Dampyr – A volta do filho do vampiro

Em uma iniciativa ousada, a novata Editora 85 traz Dampyr de volta ao país em uma edição especial que reúne quatro números da original italiana, seguindo a sequência direta da última aventura publicada por aqui pela Mythos, que cancelou a publicação no número 12, Alma Perdida. Já é válido deixar o aviso de que, mesmo quem nunca ouviu falar do título, não encontrará dificuldade alguma para acompanhar as histórias deste volume.

Dampyr é uma HQ sobre vampiros. O tema parece exaurido atualmente (não tanto quanto zumbis). A ideia principal também parece clichê (vide Blade, da Marvel). É esse tipo de ceticismo que pode fazer um ou outro leitor veterano franzir o cenho e pensar se precisa de mais uma história sobre vampiros povoando sua cabeça. Caso ignore essa desconfiança e se arrisque, vai perceber que se trata de uma das melhores obras do gênero terror em quadrinhos.

Criado por Mauro Boselli e Maurizio Colombo para a editora italiana Bonelli (casa do Tex e Dylan Dog), Dampyr narra a saga de Harlan Draka, um mestiço nascido da relação proibida entre uma humana e um vampiro. Draka nasce em meio à Segunda Guerra, crescendo órfão e chegando à vida adulta sobrevivendo em uma região assolada por superstições e pela guerra contínua, entre nações, grupos étnicos, tribos, guerrilheiros, entre qualquer um que tenha poder suficiente para matar algo que se mova.

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Harlan, desde criança, era apontado como o filho de uma bruxa pelos moradores do povoado em que vivia. Envelhecendo lentamente demais para um homem comum, quando adulto passa a se aproveitar da sua fama para, acompanhado de um jovem amigo, se apresentar em vilarejos da região como o único capaz de combater mortos vivos, vampiros e outros tipos de crendices sobrenaturais, atuando como uma espécie de caça-fantasmas picareta empregando truques para extorquir as pessoas. Um dia, a dupla se deparou com dois tipos diferentes de terror: vampiros de verdade e guerrilheiros.

A partir de então, sua vida mudou. Descobriu que vampiros são reais, que seu sangue é venenoso para as criaturas e, aliado a Tesla, uma vampira que resistiu à influência de seu mestre, e Emil Kurjak, um soldado cansado de guerras sem sentido, partiu em uma cruzada pelo mundo em busca de seu pai e destruindo todas as criaturas das trevas que encontra pelo caminho.

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Embora o vampirismo seja o tema central das histórias, Boselli e Colombo estabeleceram um mundo no qual outras lendas também existem, como o Golem, bruxas, feiticeiros, demônios e outros tipos de criaturas. O título foi bem aceito e já chegou ao número 220 na Itália, além de edições especiais.

O grupo de Harlan tem liberdade para atuar em todos os continentes, investigando e eliminando ameaças sobrenaturais, graças ao apoio de Caleb Lost, um ser misterioso que fornece informações e financiamento ao grupo. A liberdade de ação de Draka e seus amigos fornece também liberdade para seus autores trabalharem vários temas dentro do terror, misturando fatos e folclore, fatos históricos e lendas, mitos e tradições de todas as regiões do globo.

Nas quatro aventuras deste volume da Editora 85, o protagonista visita a Grécia, o Oriente Médio e o sul dos Estados Unidos. Os roteiristas trazem em cada região características da cultura, história e das lendas locais, compondo histórias criativas com uma narrativa gráfica que costumo apontar como cinematográfica.

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Os quadrinhos da Bonelli possuem relações estreitas com o cinema, seja no estilo narrativo ou espalhando homenagens pontuais a filmes clássicos, até mesmo usando atores como modelos para os personagens, e Boselli e Colombo não fogem a essas características. Harlan Draka e Emil Kurjak, por exemplo, são cópias de Ralph Fiennes e George Clooney. Com um olhar mais aguçado, pode-se reconhecer outros sósias cinematográficos entre heróis, vilões ou coadjuvantes ao longo das aventuras.

Ainda sobre os autores, vale apontar que Boselli se consolidou como um dos principais roteiristas da Bonelli, chegando a assumir o papel de editor chefe do principal título da casa, Tex, e tendo participação vital na retomada de Zagor, criando histórias marcantes baseadas em contos de H.P. Lovecraft, o que já mostrava sua inclinação para o gênero do terror.

Boselli consegue criar tramas que misturam muito da realidade com toques de fantasia, indo além dos clichês, apesar da utilização inicial destes, criando personagens coadjuvantes que se tornam marcantes e armando situações de tensão que desembocam em ação frenética.  Maurizio Colombo, seu parceiro na criação de Dampyr, elabora tramas mais simples, mas consegue empregar boas ideias compondo ótimos contos de terror, como mostrado em “A Ilha da Bruxa”. As histórias do título conciliam bem terror e ação. A violência não é evitada em suas páginas, na boa tradição italiana do gênero, com sangue em excesso, corpos trucidados e cenários sombrios e assustadores.

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Eis as histórias contidas nesta edição:

A Ilha da Bruxa (roteiro de Colombo e arte de Adrelucci): Harlan, seguindo uma dica de Caleb Lost, vai à Grécia investigar o paradeiro de uma antiga bruxa chamada Helena Morkov. Lá, encontra uma vidente e juntos viajam à uma ilha do mar Egeu onde descobrem que Morkov dominou um vilarejo inteiro. Ambos tem de enfrentar vários desafios até chegar ao covil da bruxa. A história se relaciona com o nazismo, ainda na época da Segunda Guerra Mundial, em um prólogo instigante que mostra o exército enfrentando a rainha bruxa, que mantinha uma escola de dança. Bruxas e bailarinas. Alguém lembrou do filme Suspiria, de Dario Argento?

Os Rebeldes (roteiro de Boselli e arte de Casini): Nessa história, predomina o terror da vida real ao invés do sobrenatural. No Cáucaso, uma região devastada por guerras cíclicas e dominada por um ditador, parece estar assolada por pequenas criaturas que sugam o sangue das pessoas, especialmente dos soldados. Harlan, Kurjak e Tesla se misturam a uma equipe do Médicos Sem Fronteiras para investigar o caso e se deparam com uma situação de grave ofensa aos direitos humanos, envolvendo crianças que tiveram de apelar para táticas de guerrilha empregando subterfúgios horripilantes. Uma história que mostra que seres humanos podem ser tão perversos quanto os Mestres da Noite que o Dampyr caça, sem a desculpa de serem monstros.

Nascido no Pântano e Delta Blues (roteiro de Boselli e arte de Dotti): Nesta história em duas partes, Draka e Kurjak vão direto para as terras do blues e do Southern rock, o sul dos Estados Unidos, Mississipi. A trama bolada por Boselli envolve a figura histórica do bluesman Robert Johnson, um sujeito que teria vendido sua alma ao diabo em uma encruzilhada para se tornar famoso, e também conta com referências ao Lynyrd Skynyrd, banda de rock que perdeu alguns integrantes em um acidente de avião. A dupla de heróis se encontra às voltas com uma banda de vampiros criados por Legba, um Mestre da Noite que se apresenta como um demônio do vodu. Muita música, sangue derramado, confrontos com vampiros e com a polícia em meio a corpos e corações despedaçados.

Iniciativas como a da Lorentz (que lançou três edições de Dylan Dog recentemente, fomentando novamente o interesse pelo investigador do pesadelo por aqui) e da Editora 85 são movidas pela autêntica paixão de fãs. O resultado, em ambos os casos, são produtos com uma qualidade bem superior aos títulos Bonelli publicados regularmente por aqui, como Tex, Zagor e Aventuras de Uma Criminóloga (Júlia), e até mais acessíveis.

Contando com 388 páginas, formato italiano, papel Offset e capa cartonada com orelhas, Dampyr Vol. 4 pode ser encontrada na Amazon.

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