Fútil e Inútil – O humor é uma criatura instável que pode devorar o próprio criador

A revista MAD é de conhecimento comum por ter sido publicada no Brasil, com grande sucesso, por muitos anos, contando inclusive com colaborações de artistas brasileiros, como o já falecido cartunista e editor Otacílio d’Assunção, o genial Ota. Já a National Lampoon basicamente só é conhecida aqui por um grupo mais específico de aficionados por cinema, especialmente do gênero comédia. 

Nascida em Harvard, a revista se tornaria, na década de 1970, um dos grandes ícones da comédia norte-americana, saindo do papel para as ondas radiofônicas e películas cinematográficas, tornando conhecidos artistas que fariam enorme sucesso e influenciariam gerações à frente. Gente como Chevy Chase, John Belushi, Bill Murray, Harold Ramis e Ivan Reitman foram unidos por uma das mentes responsáveis pela National Lampoon, Douglas Kenney. 

Fútil e Inútil é uma cinebiografia com selo Netflix que conta como aconteceu toda essa história. Douglas Kenney (Will Forte) e Henry Beard (Domhall Gleeson) se conhecem em Harvard e escrevem uma revista para a universidade que se torna um grande sucesso interno. Ao invés de seguirem suas carreiras após a conclusão do curso, resolvem apostar no que acham que são realmente bons: comédia. 

Doug é o impulsivo, a grande mente criativa que não tem limitações físicas. Henry é o analítico, o administrador, o sujeito que consegue manter tudo funcionando. A dupla enfrenta as tradicionais dificuldades no início, conseguindo vender a ideia da publicação e solucionando a causa das baixas vendas iniciais, mas logo a National Lampoon deslancha e se torna um enorme sucesso editorial. 

Porém, o que seria apenas diversão se transforma em uma rotina desgastante de trabalho, que termina por inviabilizar a vida pessoal de Kenney, oferecendo as tentações tradicionais da vida artística: dinheiro, drogas e mulheres. Quando a dupla se desequilibra, resta a Beard segurar os negócios, o que gera uma fissura no relacionamento pessoal e profissional. 

O ego de um comediante é algo difícil de ser mensurado. Kenney parece esconder uma frustração interna, com raízes em sua infância, que é catalisada por uma espécie de medo de ‘perder a graça’, de se tornar ultrapassado no que faz. Esse sentimento vem à tona quando o grupo que Doug formou para o programa de rádio da National debanda para a televisão, criando o Saturday Night Live, outro marco da comédia estadunidense. 

Como resposta, Doug levou o nome da publicação ao cinema através do filme O Clube dos Cafajestes (National Lampoon’s Animal Hous, 1978), uma das comédias norte-americanas mais celebradas de todos os tempos, ao menos até aquele momento. O sucesso trouxe mais fama, mais glória, mais dinheiro e mais cocaína que uma mente frágil como a de Doug poderia suportar. Ele percebe que nem chegando ao topo conquista o respeito dos pais, uma família tradicional que, no fundo, despreza o tipo de humor que o filho produz e que preferiria que ele tivesse seguido outra carreira profissional, aquele lance de “um trabalho de verdade” porque “isso não tem graça”.

Parece ser notório que a geração anterior não consegue compreender a atual. A comédia sempre mexeu com os brios das pessoas, de seus valores, da comunidade, suas instituições e representantes. A National Lampoon sofreu vários processos de pessoas, empresas e entidades que se sentiram desrespeitadas em suas páginas. A redação da revista parecia um congresso de personagens de cartoons em competição para ver quem era mais engraçado, desafiador ou doido. 

Fútil e Inútil tem toda a cara de um telefilme com uma produção um pouco melhor, mas é feliz ao condensar uma parte importante da história da comédia mundial, apresentando o retrato de uma época e nos fazendo perceber, mais uma vez, como o humor é incômodo, instável, controverso e, principalmente, humano. Sua conclusão mostra como os comediantes se integram tão misteriosamente bem à velha piada do palhaço Pagliacci. 

Se uma das artimanhas da comédia é subverter expectativas e pegar a audiência de surpresa, é possível dizer que Fútil e Inútil, da forma como foi conduzido, por meio de narração em primeira pessoa, fez jus à criatividade e irreverência de seu personagem principal. 

Cenas marcantes:

Fotonovela: Doug tem vários casos extraconjugais. Um deles é retratado no formato de uma fotonovela, aos moldes das que eram publicadas na própria National Lampoon. 

Caos criativo: A redação da National Lampoon se torna um campo de batalha com várias frontes. O dono da editora tenta sonegar pagamentos à publicação, parte da equipe vive em conflito uns com os outros em disputas de ego e espaço.

Descontrolado: Após o sucesso do filme O Clube dos Cafajestes, Doug produz uma festa hollywoodiana em seu palacete, mas é interrompido pela chegada da nova companheira, que constata o perigoso nível de desequilíbrio do humorista. 

Fútil e Inútil (A Futile and Stupid Gesture, 2018)
Direção: David Wain
Gênero: Comédia; drama
Elenco: Will Forte; Doomhall Gleeson; Martin Mull;
Duração: 1h41min