Escrita e interpretada por Ray Parker, permaneceu na primeira posição durante três semanas na lista das 100 melhores da Billboard. Recebeu ainda uma indicação na categoria Melhor Canção Original.

As filmagens então começaram em outubro de 83, em Nova York. A cidade estava saindo de uma década de prejuízo financeiro e vivia uma onda de violência. NY era uma cidade horrível, uma enorme cena de crime a qual pessoas decentes não visitavam mais. E os Caça-Fantamas iriam dizer que era ok morar em NY, que era o momento de expressar o amor pela metrópole, como fez Winston ao final do filme falando “Eu amo esta cidade”.

As locações foram na biblioteca de Nova York e outros locais icônicos. Murray, Ramis e Akroyd tiveram de correr de um segurança do Rockfeller Center. Eles não sabiam que se tratava de uma propriedade particular. Então que veio o choque ao descobrirem que havia uma série de TV da década de 70 chamada The Ghost busters, da Filmation. A série contava as aventuras de um trio de detetives do sobrenatural formado por Spencer (Larry Storch), Kong (Forrest Tucker) e Tracy (Bob Burns), o gorila assistente. Era uma comédia para crianças, um negócio do tipo Os Trapalhões encontra a vila do Chaves. Vendo neste século e nesta idade, não consigo dizer se era algo engraçado ou apenas muito constrangedor.

Tiveram de pensar em outro nome, e então saíram sugestões que soaram medonhas, como Ghoststoppers e Ghostbreakers. Mas quando gravaram uma cena no Central Park onde dezenas de figurantes gritavam Ghostbusters, foi um incentivo para tentarem conseguir um acordo para a utilização do nome. Ligações foram feitas, negociações rolaram e o nome foi liberado por $500.000 dólares e 1% do lucro do filme, o que, de acordo com as famosas práticas contábeis de Hollywood, iria dar um total de 0% para a Filmation.

Nunca cruzem os raios!

As armas do grupo eram parte do fascínio que exerciam no público. Cientistas que decidiram lutar contra as intervenções do sobrenatural armados com um dos poderes mais destrutivos já criados pelo homem: um mini-acelerador de partículas capaz de emitir um feixe com carga positiva de prótons que polariza a energia carregada negativamente de um fantasma, agindo como um laço capaz de imobilizar as aparições. Depois de imobilizados eles são encaçapados na “armadilha” e então armazenados em uma espécie de reator nuclear muito seguro mas capaz de destruir meia cidade casos seja desligado. E não esqueça a importante advertência: nunca cruze os feixes! O cruzamento dos raios pode resultar em uma reversão total de prótons, modificando toda a vida como a conhecemos e fazendo como que cada molécula do corpo exploda na velocidade da luz.

O fantasma da incerteza continuava assombrando nossos heróis até o último momento. Um executivo do estúdio, após uma exibição do filme, colocou a mão no ombro de Michael Ovitz e disse: “Não se preocupe. Todos nós cometemos erros”.

Esqueçam. Cruzem os raios!

Na primeira semana de estreia, em junho de 84, o filme ultrapassou a posição de melhor estreia em final de semana e melhor semana da Columbia. Lucrou 238,6 milhões nos EUA. Havia uma certa linha divisória, uma cisma entre atores de tv e atores de cinema. Nunca antes atores de tv haviam participado de papéis principais em um filme para cinema. Achavam que ninguém pagaria para ver pessoas que já viam de graça na televisão. A partir de então a atitude os estúdios mudou.

Com o sucesso nas bilheterias, vieram em seguida um video game, uma animação para tv chamada the real ghostbusters (1986-1991) e uma parte II que não escapou da maldição das sequências hoolywoodianas.

The Real Ghostbusters x The Original Ghostbusters

A Columbia lançou a animação que durou de 1986 até 1991, ajudando a consolidar a franquia na mitologia da cultura pop. Adicionaram “The Real” ao título original ainda por conta da série de TV da Filmation. A produtora havia esquecido de colocar na negociação para liberação do nome a possibilidade de uma série animada.


Ainda houve uma tentativa fracassada de colaboração com a Columbia, de modo que cada produtora resolveu fazer sua própria animação. Foi então que a Filmation retomou seus antigos Ghostbusters, agora em formato de desenho animado. Ambos estrearam com apenas dias de diferença. Ironicamente, o original foi considerado a cópia. Aqui no Brasil, era apresentado nas manhãs do SBT, enquanto que The Real Ghostbusters era exibido na Globo.

Extreme Ghostbusters

Em 1997 surgiram os Novos Caça-Fantasmas, como ficou conhecida aqui no Brasil a animação Extreme Ghostbusters, criada por Jeff Kline e Richard Raynis. Quando não restaram mais fantasmas a serem capturados, Stantz, Venkman e Zeddemore foram embora de Nova York, restando apenas Egon, que se tornou um tipo de professor de parapsicologia em uma universidade comunitária. Um acidente então libera uma nova leva de fantasmas na cidade, forçando o Dr. Spengler a tornar seus alunos em novos caça-fantasmas. Também participam Janine e Geléia. A série, exibida no Brasil pela Record, teve apenas uma temporada, contando com 40 episódios.

Ghostbusters 2

Cinco anos depois, em 1989, a parte 2 chegava aos cinemas com uma expectativa enorme. Mesmo após terem salvado Nova York, Egon, Peter, Ray e Winston ainda são tratados com descaso e desconfiança, sendo obrigados a pararem com o negócio de caça-fantasmas. Mas fenômenos sobrenaturais começam a ocorrer novamente e a formação de um rio de ectoplasma nos esgotos da cidade seguida pelo surgimento de uma infestação de espectros que anunciam a vinda de Vigo, o flagelo dos Cárpatos, um tirano do século XVI, faz com que a população clame novamente pela ajuda dos Caça-Fantasmas.

Escrito também por Akroyd e Ramis e dirigido por Reitman, essa sequência traz mais do mesmo. Os efeitos especiais estão melhores e há a memorável cena na qual os quatro fazem com que a estátua da Liberdade crie vida e saia andando pela cidade. Mais uma vez, o filme é uma declaração de amor à cidade e traz uma mensagem até certo ponto piegas de amor, uma vez que o rio de ecotplasma é alimentado pelas energias negativas dos próprios cidadãos.

O filme não teve o mesmo impacto que o anterior, ainda que não tenha causado prejuízo de forma alguma (arrecadou 112 milhões contra os 37 milhões que custou), mas não foi bem aceito pela crítica e público.

Moranis desabafou sobre a segunda parte: “Era algo praticamente impossível conseguir criar algo tão inesperado e fora do comum que ficasse tão bom quanto o primeiro. Em sequências, as pessoas não querem ver as mesmas coisas, elas querem ver algo melhor.”

Ghostbusters 3 Tentando sair do Receptáculo

Sobre uma terceira sequência, Bill Murray respondeu a David Letterman certa vez que só a faria depois de morto por um rolo compressor. Akroyd sempre se empenhou em manter viva a franquia. Ernie Hudson prosseguiu atuando. Harold Ramis, o Dr. Egon Spengler, faleceu em fevereiro de 2014, aos 69 anos.

Em 2002 houve os rumores de Ghostbusters 3: Hellbent. Akroyd meio que reaproveitou algumas ideias que foram descartadas. Uma versão infernal de Manhattan, chamada Manhellton, com problemas de superpopulação começa a enviar seus “cidadãos” para nosso plano. Aquele sistema de “Quando não há mais lugar no inferno, os mortos caminham na Terra”. Duas garotas iriam fazer parte da equipe, Franky, uma punk de New Jersey, e Moira, uma ginasta e cientista supergata.

Em 2005 Harold Ramis declara que Ben Stiller seria a primeira opção para um novo caça-fantasma. Agora o filme se chamaria Ghostbusters in Hell, onde nossos heróis seriam transportados para uma dimensão paralela.

Em 2009, um novo roteiro surge, escrito por Gene Stupnitsky e Lee Eisenberg, da série The Office. Além de novos personagens para a equipe, teria participação de todos os veteranos. Seria filmado em 2010 e lançado em 2011.

Em 2010, rumores de que a Columbia queria um diretor mais jovem ao invés de Ivan Reitman, o que não foi aceito. Em uma entrevista ao David Letterman, Murray disse que Ghostbusters 3 era seu pesadelo e que seria uma loucura fazer uma sequência.

Em 2012, Akroyd resolveu recomeçar tudo começando do zero. Reitman desistiu de dirigir uma sequência e a ideia de um reboot voltou a ser cogitada.

Depois de 25 anos de muitos planos desfeitos, e em uma onda favorável de nostalgia, remakes, prequels e sequels, finalmente acontecerá um terceiro Caça-Fantasmas. Na verdade nem será uma sequência. Batizado simplesmente como Ghostbusters, trará uma equipe feminina interpretada por Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate McKinnon e Leslie Jones. Dan Akroyd, um dos roteiristas, seria praticamente o único elo com a franquia original.

Previsto para estrear em Julho de 2016, a liberação do primeiro trailer oficial no canal do YouTube da Sony Pictures causou repercussão devido ao grande número de dislikes dos internautas, gerando matérias especulativas em sites de cinema e muita discussão nas redes sociais. Alguns pontos que deixaram os fãs preocupados foram os efeitos especiais semelhantes a uma animação da Disney, o excesso de comédia do tipo pastelão e a ausência daquela sensação real de perigo que Gozer e Vigo deixaram. Afinal, o original era o que se poderia chamar de “uma comédia de dar medo”. Novamente, as Caça-Fantasmas precisam mais do que nunca de pessoas que acreditem nelas. Serão o Quarteto-Fantástico de 2016?