Hunter Thompson – A grande caçada aos tubarões

Conheci o Thompson por meio de um filme com o Johnny Depp, Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998). A obra era tão fora da curva que, apesar de ter achado uma mistura ininteligível de surrealismo com toques de história americana e algum tipo de filosofia de seita secreta dedicada às drogas era, afinal de tudo, engraçado e visualmente maravilhoso. Algo que só a mente genial do diretor, já falecido, Terry Gilliam poderia conceber.

Alguns anos depois encontrei, quando estandes de livros da L&PM iniciaram um processo de colonização nas bancas de revistas dessa minúscula cidade, o livro Medo e Delírio em Las Vegas, a obra em que o filme se baseou. O livro era tão bom quanto sua parte cinematográfica, mas era uma disputa difícil, um dos raros casos em que a obra derivada consegue até superar a original. O mesmo não aconteceu quando Depp embarcou na adaptação de outro romance do Thompson, Diário de um Jornalista Bêbado, gerando dessa vez um filme totalmente insípido que passou muito longe da energia da fonte original.

Hunter S. Thompson foi um jornalista norte-americano que viveu o auge da contracultura, tempos interessantes para questionar tudo. Seu estilo de escrever recebeu, ou ele mesmo batizou, a alcunha de “gonzo”. Ele não apenas narrava o que estava acontecendo, mas se colocava nas próprias reportagens, se tornando também um agente dos acontecimentos, inserindo suas reflexões e até interferindo no rumo das histórias, muitas vezes até inserindo fatos que nem aconteceram, fruto de imaginação criativa ou delírios provocados pelo uso de todos os tipos de entorpecentes conhecidos pelo homem.

“Em 1953, uma pesquisa antropológica de campo na Bolívia revelou que, em uma província, 979 garrafas eram consumidas para cada homem e mulher adultos, uma média de duas garrafas e meia por dia.

O livro da editora Conrad, A Grande Caçada aos Tubarões: Histórias estranhas de um tempo estranho, é uma coletânea desfigurada de várias de suas reportagens, principalmente dos anos 1960, que ele realizou para revistas e jornais como a Rolling Stone, The New York Times, Scanlan’s Monthly e The National Observer. Trata-se de uma ótima oportunidade para conferir trabalhos menos famosos, de conhecer de fato matérias curtas tecidas por ele em suas andanças pelo mundo.

A cobertura da política norte-americana se revela o artigo mais chato do livro, onde Thompson acompanha parte das audiências que ocorreram após o escândalo de Watergate. O mais interessante da compilação termina sendo a série de artigos e notas pessoais sobre a América Latina para o National Observer. O jornalista passou pelo Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia e Equador, tecendo suas impressões sobre o momento político local e seus habitantes.

No Rio, por exemplo, os congestionamentos de trânsito no começo da noite são tão horríveis que ir do centro até Copacabana — onde “todo mundo” mora — é quase impossível entre as cinco e as oito. Uma das primeiras coisas que um recém-chegado fica sabendo é “se você não conseguir sair do centro até as cinco, pode esquecer. Se prepare para beber sem parar até às oito”. Esse intervalo do dia é chamado de “a hora de beber”.

Thompson é uma metralhadora verborrágica de ótimas sacadas que soam verdadeiras e até ofensivas mas, acima de tudo, hilárias. Há inclusive citação à Ditadura brasileira, quando relata um ataque do Exército a uma boate no Rio de Janeiro onde um soldado e um general haviam sido agredidos. Descreve a difícil vida do motorista carioca no horário de pico, isso ainda na década de 1960, e como seu conterrâneos que vivem na cidade maravilhosa, gente que seria apenas classe média no Estados Unidos, vivem como elite em um país do terceiro mundo com uma infinidade de problemas econômicos e sociais. São observações que cobrem praticamente todos os campos das ciências humanas, indo da antropologia à economia e passando pela psicologia, como quando analisa o motivo dos gringos serem tão odiados na América do Sul.

Em Puerto Estrella, na Colômbia, bebeu com contrabandistas com fama de perigosos. Em Lima, Peru, comentou sobre a morte da democracia e em Cuzco, sobre a triste situação do indígena. Sua passagem pelo Equador foi marcada por atrozes dores de barriga que o acompanharam até a Bolívia que passava por um racionamento de energia.

Outros artigos que fazem o livro valer a pena tratam de analisar a ascensão dos hippies em São Francisco, com o choque cultural e transtornos que isso trouxe aos moradores locais caretas e a mudança na profissão e perfil dos pilotos de testes de aviões experimentais.

Um jornalista que lida com louco fica preso num dilema estranho. A única maneira de escrever honestamente sobre a cena é fazer parte dela. Se existe uma verdade óbvia sobre as drogas psicodélicas é que qualquer um que tentar escrever sobre elas sem uma experiência direta é um tolo e uma fraude.

A história que empresta o título ao livro, Grande Caçada aos Tubarões, tem o mesmo formato de Medo e Delírio em las Vegas, que inclusive teve enxertado um de seus capítulo na publicação, ficando descolado no meio das outras matérias. Thompson é designado para cobrir uma espécie de campeonato de pesca disputado entre grã finos em Cozumel, México, mas ele se sente tão desconectado daquela gente pomposa que na verdade paga seus empregados para pescarem por eles, que se dedica a beber, usar o máximo de drogas que pode e tentar praticar algum vandalismo com o auxílio de um companheiro. A longa sequência final em que os dois tentam deixar o país, dando calote em hotéis e empresas de locação de carros, carregando um estoque de drogas é um dos momentos mais divertidos da “reportagem”.

Por fim, temos uma entrevista que Thompson realizou com Muhammad Ali, após uma histórica derrota. O jornalista conseguiu acesso ao quarto de hotel onde o lutador estava hospedado e, entre cigarros e cerveja, conversou animadamente com Ali, sua esposa e integrantes da equipe. Detalhe que o Campeão não permitia que ninguém fumasse ou bebesse em sua presença. O resultado foi uma entrevista bem sincera, uma conversa que abordou um mito após a queda, mas com intenções de voltar ao auge.

(…) uns 35 branquelos ricos caindo de bêbados, vindos de lugares como Jacksonville e Pompano Beach, cambaleando por um porto mexicano à meia-noite em seus poderosos barcos de 200 mil dólares e amaldiçoando os nativos por não terem providenciado prostitutas adolescentes em número suficiente para combinar com a música mariachi.

A Grande Caçada aos Tubarões: Histórias Estranhas de um Tempo Estranho
Autor: Hunter S. Thompson
Editora: Conrad