Um filme que traz dois elementos que dividem opiniões: aborto e stand-up. Quem for contra o aborto e detestar comédia stand-up, melhor evitar passar mal.
Donna Stern (Jenny Slate) é uma jovem nova iorquina que ganha a vida como pode. Trabalha em uma pequena livraria e se apresenta em clubes fazendo stand-up. Seus números consistem em falar de aspectos da própria rotina, incluindo coisas como calcinhas sujas, piadas de peido e intimidades com o namorado, que acha tremendamente constrangedora essa parte da apresentação. Depois de uma dessas sessões, o cara resolve terminar o relacionamento no banheiro do bar, contando que está transando com uma das amigas dela. Pouco depois, a comediante ainda recebe a notícia de que a livraria onde trabalha vai fechar. E uma fase da vida acabando.
Entre umas doses e outras para curar a fossa, Donna conhece Max (Jake Lacy) em um bar, simpatiza com o cara, dorme com ele e tenta seguir em frente, voltando à suas origens, visitando o pai artista e a mãe professora. Sua situação piora quando descobre que está grávida. Donna decide optar pelo aborto, mas hesita em contar ao pai da criança, que aparentemente quer tentar um relacionamento sério.
A gravidez indesejada que leva à decisão pelo aborto é uma situação que acontece não importa qual a classe social da mulher, idade, seu nível de educação ou ainda o status de desenvolvimento do país. No caso do filme em questão, acontece em um momento de fragilidade emocional da protagonista, que a leva ao abuso do álcool e a uma noite de sexo casual com um desconhecido. Em um país onde o aborto é legal desde 1973, a dificuldade de Donna em realizar o procedimento após a decisão é apenas conseguir a quantia cobrada, o que se revela algo nada impossível.
O filme não apresenta o aborto como uma solução rápida, indolor e impensada da personagem. Traz a perspectiva da gravidez em um momento frágil da vida de uma mulher que encontra apoio na família, nos amigos e no Estado, que assegura seu direito de escolha, deixando o homem em segundo plano nessas circunstâncias.
Antes de Entre Risos e Lágrimas, a diretora nova iorquina Gillian Robespierre havia feito apenas um curta metragem em 2009, Obvious Child, contando basicamente a mesma história em apenas vinte minutos. Seu objetivo era justamente fazer um contraponto a comédias românticas comerciais que retratam a gravidez indesejada deixando a perspectiva feminina em segundo plano.
Max, o par romântico, ao invés de exercer qualquer tipo de pressão contra ou a favor do procedimento, apenas se apresenta pronto a apoiar a parceira. Talvez o desempenho de Jack Lacy tenha sido caricato demais, parecendo um dos personagens interpretados por Ben Stiller em comédias, um banana de sorriso fácil que se apaixonaria por qualquer uma. Parte atuação, parte forçada de barra do roteiro, que deixa transparecer demais ser um recado ao público masculino que um retrato realístico de uma situação delicada. Tudo bem ainda, nada inacreditável ou raro demais.
A parte comédia lembra coisas como a série Master Of None ou a HQ Entre Umas e Outras, ambas com histórias em Nova York. Jenny Slate passou pelo Saturday Night Live, teve participação em séries como Bored to Death e Parks And Recreation, e é declaradamente uma feminista, então o papel em Entre Risos e Lágrimas se encaixou perfeitamente nela.
Como esperado, o filme levantou a poeira da discussão sobre o aborto, levando muita gente a denegrir a produção levando em consideração apenas o tema. Algo resolvido há mais de quatro décadas no país, mas que o atual presidente norte americano apresenta interesse em retroceder. Como dizem os estudiosos, a história é construída entre avanços e retrocessos.
Entre Risos e Lágrimas (Obvious Child, 2014)
Gênero: Drama/Comédia/Romance
Diretora: Gillian Robespierre
Duração: 1h24min