O Bar Luva Dourada – Um dos mais repulsivos retratos de um serial killer no cinema

Psicopatas já foram retratados no cinema sob vários tons e encarnações, desde canibais educados como o ficcional Hannibal Lecter a assassinos reais como o Filho de Sam. Ano passado tivemos o excelente Ted Bundy: A face do mal, que apresentou um serial killer diferente dos padrões. A produção suscitou, mais uma vez, discussões sobre a glamorização desse tipo de criminoso. Bundy é interpretado por um ator galã, Zac Efron, em uma história com tons cômicos que evita qualquer cena de violência gráfica. O Bar Luva Dourada, produção alemã do mesmo ano, adota uma perspectiva totalmente oposta. Temos também a história real de um assassino de mulheres, mas um monstro bem alinhando à figura clássica do assassino em série, alguém cujo exterior reflete o interior, em uma produção que não se detém em mostrar todas as minúcias dos homicídios. Curiosamente, o ator que interpreta o protagonista é um jovem galã do cinema germânico, mas transformado em uma espécie de ogro com o auxílio de próteses e maquiagem.

Na Hamburgo da década de 1970, Alemanha, Fritz Honka (Jonas Dassler) trabalha como servente em uma espécie de metalúrgica. À noite, passa o tempo no Bar Luva Dourada do título, um botequim localizado no distrito da luz vermelha, frequentado pelos tipos mais decadentes da sociedade alemã da época. Homens e mulheres que parecem ter perdido qualquer sentido em suas vidas e se dedicam a se entorpecer com álcool o máximo de tempo possível. É nesse ambiente em que Honka convence mulheres a o acompanharem até sua casa com a promessa de mais bebida grátis. Sua aparência, com um desvio em um dos olhos, dentes podres e corcunda, o fazia ser rejeitado por 99% das mulheres do local. Apenas as que ficavam até o fim da noite, às vezes ex-prostitutas, senhoras beirando a terceira idade, entorpecidas e também rejeitadas por todos, o acompanhavam.

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O filme é um mergulho no dia a dia de um homem totalmente desequilibrado, cujos impulsos homicidas eram amplificados pelo álcool e pela impotência sexual. Ao não conseguir uma ereção, Honka descontava a frustração assassinando a mulher, o que resultava em um corpo a ser desmembrado e desovado em algum terreno baldio.

Fritz se encaixa perfeitamente no perfil de um serial killer desenhado pela mítica equipe de Mindhunters do FBI, como apresentado na série de David Fincher. Vindo de uma família totalmente desestruturada, é um homem jovem, fisicamente pouco atraente, inábil socialmente que abusa do consumo de álcool e vive pulando em subempregos. Desconta a impotência sexual por meio da violência extrema, agredindo e matando as senhoras que consegue levar ao seu apartamento, um fétido e minúsculo sótão de um prédio, com parte das paredes decoradas com fotos de mulheres nuas e armários repletos de garrafas de bebidas. Em um esconderijo, guarda pedaços de corpos, talvez como uma espécie de lembrança.

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O Bar do título é bastante representado no longa, seu ambiente e seus frequentadores. Decididamente os tipos que frequentam o local são ainda mais horripilantes e potencialmente perigosos que os clientes do Bar Magumba, do clássico Apertem Os Cintos, O Piloto Sumiu. Não há nenhuma tentativa de suavizar a sujeira e decadência dos ambientes e dos personagens, ou ainda os acontecimentos chocantes, como seria típico em uma produção hollywoodiana. Pelo contrário, a película lança luz a toda imundície e degradação possíveis e isso quer dizer sangue e fezes. Há cenas de nudez explícita e violência crua contra mulheres, incluindo espancamentos, abuso sexual e uma longa sequência de luta culminando em mais um assassinato. É uma produção chocante, feita para poucos. A intenção não é glamourizar a figura do serial killer, mas apresentar o quão degradante e chocante são seus atos e sua vida.

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Provocar asco, repulsa e revolta, aliás, deveria ser o objetivo natural de qualquer produção do gênero, apesar de que habilidade para despertar esse quadro de sensações e sentimentos sem cair na escatologia sensacionalista e vazia não é uma missão para os sem talento, o que não é o caso de Fatih Akin. O diretor adaptou o filme do livro de mesmo título de Heinz Strunk, publicado em 2016. O livro de Strunk é um romance baseado em fatos reais, sobre a vida de Honka, acusado e condenado formalmente pelo assassinato de quatro mulheres.         

Quase todo o tempo acompanhamos a vida de Honka na tela, mas há uma dupla de coadjuvantes formada por um casal de estudantes do colegial cuja trajetória parece os colocar em direção ao protagonista assassino. A “white girl problem” Petra (Greta Sophie Schmidt) e Willi (Tristan Gobel), um projeto de CDF que quer parecer descolado convidando a garota mais bonita da escola para conhecer o Bar Luva Dourada jurando que só tem gente legal no lugar! Ao tentar puxar um papo camarada com SS Nobert (Dirk Böhling) no banheiro, o garoto provavelmente conseguiu um trauma que o vai assombrar pelo resto da vida. Talvez a única cena engraçada e triste ao mesmo tempo nesta propositadamente repelente, porém hipnótica produção.

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O Bar Luva Dourada (Der goldene Handschuh, 2019)
Diretor: Fatih Akin
Gênero: Suspense/Drama
Elenco: Jonas Dassler, Margarete Tiesel, Adam Bousdoukos
Duração: 1h55min