Vivarium  –  Uma versão bizarra, cruel e aterrorizante de um sonho

Pássaros cuco remetem um pouco aos contos de fadas suavizados de suas versões originais. A sua primeira lembrança dessa ave provavelmente é a daqueles relógios de parede em formato de casa presentes em desenhos do Pica-Pau ou da Warner, com o pássaro saindo por uma porta para anunciar a hora. Na realidade, o cuco não é tão simpático. É um animal parasita que põe ovos nos ninhos de outras espécies. Quando o filhote do cuco nasce, ele empurra os demais filhotes do ninho para obter alimentação exclusiva. 

Vivarium abre justamente com imagens desse tipo de acontecimento da natureza. São cenas cruas que podem até provocar asco e despertar a sensibilidade de alguns, lembrando como a natureza é violenta e indiferente para com os fracos. 

Na trama, Gemma (Imogen Poots) e Tom (Jesse Eisenberg) formam um jovem casal em busca da casa perfeita. O problema são as limitações financeiras. Ela, professora de jardim da infância, ele, jardineiro. Após o trabalho, resolvem visitar uma espécie de imobiliária operada por um sujeito estranho que os leva para conhecer um novo conjunto habitacional. O local parece uma enorme maquete em 3D, com dezenas de casas exatamente idênticas distribuídas em quadras. Quando estão ainda dentro da residência nº 9, percebem que o agente imobiliário desapareceu. 

Sem nenhuma explicação racional aparente, o casal não consegue encontrar a saída do conjunto, acabando sempre por voltar para a mesma casa. Logo, uma caixa contendo um bebê é deixada em frente à residência. A única informação é uma frase impressa na caixa, que diz que serão liberados caso cuidem da criança. 

O que já seria bizarro alcança outros patamares em uma escala de estranheza e por fim, puro terror. O bebê cresce em poucos meses, se tornando uma criança com comportamento assustador. Fala frases sem sentido, emite gritos agudos quando está com fome e parece debochar e ridicularizar seus “pais”. Nesse ponto, o psicológico do casal está à beira de um colapso e conflitos começam a surgir. 

Vivarium é o tipo de filme que magnetiza a atenção do espectador, que segue aguardando ansiosamente o que acontecerá a seguir, um apetite que aumenta cada vez mais e que o roteiro não se nega a recompensar, pois sempre algo mais bizarro acontece em seguida. A obra é bem sucedida em transferir as emoções dos protagonistas para a audiência, suscitando sentimentos de medo e raiva.

O casal é submetido a uma situação absurda, sem o menor sentido e sem nenhum fiapo de explicação maior que algumas frases curtas escritas em caixas deixadas em frente à sua residência, formando uma tortura sistemática. Tom e Gemma são prisioneiros em um ambiente que lembra uma mistura de tabuleiros de banco imobiliário com céu de cartoon. 

O filme brinca materializando os sonhos e desejos de praticamente todo jovem casal, um bom local para morar e um bebê para consolidar a família, mas os transformando em um pesadelo. Ambos terminam em uma solidão a dois, vivendo uma rotina exasperante pela repetição e falta de perspectiva, prisioneiros de uma criança bizarra que parece os estar manipulando sem a mínima ideia de para qual propósito. Experimento alienígena ou governamental? Céu ou inferno? Portal para outra dimensão? A grande ironia é que o casal que queria apenas um lar para ser feliz, passa todo o filme tentando voltar para casa.

Eisenberg transfere naturalmente um tom cômico à obra ainda que não seja essa a sua intenção. Não fosse sua escalação, talvez predominasse um tom muito mais sombrio. Por vezes a situação vai de curiosa para assustadora rapidamente, seja pelo comportamento da criança ou pelas ações do casal, especialmente de Tom, que parece estar enlouquecendo. 

Vale lembrar como curiosidade que o cuco também já foi usado como elemento de terror no anime Gantz, onde uma espécie de cucos alienígenas vive disfarçada entre a humanidade. 

Vivarium não é o tipo de obra que encontra aceitação fácil. As situações apresentadas variam entre o nonsense e o bizarro, entre o assustador e o fascinante. Em dado momento, um sentimento triste, depressivo, parece envolver a película. O certo é que, apesar do conceito da trama, em nenhum momento o filme se torna entediante. 

Cenas Marcantes:

01. Porque a natureza é assim: Uma das alunas de Gemma encontra um filhote de pássaro morto no chão. Ela questiona quem teria empurrado ele do ninho. “Talvez um cuco”, a professora responde.
02. O voyeur: Escondida, a criança observa o casal de pais adotivos fazendo sexo. 
03. Reggae do desespero: O que parece um momento feliz em família, dançando em frente ao carro sem combustível, revela o grau de desgaste psicológico do casal.
04. Eu não sou sua mãe: Gemma tenta obter informações da criança, que revela parte de sua natureza, a deixando chocada.

Vivarium (2019)
Gênero: Horror; Ficção científica
Diretor: Lorcan Finnegan
Elenco: Imogen Poots; Jesse Eisenberg
Duração: 1h37min