A terra do sol nascente através das lentes hollywoodianas

Os primeiros episódios de Tokyo Vice, nova série da HBO Max, ficaram disponíveis no serviço de streaming em 7 de abril. A história, situada no final da década de 1990, é uma adaptação do livro reportagem “Tokyo Vice: An American Reporter on the Police Beat in Japan”, escrito por Jake Adelstein, um jornalista americano que conseguiu uma inédita posição em um dos maiores jornais do Japão, o Yomiuri Shimbun.

Adelstein, interpretado por Ansel Elgort, começa a investigar uma série de homicídios em Tóquio que apontam o envolvimento da famigerada Yakuza. Contando com o auxílio de um experiente investigador, Hiroto Katagiri (Ken Watanabe), Jake começa a destrinchar o submundo do crime na cidade, onde uma guerra entre facções disputando território está prestes a estourar. 

A série oferece a visão da sociedade japonesa do ponto de vista de um “gaijin”, se aprofundando em suas nuances, especificamente quanto ao modo de produzir notícias e como a polícia age para manter os mundialmente admirados altos índices de resolução de crimes. Se cultura corporativa rígida e questões de honra parecem valores positivos associados ao mundo nipônico, vamos descobrindo que nada é tão perfeito quanto parece na sociedade japonesa. No universo de Tokyo Vice, as aparências polidas escondem mentiras e autoenganos, revelando um universo em que ninguém é exatamente confiável. Ironicamente, um dos personagens alerta que “a honestidade abre caminhos”. 

O primeiro episódio tem Michael Mann na direção, famoso por sucessos do naipe de O Último dos Moicanos (The Last of Mohicans, 1992), Fogo Contra Fogo (Heat, 1995) e O Informante (The Insider, 1999). É seu primeiro trabalho após um hiato de 7 anos, mergulhando em um universo que lhe é familiar. 

Ao longo do tempo, Hollywood produziu vários filmes situados na terra do sol nascente, explorando choques culturais com protagonistas americanos que têm de se reinventar para conseguirem sucesso em seus objetivos em uma terra estranha e aversa a estrangeiros. Tivemos filmes policiais, suspenses e até romances, os quais destaco a seguir alguns exemplos desses tipos de produções. 

Operação Yakuza (The Yakuza, 1974): Com roteiro escrito por Paul e Leonard Schrader e Robert Towne, expoentes da Nova Hollywood, e dirigido pelo experiente Sidney Pollack, Operação Yakuza é estrelado por Robert Mitchum interpretando o detetive Harry Kilmer. Como o título já deixa claro, trata-se de um embate com a famosa máfia japonesa, quando Kilmer tem de regressar ao Japão para resgatar a filha de uma amiga, sequestrada pelo grupo criminoso. Mitchum faz as vezes de uma espécie de samurai moderno ocidental que absorveu os conceitos de honra e dever, tendo de cobrar um débito dos tempos da Segunda Guerra Mundial a um antigo inimigo, Tanaka Ken (Ken Takakura) para ter sucesso em sua missão. “Um homem nunca esquece. Um homem paga seus débitos”. 

Chuva Negra (Black Rain, 1989): Nesta obra de Ridley Scott temos uma dupla de policiais americanos, interpretados por Michael Douglas e Andy Garcia, que prendem um membro da Yakuza em solo estadunidense e são designados a escoltá-lo até o Japão. Os problemas começam quando o criminoso, após o pouso, consegue fugir e um dos policiais é assassinado. O filme explora o submundo do crime no Japão trazendo o típico encontro da dupla policial formada por pessoas que a princípio não se toleram mas que terminam desenvolvendo um forte laço de amizade e respeito. Pesa o fato de o Conklin de Michael Douglas ser investigado pela corregedoria por alguns pecados cometidos, enquanto o policial Masahiro de ken Takakura, seguindo um alto padrão de honra e honestidade atribuídos à categoria, não admite nenhum tipo de corrupção. 

Sol Nascente (Rising Sun, 1993): Dupla policial formada por John Connor (Sean Connery) e Webster Smith (Wesley Snipes) é designada para investigar a morte de uma prostituta em um prédio de escritórios de uma empresa japonesa. O filme se passa em Los Angeles, mas é como se os policiais entrassem em uma bolha oriental, enfrentando obstáculos da cultura corporativa japonesa em solo americano para desmascarar criminosos ocultos em tradições seculares. Sean Connery faz o papel de especialista no Japão, enquanto Wesley Snipes é o típico tira habituado às ruas americanas, garantindo um dos ingredientes mais típicos em filmes de duplas policiais, o centrado e o estabanado. 

Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003): Nesta espécie de comédia romântica dirigida por Sofia Coppola, temos Bob Harrys (Bill Murray) como um veterano astro do cinema fazendo uma solitária tour para gravação de comerciais em Tóquio e a jovem Charlotte (Scarlett Johansson), recém-casada, acompanhando o marido em um trabalho fotográfico na mesma cidade. Imersos em um universo que, para eles é quase completamente alienígena, acabam encontrando um no outro a companhia para desfrutar os prazeres que a capital do Japão tem a oferecer. Na prática, a metrópole se torna a terceira protagonista do longa. 

O Sabor de Uma Paixão (The Ramen Girl, 2008): Comédia romântica estrelada pela falecida Brittany Murphy, que faz o papel de Abby, uma americana que acaba permanecendo em Tóquio após ser abandonada pelo namorado. Enquanto tem esperança de que seu amado retorne, a mulher decide que quer se tornar uma chef especializada em ramen. O filme é irregular e possui situações que oscilam entre o cômico e o mau gosto, mas termina valendo, se não pelo romance, pelo mergulho cultural no exigente mundo da culinária japonesa. 

Dívida Perigosa (The Outsider, 2018); Nessa produção da Netflix, Jared Leto faz um soldado americano ainda preso em Osaka nove anos após finda a batalha do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Sendo um outcast, Nick Lowell é introduzido na Yakuza após salvar a vida de um prisioneiro membro da organização. Livre, se torna um executor, não demonstrando a menor intenção de regressar aos Estados Unidos, mas cai em desgraça ao se envolver com a mulher errada. A produção não foi bem recebida pela crítica. De fato, o longa tem vários problemas, seja pela fluidez da narrativa ou pela falta de elementos que levem o espectador a simpatizar com o protagonista e suas motivações, mas vale a pena para os que se interessam pelo tema. 

Pássaro do Oriente (Earthquake Bird, 2019): Um original Netflix produzido por Ridley Scott que passou abaixo dos radares quando estreou, mas que se revela um suspense acima da média. Na Tóquio do final da década de 1980, Lucy Fly (Alicia Vinkander) é uma discreta estrangeira vivendo na cidade. Ela começa um relacionamento com o misterioso fotógrafo Teiji Matsuda (Naoki Kobayashi) mas, quando Lily Bridges (Riley Keough), recém-chegada ao país, se entrosa com o casal, Lucy começa a se comportar de forma estranha. Quando a mulher desaparece, a polícia a indica como principal suspeita do caso. 

Bônus: Devoradores de Sombras. Trata-se de um livro-reportagem escrito pelo jornalista britânico Richard Lloyd Parry, relatando a complexa investigação do desaparecimento de uma jovem inglesa no Japão, vista pela última vez saindo com um cliente da casa noturna onde trabalhava como hostess. Para quem acha fascinante as nuances da cultura nipônica, Devoradores de Sombras é bastante revelador acerca do comportamento sexual dos japoneses, do funcionamento do seu sistema jurídico, métodos de investigação policial e até da história recente do país, nos momentos antes e pós Segunda Guerra Mundial.