Parceiros de jogo – Um retrato realista do jogador compulsivo

A compulsão por jogos é considerada por especialistas bastante semelhante ao vício em drogas, alcoolismo ou tabagismo. Todos operam nas mesmas áreas cerebrais e o comportamento do viciado é praticamente o mesmo. A “The North American Foundation for Gambling Addiction Help”, uma entidade dedicada a ajudar viciados em jogos de aposta aponta que aproximadamente 2.6% da população dos Estados Unidos sofre com esse distúrbio. São pessoas que cedem a seus impulsos por um prazer imediatista e fugaz que passa a desestabilizar profissional, financeira e emocionalmente suas vidas. Parceiros de Jogo traz uma história que aborda o tema focando em dois personagens que, por razões diferentes, não conseguem sair do ciclo de autodestruição.

Gerry (Ben Mendelsohn) e Curtis (Ryan Reynolds) se conhecem ocasionalmente em uma noitada na mesa verde e terminam desenvolvendo uma espécie de amizade apesar das diferenças entre eles. Gerry, mais velho, é fechado, sério e transparece ser um solitário cuja derrota é nítida em sua face. Curtis é jovem, descontraído e aparenta se importar mais com a diversão que o jogo proporciona que com o dinheiro que ganha ou perde.

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Jogadores veteranos geralmente são supersticiosos, e Gerry percebe que, quando está junto a Curtis, sempre tem sorte em qualquer tipo de jogo. Falido e perseguido por credores, decide abandonar o emprego de corretor de imóveis e propor ao novo amigo uma viagem até o Mississipi, onde ocorrerá um grande torneio de pôquer. Assim, a dupla pega a estrada e segue apostando em todos os pontos de jogos até o destino final. Uma jornada de Iowa até Nova Orleans, passando por Saint Louis, Memphis e Little Rock, buscando um enviesado sonho americano.

Parceiros de Jogo possui um rimo narrativo lento tendo como foco principal um protagonista a princípio desinteressante. Levando em conta que se trata de um filme sobre vício em jogo, Anna Boden e Ryan Fleck, roteiristas e diretores deste longa, conseguiram construir uma história bem realística. A trilha sonora é composta por uma seleção de canções de blues e country, estilos bem associados à região em que se passa a história, o sul dos Estados Unidos, terra do blues, estilo que nasceu da comunidade negra, retratando suas dores e conflitos em uma terra que prosperou por muito tempo na base do trabalho escravo e ainda guarda marcas desse passado. Um tipo de música que ajuda a construir um clima depressivo apropriado para uma história de indivíduos infelizes em uma rota de autodestruição.

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Uma viagem de carro é oportunidade para os personagens se conhecerem melhor, fornecendo pistas para o espectador entender os mecanismos internos que os movem. Gerry é o típico homem de meia idade que deixou seu vício afastar sua esposa e filha, mas que acredita ainda ser possível reconquistar o que perdeu. Apenas precisa da oportunidade, da grande virada, e imagina que esse momento o libertará o fazendo feliz e completo novamente.

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Curtis se revela um personagem mais complexo. Desloca-se constantemente pelo país, nunca permanecendo muito tempo em um mesmo lugar. É um bom jogador e apostador sortudo, mas não é o dinheiro que o move, nem parece ser a emoção do momento de descobrir o resultado da aposta, embora não o dispense. A origem de seu comportamento parece estar relacionada à sua infância e relacionamento com os pais, pistas que surgem quando fala de seu passado e quando ocorre o encontro com sua mãe.

Claro que, quando dois viciados se juntam, a tendência é que seus vícios se intensifiquem. Corridas de cavalos, de cachorros, dados, pôquer, roleta, máquinas caça-níqueis e partidas de esportes, nenhuma oportunidade escapa.

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Outra consequência da estrada é o stress. Logo a dupla entra em conflito no ponto em que o plano começa a dar errado. Filmes com esse tema podem deixar o público frustrado. Por mais cretinos que sejam os protagonistas, terminamos simpatizando com eles à medida que os conhecemos. Torcemos para tomarem uma atitude redentora definitiva, o que geralmente não acontece no mundo real. Um jogador é, por excelência, um enganador. Seja na mesa verde ou fora dele, Gerry e Curtis enganam e distorcem a verdade para os outros e para si mesmos.

Uma questão que se apresenta é se existe uma autêntica relação de amizade entre os dois ou acontece apenas uma atração momentânea entre miseráveis que compartilham do mesmo mal. Embora sofram do mesmo vício, o roteiro é competente ao conseguir estabelecer causas bem diferentes para o comportamento individual. Enquanto um parece buscar o momento de redenção através da sorte, o outro procura apenas absorver o sofrimento da derrota em uma ação catártica, uma espécie de autopunição ou medo que o leva a evitar uma vida convencional afastando as pessoas no processo.

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Parceiros de Jogo, Mississipi Grind no original, se soma a uma série de filmes clássicos cujos nomes fazem referência a locais famosos nos Estados Unidos, que atraem jogadores de todo o país, como California Split (Jogando com a Sorte 1974), A Mesa do Diabo (The Cincinnati Kid, 1965) e Atlantic City (idem, 1980). Ser um jogador compulsivo é ter a crença de que tudo vai se resolver magicamente, em uma noite de sorte, em um momento milagroso que leva a um final feliz e definitivo. É perseguir a ideia confortável de que todos gostam do vencedor.

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Parceiros de Jogo (Mississipi Grind, 2015)
Diretor: Anna Boden, Ryan Fleck
Gênero: Drama
Duração: 1h48min