No Calor da Noite – Um homicídio e um detetive negro em uma cidade em que arde o preconceito racial

Um policial é perseguido e acaba cercado por quatro homens em um galpão em local isolado. Os atacantes estão armados com correntes, barras de ferro e uma pá. Em uma cena como essa, na década de 1980, o policial conseguiria enfrentar e vencer os quatro com alguma dificuldade. Em um filme da década de 1990, ele venceria os quatro praticamente sem dificuldade. Se o filme fosse atualizado para 2019, seriam 88 bandidos a serem massacrados facilmente com a ajuda do recurso da câmera tremida e de cortes rápidos na sala de edição. Mas, na década de 1960, um policial não conseguia enfrentar quatro oponentes nessas circunstâncias. Ele acabaria fatalmente derrotado, assim como aconteceu com Clint Eastwood em Meu Nome é Coogan (Coogan’s Bluff, 1968).

Em 1967 os Estados Unidos participavam da Guerra do Vietnã. Enquanto o napalm americano queimava o pequeno país asiático, uma revolução cultural ardia nos corações dos jovens, a contracultura varria o país em meio ao choque de confrontos raciais e protestos contra a guerra enquanto Charles Manson vagava pelo país com sua própria ideia de revolução arregimentando sua família. No ano seguinte, Martin Luther King Jr. seria assassinado.

Enquanto grandes centros entravam em ebulição, nas pequenas cidades, especialmente as do sul do país, as crenças das pessoas no “american way of life” seguiam inabaláveis e indiferentes. Em Sparta, no interior do Mississipi, um policial ao fazer a ronda noturna encontra o corpo sem vida de um eminente empresário caído numa rua. O crime ativa um frenesi na central de polícia, onde o delegado Gillespie (Rod Steiger) ordena que seus homens varram a cidade atrás de vagabundos e desconhecidos que poderiam ter cometido o assassinato. O resultado é a apreensão de Virgil Tibbs (Sidney Poitier), um homem negro que estava de passagem pela cidade aguardando o trem na desértica estação local.

Sem nenhuma oportunidade de explicação, Virgil é levado até a delegacia, sendo tratado já como condenado. Durante o interrogatório, é revelado que o acusado é um policial de Boston, mais precisamente um detetive especializado em homicídios. Contrariado, Gillespie é obrigado a soltá-lo. Mais contrariado ainda, se vê pressionado a pedir sua ajuda para solucionar o crime. O oficial reúne quase todos os clichês do policial racista de uma cidade rural do interior do sul dos Estados Unidos: óculos, costeletas, raciocínio curto, barriga grande, ar arrogante e temperamento explosivo. Seus comandados são ainda piores. Uma equipe formada por gente relapsa, preguiçosa, preconceituosa, mentirosa e oportunista em doses variadas.

A surpresa é que o roteiro desenvolve o personagem de Rob Steiger além dessas primeiras impressões e clichês. Ao fazer uma espécie de dupla com Virgil, surgem oportunidades para mostrar que ele é mais, e menos, que um policial racista de mente e cidade pequena. Não se torna muito mais carismático, mas justifica seu comportamento e amplia a discussão sobre intolerância saindo da tábula rasa e expondo mais ainda os mecanismos de pressão social que agem sob as pessoas e terminam por determinar seu comportamento.

A situação de uma cidade predominantemente racista depender de um policial negro para solucionar a morte de um rico benfeitor, um empresário que pretendia abrir uma fábrica no lugar, provoca momentos de tensão em todos os estamentos sociais. A única pessoa que apoia Virgil é a viúva, que literalmente obriga o prefeito a aceitar e até exigir a presença dele nas investigações. Uma cidade pequena tem tantos segredos quanto qualquer metrópole e, quando o detetive começa a revolver alguns desses segredos, desperta sentimentos hostis no homem mais poderoso do lugar, dono de uma enorme plantação de algodão assim como também nos mais insignificantes caipiras urbanos. O confronto direto entre o branco rico e poderoso, que sobrevive por meio da exploração da força de trabalho da população negra nos campos de algodão, em uma versão moderna da escravidão, contra o negro que é uma autoridade resulta na cena mais impactante do filme.

As investigações que levam a vários becos sem saída, pistas falsas, situações de conflito e confronto desafiam as habilidades e persistência do detetive, impondo uma dinâmica angustiante ao longa, auxiliado por planos e cenas genialmente elaboradas que ressaltam o forte simbolismo de algumas situações, como o policial dentro da cela ou o barman, exalando suor, tentando matar uma mosca na lanchonete.

A atuação de Poitier imprime fúria em seu personagem, que apresenta uma espécie de arrogância enorme, uma arrogância que funciona como uma usina de energia interna para resistir à opressão de ambientes como Sparta. O ator já havia passado por uma situação tensa com a Ku Klux Klan no Mississipi, portanto, por sua insistência, o filme foi rodado em Sparta, Illinois, com algumas cenas gravadas no Tennessee, onde Poitier dormiu com uma arma sob o travesseiro devido a ameaças dos racistas locais. Mesmo assim, ironicamente, quem ganhou o Oscar de Melhor Ator foi o Rob Steiger. No Calor da Noite ainda levou quatro outras estatuetas, incluindo a de Melhor Filme.

O diretor Norman Jewison já vinha de sucessos como A Mesa do Diabo (The Cincinnati Kid, 1965), estrelado por Steve McQueen, ator com quem ele voltaria a trabalhar em seu filme seguinte, Crown – O Magnífico (The Thomas Crown Affair, 1968) e futuramente ainda seria bastante celebrado pelo musical Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar, 1973) e pela memorável ficção científica cult Rollerball: Os Gladiadores do Futuro (Rollerball, 1975), dentre a sua extensa carreira.

No Calor da Noite foi baseado no livro de mesmo nome, lançado em 1965, escrito por John Ball, um romancista especialista em histórias de mistério e crime. O policial negro criado por ele seguiu por uma série de livros, como The Cottontail (1966) e Then Came Violence (1980). Curiosamente, em 1988 “In The Heat of The Night” se tornou uma série de televisão, na qual o chefe Bill Gillespie, interpretado por Carrol O’ Connor, solucionava crimes em Sparta com a ajuda do Virgil Tibbs de Howard E. Rollins Jr. A série teve 8 temporadas.

No Calor da Noite (In The Heat of The Night, 1967)
Diretor: Norman Jewison
Elenco: Sidney Poitier, Rod Steiger, Warren Oates
Gênero: Drama; Policial
Duração: 1h50min