A Bruxa do Amor – relação como uma disputa de forças na qual perde quem amar mais

Outro dia me deparei com uma dica sobre mais um serviço de streaming gratuito, o Tubi Tv. O acervo de filmes na plataforma parecia vasto, mas era quase como garimpar em um camelô turco de filmes piratas. Por puro acaso, um pôster me chamou a atenção, uma pintura como era comum em idos tempos. Uma mulher com maquiagem pesada, olhar compenetrado, como em transe, em uma expressão quase budista, tocando os dedos das mãos, ambas ensanguentadas.

Apertei o play e, apesar de a data de produção ser recente, a sensação era de estar vendo mesmo um filme antigo. A magia de fato aconteceu e, em coisa de 5 minutos, já havia sido fisgado. Era mesmo A Bruxa do Amor. 

Elaine Parks (Samantha Robinson) se muda da agitada São Francisco para o que parece ser uma cidadezinha do interior. Deixa para trás não apenas um casamento fracassado, mas uma suspeita de assassinato. Estabelecida no novo lar, seu principal objetivo é conquistar o verdadeiro amor de sua vida, o príncipe encantado tal qual descrito nos contos de fadas. Apesar de ser uma mulher extremamente atraente, Elaine conta ainda com a ajuda de poções mágicas para fazer os homens ficarem intensamente apaixonados por ela. O seu artifício funciona de verdade, mas causa alguns efeitos colaterais levando seus amantes à morte.

A Bruxa do Amor emula uma produção da Hollywood clássica. As roupas, o ritmo, o modo de falar e se comportar das pessoas, tudo parece remeter a um outro tempo. As mulheres são angelicais, os homens são magros, altos, com queixo quadrado, fala grossa e movimentos quase mecânicos.

Elaine é convidada pela corretora que a instalou na cidade, Trish (Laura Waddell), a uma casa de chás vitoriana. No local, todos se vestem como se fosse 1830. Há até uma garota tocando arpa no ambiente. Na conversa entre as duas mulheres, já se estabelece que há uma diferença de conceitos entre elas sobre o que é o amor, o que forma um relacionamento saudável.

Elaine acha que a mulher deve satisfazer totalmente o homem, em todos os campos, para que ele jamais a abandone. Trish, casada há anos, entende que há limites em um relacionamento. É uma visão de contos de fadas contraposta à realidade. Uma tem sido feliz no casamento, a outra, aparentemente matou o próprio marido após pedido de separação, fornecendo um, podemos dizer, contraste invertido a partir das duas visões. 

Elaine põe em prática seus dons de encantamento naturais e sobrenaturais, começando a causar distúrbios e suspeitas na comunidade. Ela não está sozinha na cidade, há um coven local, que funciona de forma aberta, ainda que suas atividades provoquem desconfiança de alguns moradores. A situação muda após descobrirem o corpo de uma vítima do amor de Elaine, enterrado em uma cova rasa acompanhado de uma ‘garrafa de bruxa’, um fetiche contendo uma mistura de urina, ervas e sangue de menstruação.

A poção do amor que a protagonista usa para enfeitiçar os amantes acaba liberando sentimentos que parecem estranhos e fatais ao corpo masculino. Se o amor é uma disputa de forças na qual perde quem amar mais que o outro, os homens que a protagonista conquista terminam amando mais que o tolerável ou necessário. Ironicamente, isso cria uma espécie de repulsa em Elaine, pois retira a masculinidade deles, os tornando delirantemente sentimentais e fracos. 

O objetivo passa então a ser encontrar um amante que tenha força suficiente para resistir ao processo da lindíssima bruxa. Isso acontece com a chegada do antagonista perfeito, o recém-promovido sargento da polícia local, designado para investigar a morte do professor. Seu nêmesis, Richard (Robert Seeley), é apresentado como um homem irresistível para as mulheres. Quando ele, ainda guarda na rodovia, parou a bela bruxa em sua chegada à cidade, a liberou sem maiores problemas. O mesmo pode não acontecer agora. 

O filme, assim como a protagonista, usa ao máximo a sensualidade feminina. Há muita nudez, inclusive frontal, mas de certa forma sem apelação. O corpo feminino é apresentado como algo belo, a ser contemplado sem nenhum pudor. É um dos preceitos do paganismo e de correntes do misticismo, desfrutar dos prazeres da vida sem se limitar por regras sociais conservadoras, restritivas. O amor e o sexo são elementos da magia e devem ser utilizados, o prazer não pode ser cerceado. 

O amor é mostrado como uma disputa de forças. Quem se render, se perde. Isso fica mais claro na cena da encenação do casamento em uma feira renascentista, na qual o espectador descobre o que o casal está pensando de verdade. Anna Biller, roteirista e diretora, durante sua pesquisa para o filme, se debruçou sobre livros de auto ajuda e encontrou coisas assim: para manter o amor de um homem, é necessário que ele ame mais a ela que o contrário, algo que a remeteu ao clássico Amar foi Minha Ruína (Leave Her to Heaven, 1945), o que a levou a criar sua protagonista bruxa. 

A beleza pode ser uma arma potente para a atração do sexo oposto, mas seus efeitos podem não ser perenes, especialmente entre um casal que detém as mesmas armas.

Cenas marcantes:

Doença do amor: Elaine usa poções para potencializar seu poder de atração sobre os homens. O problema é que o efeito pode se mostrar fatal, causando uma hemorragia de sentimentos, adoecendo seus amantes. 

Casamento na feira renascentista: Durante uma cavalgada nos bosques, Elaine e Richard encontram a turma do coven encenando uma feira renascentista. É então que surge a ideia de realizar um casamento. Durante a cerimônia, temos acesso aos pensamentos do casal, que revelam já uma diferença de valores sobre o relacionamento entre homem e mulher. 

Fim da ilusão: Elaine percebe que perdeu totalmente o controle sobre seu novo amante. Nesse momento a vemos como uma mulher frágil, cuja fantasia do ideal romântico se despedaçou e parte o crime passional. 

A Bruxa do Amor (The Love Witch, 2016)
Direção: Anna Biller
Gênero: Terror; comédia
Elenco: Samantha Robinson; Jeffrey Vincent Parise; Laura Weddell; Robert Seeley
Duração: 2h