Linha Mortal - Ótima premissa diluída em roteiro pouco ousado

O falecido Joel Schumacher, apesar da boa carreira que construiu em sua trajetória na indústria cinematográfica, ficou tristemente famoso pelos filmes galhofa do Batman na década de 1990, que terminaram por soterrar o personagem nas telonas até a trilogia de Nolan oferecer uma nova versão que público e crítica abraçaram.

Muita gente guardou na memória títulos como o coming age O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (St. Elmo’s Fire, 1985), o terror juvenil Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987), o explosivo Um Dia de Fúria (Falling Down, 1993) e o drama de tribunal Tempo de Matar (A Time to Kill, 1996), conhecido por revelar que Matthew McConaughey tinha sim potencial como ator. Isso para ficar apenas no best of do cineasta, que tem mais uns bons títulos no currículo. 

Linha Mortal (Flatliners, 1990) é aquele que tem uma boa fama, mas que, revendo friamente, é superestimado. Construído em cima de um tema mórbido, adentrando o fantástico, é bem lembrado especialmente pelos fãs de terror. Pode ser causa de uma boa execução de um roteiro carente de algo mais que uma boa ideia. Como resultado, deixa uma sensação de insatisfação, como comer algo que prometia sabor e saciedade mas que ainda o deixa com fome.

Um grupo de estudantes de medicina se lança em um desafio proposto por um deles, Nelson Wright (Kiefer Sutherland): explorar, descobrir o que há imediatamente após o falecimento. A experiência consiste em deixar o corpo em um estado de morte por determinado tempo para depois ser ressuscitado e então a cobaia pode descrever o que aconteceu consigo naquele hiato em que esteve tecnicamente morto. 

O grupo é formado por pessoas com personalidades bem distintas. O roteiro abre um certo espaço para definir as características e motivações individuais de cada um. Nelson assume a liderança. Ele é o cara que convence as pessoas a arriscarem as próprias vidas e futuras carreiras. A primeira cena da película sugere que ele possui uma pulsão pela morte, uma tendência suicida cuja origem será esclarecida ao longo da história. 

David Labraccio (Kevin Bacon) é uma espécie de outcast. É o homem de ação do grupo, afeito a decisões enérgicas. Rachel (Julia Roberts) é uma mulher determinada a se destacar em um universo predominantemente masculino e competitivo. Joe (William Baldwin) é uma espécie de protótipo do Dr. Hollywood, narcisista e conquistador. Randy (Oliver Platt) é praticamente um coadjuvante, alguém que participa apenas para se manter entrosado à turma mas tem medo demais para aderir ao experimento. 

As possibilidades filosóficas do tema da exploração da vida após a morte eram enormes. A audiência esperava algo no mínimo à altura de Viagens Alucinantes, mas o roteiro se mostra covarde, entregando um anêmico “sessão da tarde”. A tensão fica por conta das ressuscitações dos personagens, que vão esticando cada vez mais o tempo de suspensão da vida, mas nada de realmente impactante acontece. 

O sobrenatural dá lugar a uma luta psicológica. Dá a entender que as vivências ou sensações do lado de lá não passam de resquícios de alucinações produzidas pela própria mente, que remete a acontecimentos traumáticos do passado de cada um. Nelson, David, Rachel e Joe possuem pecados que marcaram momentos de suas vidas e definiram aspectos de suas personalidades. O problema é que os pecados da maioria não parecem impactantes o bastante para justificarem os pesadelos ou os débitos cármicos. Os da maioria são, digamos, comuns ao ser humano. A exceção é Nelson, cujo trauma envolve a morte de alguém. 

O conceito budista da roda do darma prevê a iluminação como consequência da quebra do ciclo de reencarnações, cujo propósito é o aprimoramento do ser humano exposto a um mundo de sofrimentos. O carma é uma dívida que deve ser paga numa próxima vida, até que o saldo seja zero e o indivíduo se desprenda da roda. Os personagens de Linha Mortal ganham uma forma de, talvez, saldarem suas contas ainda nesta encarnação, ao tomarem ciência de seus erros e poderem, alguns, se redimirem ainda nessa vida. 

Schumacher e sua equipe trabalham muito bem o roteiro que recebem. A ambientação, fotografia, trilha sonora e narrativa favorecem a história, construindo um ambiente tenebroso, com os tons sombrios que faltaram em seus filmes do Batman. Linha Mortal não é um filme definitivamente ruim, mas falta ousadia. Ainda recebeu um remake em 2017, dirigido pelo dinamarquês Niels Arden Oplev, mas há comentários que chega a ser mais insosso que o original. 

Cenas marcantes:

O retorno: Logo após ser ressuscitado, Nelson está eufórico com o sucesso da experiência, mas então começa a ser visitado por assombrações do seu passado. 

Vingança: Nelson fica encurralado dentro do carro de David. Chega o momento de descobrir se o que está vivenciando é real ou apenas fruto de sua mente alterada pelo trauma da linha mortal. 

Exorcismo final: A equipe se junta para tentar trazer de volta Nelson que, em uma tentativa desesperada de enfrentar seu trauma, se lançou novamente no além vida. 

Linha Mortal (Flatliners, 1990)
Direção: Joel Schumacher;
Gênero: drama, terror;
Elenco: Kiefer Sutherland; Julia Roberts; William Baldwin; Kevin Bacon
Duração: 1h55min