Quadrinhos em garrafas, conselhos do Diabo e rockabilly zumbi no espaço-tempo

Um papo com o desenhista Igor Tadeu sobre o universo do quadrinho independente.

Muitos países terminaram por estabelecer uma série de características para sua produção de quadrinhos, em formatos, em gêneros e em estética. O Mangá japonês, com os gêneros “shoujo” ou “shounen” além das características visuais, o Comics americano com o predomínio de super heróis a base de esteroides ou o Fumetti italiano e seus personagens (quase) tradicionais desenhados em narrativa cinematográfica, como os da editora Bonelli, são os exemplos mais explícitos dessa padronização industrial. No Brasil, já tivemos uma boa cota de super heróis nacionais e quadrinhos imitando a estética nipônica. Nada que tenha dado muito certo. E o que deu certo não durou por muito tempo, com exceção da Turma da Mônica.

Independentemente do que ocorre no mainstream, em todo lugar há um grupo de quadrinistas cheios de ideias não convencionais, remando contra a corrente e tentando fazer com que suas criações sejam publicadas fora do grande circuito. Na década de 80, a união de três cartunistas marcou época. Angeli, Laerte e Glauco, conhecidos também como “Los Tres Amigos”, viveram uma fase de ouro com a Circo Editorial, principalmente através da revista Chiclete Com Banana. O país sempre teve cartunistas geniais, com habilidades para representar as características e neuroses da nossa sociedade e marcar momentos históricos utilizando um humor afiado e criativo.

Na Paraíba, há uma prolífica produção de quadrinhos independentes. A editora Marca de Fantasia, criada em 1995, ajuda no escoamento dessa produção, publicando livros, revistas e fanzines. Em 2010, um grupo de desenhistas, visando a divulgação de seus trabalhos, formou o Coletivo WC. Em 2012 e 2013, publicaram duas edições da revista Sanitário, uma compilação de histórias em quadrinhos em diversos estilos com participação de 15 desenhistas. Uma ótima iniciativa para fomentar a produção e divulgação locais da nona arte. Atualmente, o ex-grupo (o coletivo foi encerrado oficialmente em 2013) tenta viabilizar uma terceira e última edição da Sanitário por meio do site de financiamento coletivo Catarse.

O pessoense Igor Tadeu, um dos membros fundadores do Coletivo WC, mantém uma constante produção na área. Em 2012 lançou, de forma independente, “One Hit Wonders”, uma coletânea de suas tiras. Ano passado publicou sua segunda compilação, “Uma História em Cada Garrafa”. Igor Tadeu explora vários tipos de situações do cotidiano com uma boa dose de influências de cultura pop em geral. É possível detectar ironia e um certo cinismo em suas tirinhas, mas aquele definido pelo escritor Ambrose Bierce, como ato de ver o mundo como ele é e não como gostaria que fosse.

Atualmente, Igor está produzindo “As Aventuras do Cadáver Viajante do Espaço”, uma webcomic que narra as aventuras do cadáver ressuscitado de Elvis Presley pelo espaço tempo. O artista vem publicando uma página por semana no Tumblr Cadáver do Espaço. Na entrevista abaixo, o quadrinista paraibano fala sobre seu início na área, seus projetos e o mercado de quadrinhos independentes.

O que é o “quadrinho independente” e como anda esse movimento na Paraíba, na sua visão?

Igor Tadeu – Quadrinho independente é todo esse movimento que a gente vê surgir, assim como aconteceu com a indústria da música, de quadrinistas que acabam por lançar seu material por fora de grandes editoras, seja por financiamento próprio, crowndfunding ou internet. Aqui na Paraíba, assim como no resto do Brasil, tem se desenvolvido bastante nos últimos tempos, mas sempre houve a presença de um grande movimento de fanzines aqui, assim como as publicações da Marca de Fantasia.

Falando do seu início, o que te motivou a começar a desenhar? Quais foram suas influências no desenho?

Igor Tadeu – Na escola, quando você é pirralho, acaba tendo muito estímulo de desenhar. Meus pais estimulavam também, aí quando a pirralhada foi parando com esse hábito eu continuei rabiscando, principalmente porque comecei a ler muito quadrinho na infância, como Turma da Mônica, Seninha e Menino Maluquinho. Aí aos treze anos passei para os de super herói, depois acabei passando para o quadrinho autoral, que é o que eu mais consumo hoje em dia. Nesse processo todo, meu desenho foi sofrendo as influências do que consumia.

Tentei desenhar naquele padrão Neal Adams a adolescência toda, mas relaxei disso quando conheci o quadrinho autoral e independente americano. Vi um traço como o de Robert Crumb e Rick Griffin e achei que me identificava mais com aquilo do que com aquele estilo Marvel/DC/Image.

Nos seus trabalhos, tanto nos quadrinhos quanto como ilustrador vemos uma grande variação de técnicas e estilos. Você fez cursos ou foi aprendendo sozinho, copiando e estudando os traços dos seus ídolos e desenvolvendo suas próprias características?

Igor Tadeu – Quando minha mãe se antenou que eu curtia desenhar, chegou a me pôr num curso de pintura, mas não durei muito tempo indo, achava sacal. Acabei querendo voltar a fazer esse curso por conta própria anos depois. A professora viu que meu desenho tinha se desenvolvido desde a última vez que fiz o curso e curtiu bastante. Não consegui ficar sendo assíduo de novo, mas vi que conseguia desenvolver só o traço, e foi assim desde então. Cheguei a fazer workshops por aí, mas acho que me dou melhor testando as coisas sozinho. E sempre que eu tenho alguma dúvida saio perguntando por aí.

E quanto ao seu processo de produção, ainda usa lápis e papel ou trabalha direto no computador? Qual o material e (ou) softwares que utiliza da ideia até a arte final?

Igor Tadeu – Uso muito papel e lápis ainda, finalizo tudo com nanquim, curto mexer com aquarela. Mesmo quando vou trabalhar com vetor geralmente ainda rabisco ao menos o grafite do que vai ser o resultado final. Acho que ainda usaria muito papel mesmo se tivesse uma Cintiq (trabalho com uma mesa digitalizadora das pequenas, Bamboo Fun). Geralmente o uso de ferramenta vai de acordo com a ideia, o tempo e a disposição. Quanto aos softwares, uso os convencionais, Illustrator e Photoshop.

Dá pra se dedicar exclusivamente à produção de quadrinhos ou tem outros trabalhos?

Igor Tadeu – Trabalho com ilustração e design. Quadrinho é o trabalho que faço por fora, onde o salário é só a satisfação pessoal de estar produzindo. Creio que a maioria das pessoas que produzem quadrinho independente são acometidos da mesma coisa.

É possível dizer que o quadrinho no Brasil vive uma crise? Porque a produção nacional não decola, em sua opinião?

Igor Tadeu – Não diria isso. A produção e o interesse estão cada vez maiores, o mercado está em evolução. Você vê cada vez mais editoras abrindo espaço para quadrinistas autorais. Cada vez mais imagino que a coisa vai amadurecer, assim como o trabalho dos quadrinistas. Os que amadurecerem e se sobressaírem irão conseguir chegar a um nível legal e com um bom retorno financeiro.

Mas até chegar lá, é aquela coisa: ralar na produção independente; testar as coisas; fazer zine (como eu vi Shiko dizendo no bate papo que rolou em Campina Grande). Eu aqui sou praticamente um iniciante, tenho minhas poucas publicações e meu material online. Enquanto a satisfação pessoal for mantida e ver que tem gente que se interessa pelo que faço, vou estar aí produzindo. O retorno financeiro acabará sendo uma consequência da coisa toda.

Fale um pouco de como é o seu processo criativo, de onde vem a inspiração para suas tirinhas?

Igor Tadeu – Vem de um demoniozinho que eu tenho na cabeça. Tô de zua, vem do cotidiano mesmo. A ideia vem antes da vontade de fazer tira. Só faço quando surge algo que acho que valha a pena fazer. Nunca deu certo quando tentei do contrário. Nas épocas mais frutíferas, tudo que me acontecia eu já pensava em formato de tira.

Ano passado você lançou “Uma história em cada garrafa”, uma coletânea de tiras com vários de seus trabalhos, como a série “O Diabo só faz mal”. Como foi o processo para conseguir viabilizar esta edição, partindo da ideia, editora, distribuição e divulgação?

Igor Tadeu – Havia dois anos que eu tinha lançado material solo meu em papel. Depois de um toque de um amigo, decidi fazer uma nova compilação. Enquanto fazia o processo de escolha das tiras que entrariam, corri para arrumar “frilas” para pode arcar com as despesas da gráfica. A diagramação e tudo o mais foi feita por mim mesmo. Apressei todo esse processo para poder lançar numa boa data lá na Comic House. A divulgação é toda online mesmo, e distribuo como dá. Na Comic House tem o álbum, o pessoal da Ugra sempre pega para vender na loja online desde o primeiro número, que arrumei quando fiz contato com uma loja de quadrinhos em SP. Tem muita loja de quadrinho no país abrindo espaço. Aproveito sempre para desovar umas edições em eventos de quadrinhos ou festivais também. Monto lojinha onde tiver espaço.

Sobre o projeto do “Cadáver viajante do espaço”, como veio a ideia de lançar o Elvis Presley em uma aventura no espaço tempo? Aliás, por que o Elvis?

Igor Tadeu – Sempre curti muito rockabilly. Você vê nos meus desenhos, por vezes tem alguém de topete. Acabei usando Elvis nessa história porque ela iria para Revista Sanitário#3 onde o tema era “A Lenda voltou”. Logo me veio Elvis na cabeça. Acabou que dei preferência a outra história pelo tempo de execução, daí ficou esse roteiro por um tempo sem ter virado quadrinho. Retomei quando reli e vi que ainda curtia aquela história, então decidi fazer para postar na internet.

Já tem previsão de quanto tempo durará esta série, ao ritmo de uma página publicada por semana?

Igor Tadeu – Essa semana vai a quarta página, no total de 10. Isso da primeira história. No geral tenho preferido fazer quadrinhos mais longos hoje em dia do que as tirinhas que fazia. Se eu terminar o Elvis em 10 páginas mesmo, há duas histórias minhas que estão só no roteiro e que serão as próximas.

Fale um pouco sobre o Coletivo WC. Como foi a repercussão das duas edições da revista Sanitário e como está o andamento para a terceira edição?

Igor Tadeu – O Coletivo WC foi uma fase muito importante para cada um que participou. Você estar nele estimulava demais na produção. A Sanitário foi a primeira revista na qual tivemos o material publicado, então foi nosso cartão de visitas para o mundo das publicações independentes. Na segunda, a evolução continuou, com histórias mais longas e o claro amadurecimento da habilidade de todos os quadrinistas. Com essas duas revistas fizemos lançamento em vários estados e sempre foi uma experiência massa. Nesse terceiro estamos no processo de financiamento via Catarse. A edição tá encorpada com material colorido e ótimas participações. Será um bom encerramento para as atividades do Coletivo WC.