O Exorcista – uma das melhores trilogias do cinema de horror

A obra de William Friedkin perpassou gerações. Mesmo completando 50 anos, a película não perdeu sua capacidade de impactar. Conta-se que, em sua época de estreia, espectadores passavam mal nos cinemas. De onde veio tamanha capacidade de amedrontar a audiência? Seria a ingenuidade do público da época? O trabalho de marketing? Dos efeitos especiais que ainda impressionam? Elenco alguns possíveis motivos. 

A sociedade ocidental é predominantemente cristã, portanto, coisas como demônios e possessões não são estranhas a nós. Especialmente quando crianças, somos expostos a lendas bíblicas, sermões e misticismos falando sobre apocalipse, fogo do inferno, tentações de Satanás, sacrifícios e lutas pela salvação da alma. Em um período no qual nossa mente está vulnerável, seja pela falta de experiência de vida seja pela imaginação desenfreada, somos alvos fáceis dos jogos de punição e recompensa religiosos. Logo, mesmo adultos descrentes ainda trazem no subconsciente algum vestígio do medo que as idas a igrejas suscitavam. 

O próprio exorcismo católico se funde em mitos, lendas e recortes de notícias reais. É comum programas que misturam jornalismo com entretenimento pautarem matérias acerca de casos de possessões, como o global Fantástico já o fez. 

A narrativa de O Exorcista (The Exorcist, 1973) não se apressa a ir direto para ‘cenas assustadoras’ como faria um terror típico, mas constrói calmamente um drama familiar que vai despertando a empatia das pessoas. Uma mãe solteira que luta pelo bem-estar da única filha, uma criança vítima de uma doença desconhecida cuja ciência se mostra incapaz de ajudar. Logo, apenas a fé e o reconhecimento do impossível, do sobrenatural, pode ampará-la. A quantas pessoas não resta apenas a fé como último consolo?

Os efeitos especiais práticos não envelheceram mesmo após cinco décadas. Fazer cinema fantástico era muito parecido com fazer truques de mágica. Exigia engenhosidade. Um dos atrativos de assistir a um filme de terror ou ficção científica era se impressionar com os efeitos, como em O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982), Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London 1981) ou Uma Noite Alucinante 2 (Evil Dead II, 1987). “Como conseguiram fazer isso?” nos perguntávamos.

O Exorcista é um filme que põe ciência e religião em confronto. Quando Regan (Linda Blair) começa a manifestar um comportamento no mínimo estranho, é levada a uma série de médicos que a submetem aos testes mais modernos da época. O momento da aplicação dos exames, invasivos, dolorosos, até cruéis, é angustiante. Uma garota, amarrada a uma maca, cercada por máquinas que investigam seu interior e como resultado não apresentam absolutamente nenhuma pista de algo fora do normal. Além da ciência, a polícia também entra na jogada para investigar uma morte misteriosa, usando de deduções lógicas, mas todas levando a um beco sem saída. 

O terror muitas vezes é apenas sugestionado. Não é apresentada a morte de Burke (Jack McGowran), diretor de cinema e affair de McNeill (Ellen Burstyn), a mãe da garota. O espectador recebe a notícia junto à atriz, mas apenas depois, no decorrer da investigação, conhece maiores detalhes do fato, que o homem foi encontrado com o pescoço virado totalmente para trás segundo relatado detetive encarregado do caso, Kinderman (lee J. Cobb). Este, um cético por natureza, elabora palpites, investiga cenários, mas ele mesmo reconhece que nenhum permite solucionar o mistério, que sempre termina no impossível. 

O Padre Karras (Jason Miller) é apresentado como uma figura singular. Um ex-boxeador, crescido em uma área pobre e perigosa de Nova York, que decide se tornar um homem da Cristo, mas também da ciência, uma vez que possui formação de medicina em Harvard, tendo se especializado na psiquiatria. Ironicamente, um homem em trajetória de perda da fé, processo que é catalisado pela tragédia da morte da mãe. Força, fé e ciência em um único homem, aquele que enfrentará, a princípio relutante, uma situação que poderia enlouquecer facilmente uma pessoa comum. 

Finalmente, temos o Padre Merrin (Max Von Sydow), apresentado no início do filme em uma área de escavações no deserto do Iraque, no qual se prenuncia uma luta do bem contra o mal, um mal antigo, que se revela nas areias escaldantes simbolizado por uma estátua. Mas Merrin é um homem envelhecido, com problemas de saúde, talvez incapaz de sobreviver a um confronto que exige tanto do físico quanto da mente. É aí que entra o vigor de Karras. Mesmo a experiência de um conjunta à energia de outro podem não ser suficientes para a tarefa de salvar a vida de uma criança pois, como uma infecção mortífera, a possessão demoníaca mina as forças do corpo, condenando a vítima a uma morte terrível dentro de um espaço reduzido de tempo. 

As histórias de bastidores do filme também são assustadoras. A edição de 25 anos da obra contou com uma fita VHS extra apresentando um documentário referente à produção que consegue ser no mínimo tão impactante quanto o filme em si. Pessoas que morreram, figuras que apareceram e desapareceram durante as gravações, incêndios misteriosos e consequências ruins para os envolvidos que vão desde problemas de saúde a envolvimento com drogas permeiam a mítica de O Exorcista. Aparentemente o diretor, Friedkin, saiu-se intacto da experiência. 

Em seu livro de memórias, recorda de ter sido convocado a uma tenda no meio do deserto do Iraque onde encontrou representantes de uma espécie de seita de adoradores do demônio que imaginavam que o cineasta realmente tivesse contato com o mal. O fato de sua promissora carreira ter afundando após O Exorcista não significa nada, afinal, como ele mesmo reconhece no livro, quando se está no topo, a única direção que resta seguir é para baixo. 

O Exorcista II — O Herege (The Exorcist II – The Heretic, 1977)

A fama da sequência é exatamente inversa à do original. Enquanto o primeiro é aclamando por unanimidade, o segundo é execrado com o mesmo fervor. 

No lugar de Friedkin, entrou John Boorman, um excelente substituto. Na trilha sonora, Ennio Morricone. Como protagonista, Richard Burton. William Blatty, autor do romance que deu origem à obra, apesar de constar créditos no roteiro, não esteve envolvido. O mesmo considera a sequência não canônica. Mesmo assim, o que deu errado? Aponto que apenas a quebra de expectativas e a luz que lança sobre os mistérios do primeiro bastaram para resultar em uma recepção péssima, porque o filme possui sim muitas qualidades. 

A história tenta cobrir todas as lacunas deixadas pelo anterior. Quem era a entidade que possuiu Regan? Por que a garota foi escolhida como alvo do demônio? Sua presença foi mesmo apagada deste plano? Como foi o primeiro embate entre o Padre Merrin e a criatura? O que aconteceu no quarto antes de Karras entrar na sala e encontrar Merrin morto? O que fazer para evitar uma nova ascensão do mal? Praticamente nenhuma resposta é deixada em branco. Se a luz extingue o medo, talvez explique o motivo de a crítica e público rejeitarem tão intensamente o filme

Parte da Igreja Católica quer se distanciar dos eventos ocorridos durante o exorcismo de Regan, que deixou 3 mortos, incluindo dois membros do sacerdócio. O lado político do Vaticano é apresentado, onde o Padre Merrin tinha opositores que aproveitam a oportunidade para o acusarem de heresia. O Padre Lamont (Richard Burton), ele também alguém experiente em exorcismos, amigo e discípulo de Merrin, é designado para fazer um relatório completo sobre os eventos ocorridos em Washington. Abalado por ter falhado em salvar uma jovem moça possuída, fato apresentado no início do filme, Lamont é convencido a aceitar a tarefa. 

Regan, aparentando ser uma adolescente normal, vem sendo acompanhada por uma psiquiatra, Gene Tuskin (Louise Fletcher), que desenvolve uma nova técnica de hipnotismo com o auxílio de uma máquina capaz de alinhar as mentes das pessoas. Lamont, sentindo que o mal ainda está ativo na garota, se intromete no processo e então se inicia mais uma vez uma contenda entre a ciência e a fé.

O Herege é um filme de certa forma investigativo. Lamont descobre quem é Pazuzu, tendo de ir à África onde Merrin o encontrou e confrontou pela primeira vez. Visita locais ermos, que não parecem deste mundo, ou, pelo menos, deste tempo, como um vilarejo encravado em rochas onde o acesso se dá por cordas e correntes penduradas que se estendem até o chão. 

Lamont descobre a existência de um homem capaz de enfrentar Pazuzu, Kokumo, uma espécie de xamã que vive em uma tribo da África. Logo, tenta encontrá-lo para que conheça seu segredo e também possa enfrentar o mal que ainda permeia ao redor de Regan. 

A máquina de hipnotismo é talvez o ponto mais negativo desta sequência. O Exorcista até então primava por ser o mais realístico possível dentro de sua proposta. Utilizar um recurso tecnológico fantasioso como peça fundamental para o desenvolvimento da história parece um exagero desnecessário. 

O Exorcista III (The Exorcist III, 1990)

Solucionados os enigmas sobre Pazuzu e sua relação com Regan, o caminho seguido pela franquia foi explorar o destino final do Padre Karras, que havia se suicidado esperando se livrar do demônio que se apossou de seu corpo. 

O terceiro capítulo assume ares de um thriller policial, tendo como protagonista o detetive Kiderman, agora interpretado por George C. Scott, o mesmo que esteve envolvido no primeiro longa investigando a morte do cineasta Burke. 

Uma criança e dois padres são mortos com indícios que levam a acreditar que se trata de um serial killer. Kinderman chega até um sanatório no qual um interno da ala dos pacientes violentos se revela como um antigo assassino conhecido como The Gemini Killer (sim, baseado no serial killer Zodíaco), que desapareceu sem nunca ter sido capturado. O problema é que, na verdade, o tal preso tem as feições do Padre Karras. 

Kinderman, também um homem que perdeu sua fé, considerava Karras um amigo e mantinha relações fraternas com outro padre assassinado. Agora, se vê frente a frente com um horror diabólico que parece impossível de derrotar. 

Pazuzu, o rei dos espíritos do ar, mandara o demônio conhecido como Legião para se vingar de todos aqueles que estiveram envolvidos no exorcismo de Regan de alguma forma. A influência do mal se mostra tão poderosa e perene que fora capaz de, apesar de tantos anos terem se passado, ainda provocar morte e desespero. 

Dirigido pelo próprio autor do livro que inspirou essa sequência, Legião, William Peter Blatty consegue imprimir o mesmo tom sóbrio que vimos nos dois longas anteriores. A tensão vai aumentando paulatinamente ao longo da película que, se poupa o espectador durante a maior parte do tempo de violência gráfica, tem ao menos uma cena impactante, que toma todo o cuidado para compor uma sequência de eventos que tranquiliza o espectador para então pegá-lo de surpresa.

Senhoras engatinhando no teto? Veja de onde Hereditário pescou a referência. Talvez a falha do filme seja a execução de um exorcismo em sua sequência final, algo que parece ter sido exigido pelo estúdio para justificar o nome da franquia no título, mas que termina parecendo apartada do estilo deste encerramento.