A Última Missão – Jack Nicholson em uma de suas melhores interpretações

Um filme em que Nicholson literalmente faz o papel de Popeye e Pato Donald ao mesmo tempo.

Um dos grandes prazeres em assistir a um filme da geração Nova Hollywood é o fator surpresa. Não dá pra saber exatamente o que acontecerá em cada cena, mas se espera qualquer tipo de piração, embora raramente algo exagerado ou tão absurdo que não possa acontecer de verdade. A Última Missão, dirigido por Hal Ashby, com roteiro de Robert Towne adaptando uma obra de Darryl Ponicsan, é uma das mais empoeiradas películas dessa era, considerada por muitos o último grande período do cinema americano.

Em essência, é uma comédia envolvendo militares americanos, mas mais sutil que o M.A.S.H (1970) de Robert Altman. Sua narrativa lembra um pouco a vida. Você vai passando um dia após o outro, se divertindo aqui e ali, guardando alguns momentos legais com amigos e mulheres, mas sabe que o destino final é inescapável e cada dia te deixa mais próximo dele.

No filme, dois marinheiros, Buddusky (Jack Nicholson) e Mulhall (Otis Young) são escalados para levar para a prisão naval de Porstmouth o jovem Meadows (Randy Quaid), condenado em uma corte marcial a uma sentença de 8 anos de prisão além da expulsão. No caminho, os dois parceiros descobrem a injustiça da pena do garoto e resolvem se divertir com ele, o dando bons momentos para se recordar antes de ser trancafiado.

Badass e Mule (apelidos da dupla de escolta) não concordam com a condenação de Meadows, mas tem consciência que nenhum dos dois pode fazer nada, legalmente falando, para ajudar o novo amigo, nem parecem dispostos a se rebelar e sofrerem uma pena severa também. Já Meadows é muito inocente para trair seus novos amigos e pensar em uma fuga, a não ser depois de conhecer uma garota que tenta acertar suas ideias. Pessoas mais comuns que essas, impossível.

A ideia de diversão do grupo é no mínimo insultante para muita gente. Arrumam uma briga gratuita contra fuzileiros dentro de um banheiro público, fazem churrasco na neve, visitam bares e vão a casas de prostituição. Tudo parece um pouco zoado mas ainda assim dentro dos limites da normalidade. A base da marinha lembra um pouco o quartel Swampy do recruta zero, pela aparente desordem nos alojamentos e má vontade dos marinheiros. Quando procurados para se apresentarem, Buddusky e Mulhall não querem de jeito nenhum qualquer tipo de trabalho, ainda que terminem cedendo por si mesmos. Na verdade, vemos marinheiros que falam e agem como marinheiros. Algo que não estamos acostumados na Hollywood civilizada de nossos dias.

Aqui e ali um pouco de crítica social e contra o militarismo se manifestam. Um dos momentos mais hilários do filme é quando o trio ouve um estranho mantra vindo de uma casa e resolver verificar e se deparam com uma espécie de culto. Meadows passa a repetir o mantra em todo lugar e atrai a atenção de uma mulher em um bar, também uma associada ao culto. Os três vão para casa dela com grandes expectativas. O problema é que um grupo de soldados não consegue ser dar bem com um grupo de hippies alternativos que tem posições contrárias à guerra e a política do país. São rebeldes contra conformistas.

Badass tenta cantadas machistas, contando histórias valorizando seu papel como soldado tentando conquistar uma garota hippie interpretada por Nancy Allen, aqui em sua estreia no cinema. Nancy viria a ser uma das divas de Brian De Palma em filmes como Um Tiro Na Noite, Vestida Para Matar e Carrie, a Estranha. Já Mulhall desperta a curiosidade de outro casal, que fica o questionando acerca do tratamento que os negros recebem no exército e sua posição sobre a política do país.

À medida que se aproximam do destino da missão, Buddusky e Mulhall demonstram pequenos sintomas de ataque de consciência, percebendo de certa forma que eles também estão de algum modo em uma prisão pelas regras do exército. Uma prisão da qual não estão dispostos a sair. O dilema é tão cuidadosamente construído que consegue ser passado para o espectador, que sente e compreende os sentimentos da dupla.

O roteiro finalizado continha tanta depravação que a Columbia insistiu por dois anos para que Robert Towne o amenizasse, mas em 1972 a censura meio que já estava relaxada e muita coisa do original terminou ficando. Fuck, por exemplo, é dito 65 vezes. Ainda sobre palavrões, o roteirista travou uma pequena discussão com um engravatado dos estúdios, que teria dito: “Bob, você não acha que vinte ‘motherfuckers’ funcionam melhor que 40?”. Towne respondeu: “Não. É desse jeito que as pessoas falam quando não podem fazer nada. Ficam putas.” No pôster inclusive há uma amostra da linguagem dos personagens.

A Última Missão fracassou nas bilheterias, naturalmente. Uma história sobre um grupo de marinheiros depravados que visualmente pareciam a união perfeita de Popeye com o Pato Donald, com final a lá Nova Hollywood era algo que só poderia habitar nos porões secretos da história do cinema. O pôster do filme, com um Jack Nicholson sem camisa, usando chapéu de marinheiro e fumando um charuto já é um negócio bizarro demais para os padrões americanos de todos os tempos. Há toda uma geração que só conheceu o Nicholson a partir de seu papel de Coringa no primeiro Batman de Tim Burton e ignora seus papéis na década de 1960 e 1970.

Ashby já vinha de um fracasso por Ensina-me a Viver (1971). Mesmo assim, a nova produção concorreu a 3 estatuetas, de Melhor ator, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado.

Richard Linklater anunciou este ano uma sequência para o filme, com Bryan Cranston, Laurence Fishburne e Steve Carell fazendo os papéis principais. Sinceramente, é o tipo de remake que a obra original não merece, muito menos feita por um diretor tão verborrágico e superestimado. Trata-se de um filme extraordinário justamente por ser tão…ordinário.

É isso. Todo mundo sabe das injustiças que acontecem no mundo, na sua cidade, na sua frente, mas ninguém, por uma razão ou outra, quer tomar uma atitude contrária por temer sofrer injustas consequências. Trata-se de uma história demasiada humana, onde os personagens alternam momentos de machismo e extrema compaixão, impotência e revolta, luta e derrota.