Red Rocket – salvação pelo sexo

O fracassado de meia-idade é um tipo de protagonista comum retratado em comédias. Histórias que giram em torno de pessoas insatisfeitas especialmente com a vida profissional, o que consequentemente afeta a vida pessoal, incluindo família e relacionamentos, parecem ser mais fáceis de encontrar um público que se identifique com elas. 

Tem sobre aqueles sujeitos que nunca alcançaram o sucesso, ou algo de acordo com seus próprios parâmetros, estagnando em algum ponto, como o policial Terry Hoitz (Mark Whalberg) de Os Outros Caras (The Other Guys, 2010) e tem sobre aqueles que querem recomeçar a vida, tal qual Mitch (Luke Wilson) retornando aos tempos da universidade em Dias Incríveis (Old School, 2003). Outro tipinho é o que cansou de lutar e passa a redefinir suas próprias regras para viver, tal qual Peter (Ron Livingston) em Como Enlouquecer Seu Chefe (Office Space, 1999). Finalmente, temos os que chegaram lá mas caíram do paraíso. Esse parece o caso do protagonista de Red Rocket. 

Mikey Saber (Simon Rex) é um ator de filmes pornográficos que alcançou reconhecimento em sua área mas que, tal qual um músico que teve alguns sucessos porém não conseguiu manter a fama, se vê forçado a deixar Los Angeles para regressar à sua terra natal, Texas City. 

Saber praticamente reencontra uma versão piorada do que deixara para trás. Uma terra sem esperança, onde as pessoas se sustentam trabalhando nas refinarias de petróleo, recebendo ajuda do governo, em pequenos comércios locais, ou exercendo prostituição e tráfico de drogas. Sem nada a não ser a roupa do corpo, repleto de hematomas, Mikey tem de implorar por abrigo na casa da ex-esposa, Lexi (Bree Elrod). A mulher vive com a mãe em uma casa paupérrima e ambas guardam mágoa pelo abandono. Nesse ambiente inóspito, ele tentará reconquistar o afeto das duas, conseguir um emprego e, de alguma forma, retomar sua carreira na indústria de filmes adultos. 

Em meio a tantos dissabores, em uma vida urbana que em nada toca o glamour do propagado “american way of life”, o que tinge esse drama com tons de comédia é a disposição do protagonista, sempre simpático e cheio de energia, os tipos esquisitos porém fracassados com quem se relaciona e as situações em que entra ao tentar viabilizar seu retorno à Los Angeles. 

Sem experiência comprovada alguma em outros ramos que não a pornografia, tendo o auxílio do serviço social negado e não estando habilitado para nem mesmo um subemprego, o que resta a Mikey para conseguir alguma renda é se associar à traficante local. Sempre de olho em qualquer oportunidade, retoma o contato com um vizinho que era seu fã desde criança, quando Saber transava com sua babá. 

Lonnie (Ethan Darborne) é um tipo com praticamente zero experiência com mulheres que finge ser veterano do exército para vender itens como bandeiras americanas. É o jovem que nem estuda e nem trabalha, continua morando na casa do pai, sem perspectiva alguma a não ser fingir ser alguém que não é para descolar uns trocados e absorver um pouco da vida através das experiências de terceiros. 

Quando conhece Raylee Strawberry (Suzanna Son), atendente de uma loja de donuts, Saber se apaixona tal qual um adolescente, mas um com vivência e malícia sobrando. A garota tem apenas 17 anos, o que não o impede de começar um relacionamento com ela e até entrar em confronto físico com toda a família do suposto ex-namorado, uns tipos que parecem estereótipos de neonazistas rednecks. 

O protagonista apesar de não ser exatamente uma má pessoa, é extremamente egoísta, comportamento daqueles que veem a vida como um cenário competitivo e individualista. Lembra bastante a personalidade do protagonista da série Flaked da Netflix.

Mickey é o tipo de sujeito que se associa apenas àqueles com quem pode extrair alguma coisa em benefício próprio. A amizade com o ainda mais fracassado Lonnie é apenas por conta do carro. Transa com a ex-mulher para garantir a estada na casa. Seu relacionamento com Strawberry é uma via de retorno para o mundo do pornô, além de fazer com que se sinta mais jovem estando com alguém menor de idade.

Mente constantemente e usa subterfúgios para manter uma imagem distante da realidade: um homem de meia-idade, sem emprego, expulso do meio profissional sabe-se lá por qual motivo, sem perspectiva alguma. É basicamente mais um sem teto cuspido da terra dos sonhos e das oportunidades retornando ao ambiente decadente de onde veio.

Situações hilárias amenizam passagens pesadas, como quando a mãe de Lexi revela preocupação de a filha ter de voltar a se prostituir para sobreviverem ou o acidente de trânsito que Lonnie provoca. 

Apesar dos todos os defeitos, Saber consegue ser tão carismático que o espectador torce para que os seus planos deem certo, ainda que ao custo de certa forma da ruína e traição de outras pessoas. Desejamos ver a vitória saindo de um ambiente tão abrasador. É até uma mensagem do tipo “se esse cara pode conseguir, você também pode”. 

Para uma comédia, a duração de 2 horas parece excessiva, mas o filme flui sem entraves. Sean Baker, mesmo diretor do aclamado Projeto Flórida (The Florida Project, 2017) e também de Tangerina (Tangerine, 2015), se consolida como um cineasta que mostra o lado dos esquecidos, protagonistas que vivem na dureza no coração dos Estados Unidos, desprezados e sem perspectivas. Sua câmera não se furta a registrar palavrões, nudez frontal e sexo e muito menos finais infelizes ou em aberto.  

Quase que aos moldes do neorrealismo italiano, Baker utiliza no elenco atores não profissionais. Com exceção de Simon Rex e Bree Elrod, os demais não possuíam experiência anterior. Suzanna Son revelou que estava tão ansiosa e nervosa para conferir o resultado do seu trabalho que, ao assistir o filme completo pela primeira vez, sozinha na cozinha de casa, pausou no momento da cena de nudez na qual ela cantava e tocava piano para tentar relaxar a tensão dançando. Escorregou no tapete, caiu e quebrou o pé. Cinco dias depois estava no tapete vermelho de Cannes em uma cadeira de rodas. 

Cenas memoráveis:

Apaixonado: Impressionado pela atendente da loja de donuts, Saber tenta se aproximar da garota, vendo nela uma oportunidade para voltar aos negócios no mundo da pornografia. 

Não existe nós: Após se envolver em um acidente grave com Lonnie, Mickey deixa claro que sua vida é mais importante que a do amigo, exigindo que ele assuma toda a responsabilidade. 

Largado e pelado: Em uma situação pior que no início, Saber tem de correr pelado pela cidade para escapar de uma situação que ele mesmo criou por arrogância e egoísmo. 

Red Rocket (2021)
Direção: Sean Baker
Gênero: Comédia
Elenco: Simon Rex; Bree Elrod; Suzanna Son
Duração: 2h10min