Noites Violentas no Brooklyn – Histórias de almas destruídas e corpos despedaçados

Toda cidade tem suas regiões barra pesada. Aquele bairro que ninguém recomenda aos turistas e desavisados. Em Nova York, o Brooklyn é visto como um desses lugares. Na verdade, durante muitas décadas, praticamente toda a cidade era considerada perigosa, impressão que o próprio cinema hollywoodiano ajudou a propagar internacionalmente, em filmes de diferentes gêneros como Desejo de Matar (Death Wish, 1974), Loucademia de Polícia (Police Academy, 1984) e Arrebentando em Nova York (Rumble in the Bronx, 1995).

E não era apenas ficção cinematográfica, tanto que houve uma verdadeira cruzada contra o crime, batizada de tolerância zero, promovida pelo prefeito à época, na década de 1990, Rudolph Giuliani. Noites Violentas no Brooklyn reforça mais ainda a má imagem que a região projetou e que se fixou no imaginário de milhares de pessoas que nunca estiveram lá ou em nenhuma outra parte dos Estados Unidos.

O filme se passa no início da década de 1950, onde uma greve de trabalhadores está em curso, paralisando uma fábrica local. As ruas do Brooklyn retratadas na película, especificamente a área de Red Hook, onde se passa a trama, lembram algo como um cenário pós-apocalíptico, no mínimo uma cidade pós-ocupação nazista na Segunda Guerra, um local em ruínas. A luz do sol não consegue penetrar nem durante o dia, as ruas são repletas de lixo, terrenos baldios são convidativos ao ilícito e os prédios são tão mal cuidados que parecem abandonados. É nesse ambiente em que se desenrola o cotidiano de violência e abandono, de perversidade e desesperança, incompreensão e intolerância vivido pelos moradores, retratado através de recortes na vida de vários personagens apresentados ao longo da trama.

 

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Lançado em 1989, Noites Violentas no Brooklyn parece uma produção perdida da década anterior, gravada no auge da Nova Hollywood e mantida no porão de algum estúdio, até ser encontrada e revelada ao mundo. A narrativa não é voltada para heróis, mas desprovida de esperança e o mais gráfica possível no tocante à violência. Um filme seco que não faz a menor questão de tornar seus protagonistas simpáticos aos espectadores, mas repulsivos ou, no máximo, dignos de pena.

Durante o dia, os marginalizados, como vampiros, se escondem dentro das moradias decrépitas, esperando o anoitecer para saírem em busca de dinheiro fácil, álcool, drogas ou simplesmente violência gratuita. Então percebemos que esta última não está restrita ao exterior. A violência domiciliar, praticada pela própria família, é talvez ainda pior que a das gangues e larápios das ruas, pois afeta diretamente a autoestima, apodrecendo o interior dos personagens.

Em uma situação invertida, as ruas servem de abrigo para os desajustados. Harry (Stephen Lang), por exemplo, está em uma posição privilegiada no sindicato, mas se sente incompleto em casa, com mulher e filho recém-nascido. Atraído por uma cena que parece comum na região, uma gangue surrando quase até a morte um soldado de passagem, resolve usar seus recursos para conquistar a companhia de Vinnie (Peter Dobson) e sua gangue, se sentindo satisfeito em apenas observar a violência que o grupo pratica.

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Mais tarde, Harry se descobre homossexual, se apaixonando por um travesti que o dispensa quando seu dinheiro acaba, o levando a desabar de modo hediondo, quando a violência que idolatra é voltada contra ele em um ato de justiça bárbara.

Big Joe (Burt Young), um dos operários em greve, se comunica com sua família com a mesma linguagem com que trata seus parceiros de trabalho, com resmungos, ofensas verbais e até tapas. Sua esposa não age de forma diferente, até ameaçando quebrar o braço do filho caso esse desobedeça a uma ordem simples como se retirar da sala. Ao descobrir que a filha (uma virgem santa, em sua visão) está grávida, Joe tenta resolver a situação agredindo o rapaz que a engravidou, apesar dele aceitar o casamento. Este é o único fragmento que chega a ser cômico em todo o filme.

Uma das personagens com mais tempo em tela, e que teve como resultado o melhor trabalho de atuação no filme, é a prostituta Tralala (Jennifer Jason Leigh), uma mulher que vive de aplicar golpes em bêbados que pesca nos bares locais, em parceria com a gangue de Vinnie. Usa sua beleza como única arma para sobreviver em um meio que não admite fraquezas. Mesmo diante do amor sincero de um jovem oficial do exército, que enxerga valores que não existem nela, se recusa a sucumbir a qualquer sentimento de carinho, tentando entorpecer o corpo numa tentativa de retornar à segurança da insensibilidade da alma em um processo catártico extremamente doloroso, resultando em uma das cenas mais brutais do filme e talvez até do cinema americano.

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Talvez o único indício de inocência em todo o filme esteja no filho adolescente de Big Joe. Apaixonado por Tralala, seu sonho é comprar uma moto para conquistar a atenção dela. Mesmo esse sonho simples, quando parece prestes a se concretizar, é despedaçado duramente. Não há piedade no Brooklyn, uma espiral de iniquidade que suga e devasta qualquer alma, deixando o espectador ansioso para saber qual a próxima maldade que será apresentada na tela.

Uma das cenas que reforçam a visão do Brooklyn como um centro de entropia é a da insurgência dos grevistas quando uma série de caminhões tenta furar o bloqueio. Os operários se atiram contra os portões da fábrica como uma invasão zumbi, sendo rechaçados pelos poucos policiais em um conflito desesperado. Simplesmente parece o fim do mundo.

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Noites Violentas no Brooklyn é baseado no livro homônimo escrito por Hubert Selby Jr. e lançado em 1964. Os Estados Unidos sempre foram mais puritanos que sua produção cultural deixa perceber, e os fortes relatos de violência e transgressão sexual aliados a dizeres bíblicos abrindo cada capítulo da obra geraram uma boa repercussão na época. Até cineastas renomados como Stanley Kubrick e Brian De Palma pensaram em algum momento em fazer o filme.

A ideia da adaptação do livro surgiu na mente do diretor alemão Uli Edel desde o curso de cinema. No início da década de 1980, ele já havia feito Christiane F., 13 anos, Drogada e Prostituída (Christiane F., 1981), um filme que chamou a atenção na época e até hoje é relevante sobre o tema do vício. Aliás, a influência do cinema alemão foi apontada por alguns críticos em Noites Violentas no Brooklyn, mais especificamente toques de expressionismo alemão, escola cinematográfica cujo domínio de luzes e sombras era uma de suas principais características.

Depois desse trabalho, Edel ainda fez Corpo em Evidência (Body of Evidence, 1993), suspense com Madonna e Willem Dafoe no elenco, que não agradou nem público nem crítica, e passou a se dedicar a dirigir filmes para televisão e séries, com uma ou outra exceção até então.

Noites Violentas no Brooklyn (Last Exit To Brooklyn, 1989)
Diretor: Uli Edel
Gênero: Drama
Duração: 1h42min