Clint Eastwood – Nada Censurado

Fazendo uma conta rápida e pouco atenciosa, levando em consideração as produções nas quais ele atuou e dirigiu, Clint Eastwood soma o impressionante número de 72 filmes em sua carreira. O ator nasceu em 1930, em meio ao período da grande depressão nos Estados Unidos. Entre outros empregos foi trabalhador braçal e salva vidas no exército até que começou fazendo cinema de forma tímida com participações insignificantes em estúdios. Após anos de muito esforço e frustrações, enfim veio o reconhecimento e sucesso na tela grande, ainda que de forma tardia em comparação aos seus contemporâneos. Enfim Eastwood se tornou um símbolo do próprio cinema americano, e é essa história que o livro escrito por Marc Eliot promete contar em Clint Eastwood – Nada Censurado.

Uma tarefa complicada escrever sobre alguém que notoriamente detesta fazer publicidade sobre sua própria vida. A solução de Eliot, escritor especializado em cultura pop, especialmente cinema, foi manter distância do objeto de estudo e se concentrar mais nas obras que em Eastwood em si, além de coletar, sempre que possível, declarações de pessoas que trabalharam com o astro em algum ponto da vida, de alguma forma, além das pesquisas bibliográficas de sempre.

Fui aconselhado a não fazer praticamente nada do que fiz até hoje.

O livro divide a vida do ator em três partes: “De errante a ator”, onde conta sua origem, infância, juventude e como finalmente chegou ao cinema; “De ator a autor”, quando a vontade de passar para trás das câmeras despertou, montando a própria produtora, a Malpaso, produzindo e dirigindo os primeiros longas; “De autor a oscar”, onde finalmente seus filmes começam a despertar a atenção da Academia. Completando o livro há uma relação de sua filmografia, incluindo as obras que dirigiu, seus trabalhos para televisão e lista de gravações musicais, nada que não conste de maneira mais completa em sites como o IMdB.

O livro funciona mais como um extenso artigo sobre sua carreira, com várias fontes de consulta para montar as histórias de bastidores, incluindo declarações de Eastwood, oficiais e não oficiais. Por essa perspectiva, o leitor não consegue propriamente “entrar na cabeça” do ator, mas sua personalidade é descrita de forma franca até onde possível, pois seus pronunciamentos não são exatamente pautados pelo politicamente correto. Aliás, muitos de seus personagens nas telas refletem aspectos de sua personalidade. Clint é mostrado como alguém de gostos simples, até certo ponto. O tipo de pessoa que não se deixou levar completamente pela glória, ao ponto de preferir andar com uma caminhonete velha e deixar duas ferraris na garagem de casa.

Como homem de família, sua vida íntima foi bastante polêmica. Mulherengo, mantinha a esposa em casa a maior parte do tempo, enquanto se envolvia com atrizes que ele mesmo fazia questão de escalar para os filmes nos quais atuava. Encerrado o último dia de gravações, geralmente terminava o romance e partia para outro filme e outra garota. Isso até engatar um relacionamento com a atriz Sondra Locke, que dividiu as telas com o astro em produções como Rota Suicida (The Gauntlet, 1977), Louco para amar, doido para brigar (Every Which Way But Loose, 1978), e Impacto Fulminante (Sudden Impact, 1983). O envolvimento foi tão descarado que Clint chegou a comprar uma casa para ela e outra para o marido dela, um sujeito declaradamente homossexual. Sim, a mulher tinha um casamento de aparência em um nível ainda maior que o de Eastwood. Anos depois o caso iria parar nas cortes de justiça por duas vezes, causando muita dor de cabeça e despesas para o astro, além de uma nada bem vinda invasão em sua privacidade por toda a imprensa americana e internacional.

(…) diziam até que eu era racista por atirar em ladrões de banco negros. Ora, os negros também assaltam bancos, merda. Aquele filme deu trabalho a quatro dublês negros. Disso ninguém falou.

Como todo artista, a carreira de Eastwood teve altos e baixos. O Segredo é que, quando algum filme dele naufragava nas bilheterias, logo em seguida ele vinha com um título que o colocava de volta ao topo. O livro deixa isso bem perceptível, até porque acompanha a carreira de Clint filme a filme, citando curiosidades dos bastidores, das negociações, reação das plateias e da crítica especializada, que no geral nunca foi afeita aos filmes de ação truculentos do astro. Os pontos chave, claro, são o início da aliança vitoriosa com o diretor italiano Sergio leone, lançando a famosa trilogia dos dólares e fazendo com que o coadjuvante de uma série western da tv se tornasse um rosto de reconhecimento mundial, o início da parceria com Don Siegel, diretor de Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971), onde surgiu o icônico policial Dirty Harry empunhando a Magnum 44 e, finalmente, seu sucesso definitivo com Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), que consolidou definitivamente sua nova fase como diretor.

Ao longo do livro é possível ir montando as várias facetas que compõem o homem por trás da lenda. O Clint mulherengo, que teve sete filhos com cinco mulheres diferentes, o político, eleito prefeito de Carmel By The Sea com a motivação principal de revogar uma lei que proibia a venda de sorvetes de casquina no orla, o Clint supersticioso, que guardava alguns “amuletos” como o poncho usado na trilogia do Homem Sem Nome, o ator de poucas palavras em cena e o diretor que economizava o máximo possível em número de takes e no orçamento das produções.

Eastwood é um diretor capaz de filmar um filme digno de Oscar em menos de trinta dias e abaixo do orçamento fixado, um feito espetacular para o cinema do primeiro escalão, especialmente nos dias de hoje onde predomina o cinemão blockbuster. Uma velocidade de trabalho que agradava estúdios e deixou atores mais dedicados como Kevin Costner e Sean Penn um tanto quanto contrariados.

Agora vivemos numa geração mais bacana, na qual todo mundo se acostumou a dizer: ‘Bem, como vamos lidar com isso em termos psicológicos?’ Nos (velhos) tempos, o sujeito simplesmente revidava o soco do valentão e trocava uns murros.

Não se trata, afinal, de uma biografia detalhista, mas funciona um bom resumo sobre a carreira do ator e sobre a indústria cinematográfica em si. Estamos em 2017, Clint atingiu indiscutivelmente a imortalidade por meio da sétima arte, mas o homem ainda continua com planos para o futuro. Nada mal para alguém que já foi despedido da Universal porque “não tinha a aparência certa”.

Clint Eastwood – Nada Censurado
Autor: Marc Eliot
Editora: Nova Fronteira
Número de páginas: 528