A Pior Pessoa do Mundo – a ilusão do tempo infinito

É o que se chama de história “coming age”, onde o protagonista tem o sentimento de que está amadurecendo e é abatido por forças invisíveis que o impulsionam a fazer mudanças na sua vida. Sabe que deve partir, mas não exatamente para onde e sente-se meio perdido no processo. É exatamente nesse turbilhão de conflitos internos que Julie (Renate Reinsve), protagonista de A Pior Pessoa do Mundo, produção dinamarquesa que tem arrastado uma série de críticas positivas e premiações em festivais, se encontra.

O filme narra 4 anos na vida de uma jovem que está em constante mudança, indecisa quanto à qual profissão seguir e quais relacionamentos valem a pena manter. Ela muda de medicina para psicologia e então fotografia. Seus cortes de cabelo mudam como também seus sentimentos. É o tipo de drama que todo mundo passa em maior ou menor grau no momento em que sai da escola e tem de encarar o que fará pelo “resto da vida”. No caso da personagem em questão, o drama se agrava por ter um universo vasto de oportunidades a escolher, privilégio de poucos. 

Tanto os trejeitos da protagonista quanto as situações que giram em torno de relacionamentos amorosos, além da montagem de cenas e dinamismo da narrativa, lembram bastante Fleabag, o que torna o filme obrigatório para os fãs da série. Garante o mesmo tipo de diversão. 

Julie pode ser encarada como uma mulher egoísta e insensível, se importando apenas com seus próprios sentimentos e reagindo, por vezes, de impulso de acordo com o posicionamento de outros, como quando resolve em segundos assumir um relacionamento sério com o cartunista Aksel (Anders Danielsen Lie). Um tipo de atitude rebelde de fazer o contrário do que se espera de acordo com a ação de outros, de redefinir de supetão o que já parecia decidido.

O desenhista, um homem um pouco mais velho e aparentemente mais maduro que Julie é responsável por acrescentar uma maior densidade dramática ao filme, funcionando como uma espécie de contrapeso. Bem sucedido em sua profissão, a faz refletir sobre seu próprio futuro e conquistas. Parece ser justamente esse sucesso que a faz se afastar dele, assumindo outro relacionamento com Evidind (Herbert Nordrum), um simples garçom, assim como ela é uma atendente de livraria.

Pode ser que estivesse se livrando do peso de uma responsabilidade consigo mesma, e essa rota de fuga se apresenta no momento em que ela se afasta de Aksel quando este recebia uma festa em homenagem à sua arte. O cartunista, ao contrário dela, também queria ter filhos, o que significaria uma ligação para o resto da vida, uma definição. 

Às vezes parece até uma trama juvenil/adolescente pretensiosa, mas é então que somos apresentados a temas reflexivos com diálogos excepcionais em construções de situações comuns relacionadas aos nossos tempos. Nesses pontos, Julie se torna mais coadjuvante que protagonista, cabendo a ela absorver e refletir. Um desses momentos é a discussão que ocorre entre Aksel e uma representante do movimento feminista em um debate mediado por um programa de rádio onde se põe em xeque o papel de seus trabalhos iniciais, como limites do humor e o que é ou não arte. 

O grande auge é a discussão sobre a finitude. O jovem tem a sensação de que a vida é infinita, que todas as escolhas podem aguardar indefinidamente e que sempre se pode voltar atrás sem maiores consequências. O momento em que descobrimos que essa ilusão acabou pode ser devastador. A Pior Pessoa Do Mundo é justamente um filme que representa uma geração que amadurece mais tarde. A protagonista ao 30 anos ainda não decidiu exatamente o que quer da vida, enquanto sua avó naquele momento já tinha tido três filhos. A geração de Julie tem total liberdade, mas isso se mostra assustador. 

A Pior Pessoa do Mundo foi aceita pelo diretor Joachim Trier como o encerramento da chamada trilogia Oslo. O início seria Começar De Novo (Reprise, 2006) seguido por Oslo 31 de Agosto (Oslo, 31. August, 2011), ambos contando também com Anders Danielsen Lie no elenco. O cineasta comentou que só percebeu após o próprio Anders ler o roteiro do último e então chamar a atenção para o fato de estar conectado com os outros dois. 

O que ligaria as três obras? Principalmente o tempo. Nelas, os personagens lutam contra a inevitabilidade do fim, tentam encontrar uma maneira de prolongar o tempo, de evitar escolhas definitivas, de manter em suspenso a vida indefinidamente, até a inevitabilidade da realidade se apresentar. Trier ainda aponta que seus protagonistas duvidam de si mesmos, não têm ambição e são inseguros quanto a criar um propósito, um significado para suas vidas, apesar de todos fazerem parte de uma classe privilegiada com acesso a melhor educação. Ainda assim, o medo os imobiliza, freia. Todos os três filmes lidam com memórias, identidade e tempo. 

Cenas marcantes:

Mudança de relacionamento: Julie percebe que está apaixonada por outra pessoa e resolve terminar com Aksel. 

Arte inadequada: Julie assiste um debate em uma rádio no qual Aksel discute com uma mulher que o acusa de ter construído sua fama detratando a imagem feminina. Aquela discussão parece reacender um sentimento que parecia definitivamente apagado. 

Finitude: Julie reencontra Aksel e ocorre um diálogo melancólico no qual se conclui que, ao contrário do título, ela é sim uma boa pessoa. 

A Pior Pessoa do Mundo (Verdens verste menneske, 2021)
Direção: Joachim Trier
Gênero: Drama; Comédia; Romance
Elenco: Renate Reinsve; Anders Danielsen Lie; Herbert Nordrum
Duração: 2h8min