A Guerra de Hart: enfrentando o racismo dentro de suas próprias tropas na Segunda Guerra Mundial

Dos tempos em que frequentava locadoras de filmes semanalmente, lembro de alguns títulos que sempre evitava por alguma razão fragilmente subjetiva. Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998), Tigerland - A Caminho da Guerra (Tigerland, 2000) e A Guerra de Hart (Hart’s War, 2002) são alguns que pegava as caixas, lia as sinopses na parte de trás e devolvia às prateleiras. Não tinha exatamente uma preferência por filmes de guerra. 

O do diretor Terrence Malick, lançado em 1998, foi o primeiro que vi posteriormente e o mais impactante dos três. Apenas recentemente conferi os outros dois, que têm em comum a presença de Colin Farrell no elenco. 

A Guerra de Hart se passa na Segunda Guerra Mundial, já prestes a entrar em fase de finalização. O Tenente Thomas Hart (Farrell) é filho de um senador americano e todos atribuem o fato de ter sido mantido distante do fronte de guerra, sendo designado apenas para serviço interno, a essa filiação. Ao se oferecer para conduzir um oficial a uma base próxima, é capturado por soldados alemães e enviado para o Campo Pow, onde outros combatentes americanos são mantidos prisioneiros. 

No local, entre os presos, quem lidera é o Coronel William McNamara (Bruce Willis). Após o que seria apenas uma conversa amistosa com um oficial superior, Hart é enviado para outro barracão sob o argumento que não há mais vagas entre o dos superiores. Quando o seu grupo de soldados recebe mais dois oficiais da aeronáutica, um clima de hostilidade se forma no abrigo simplesmente porque os recém-chegados são negros. 

A insatisfação no ambiente é palpável, criando uma situação que Hart, por não ter o respeito dos demais apesar das divisas, não consegue controlar. Um dos aviadores é acusado de ter roubado uma baioneta, sendo sumariamente fuzilado pelos alemães. O sargento americano, principal suspeito da armação, depois é encontrado morto e então é formada uma corte marcial para julgar o caso. Hart é designado, contra sua vontade, como advogado de defesa de Scott (Terrence Howard), acusado pelo assassinato do sargento motivado por vingança. 

A Guerra de Hart é um filme de guerra que se passa distante dos frontes de combate. Se torna um suspense de tribunal onde o protagonista, um estudante de direito que não combateu, é finalmente exposto ao lado terrível da guerra, ainda que de formas diferentes. 

Torturado quando capturado, recebe desconfiança e hostilidade do seu superior, conhece o racismo dentro do exército, tem sua autoridade de oficial menosprezada e é instrumentalizado pelo diretor do campo de prisioneiros, cuja gentileza é apenas um artifício para humilhar McNamara frente aos seus. 

Hart não consegue determinar quem de fato é seu maior inimigo dentro do sistema em que foi inserido. É chocante como, dentre prisioneiros de guerra, presos em uma mesma situação de vida ou morte, o espectro do racismo ainda se manifesta forte entre os soldados. Nem o estado de guerra consegue alterar o reflexo das relações sociais dos americanos, que persiste até hoje. 

Não há exatamente um senso de camaradagem gratuita dentro da cadeia mesmo naquelas circunstâncias. O sargento que o recebe no barraco e o ajuda a se instalar procura apenas cativar um potencial novo cliente, com o qual poderá barganhar algo no futuro. Hart poderia apenas ficar na dele ante as manifestações racistas dos subalternos, assim como McNamara faz. Isso tornaria a sua situação já difícil entre os seus ao menos mais suportável, mas é então que se manifesta seu caráter, não conseguindo ceder ante uma injustiça que ocorre ao seu redor. 

Como ele vai conseguir se conduzir por entre um labirinto de egos, vontades e irracionalidades da sociedade americana e da guerra é um dos trunfos do filme. A Guerra de Hart consegue sustentar o interesse do espectador que espera, além da revelação sobre quem foi o assassino do sargento, o desenlace do conflito com o Coronel McNamara, que se forma em cima de uma discussão sobre o quanto é válido o sacrifício de um soldado para vencer uma batalha.

O diretor Gregory Hoblit tinha mais experiência com séries e filmes para televisão. Passou para o cinema com o thriller investigativo As Duas Faces de um Crime (Primal Fear, 1996), engrenou com Possuídos (Fallen, 1998) e Alta Frequência (Frequency, 2000), três títulos que, se não foram grandes sucessos, não passaram tão despercebidos quanto este. 

O resultado de A Guerra de Hart nas bilheterias refletiu meu desinteresse na época em que chegou às locadoras. Com um orçamento de 70 milhões, arrecadou menos da metade, mesmo com a presença de Bruce Willis à frente dos pôsteres, ainda que não tivesse o papel principal. 

Cenas marcantes

Um segundo interrogatório: Após ser torturado, Hart é recebido no campo de prisioneiros e é submetido a um novo interrogatório, desta vez por um aparentemente amistoso oficial que avalia suas respostas minuciosamente, apesar de aparentar simpatia. 

Traição e covardia na tropa: Alguém dentre os prisioneiros preparou uma armadilha contra um dos dois oficiais negros do acampamento, que é sumariamente fuzilado. 

Desafio à autoridade: De posse um de caderno de códigos referentes às regras de condução de cortes marciais, Hart consegue desafiar e encurralar o Coronel McNamara durante o julgamento. A manobra agrava o conflito entre ele e o comandante do campo nazista. 

A Guerra de Hart (Hart’s War, 2002)
Diretor: Gregory Hoblit
Gênero: guerra
Elenco: Bruce Willis; Colin Farrell; Terrence Howard
Duração: 2h15min