Lords of Chaos – A funesta origem do Black Metal Norueguês rendeu um filme divertido e depravado

O Heavy Metal é rico em lendas, mitos, fatos, exageros e mentiras. Tudo isso junto pode ser encontrado nas origens do Black Metal Norueguês, uma vertente da música extrema que ficou famosa por sua agressividade lírica ligada a uma ideologia beligerante marcada na história por uma série de crimes. Imagine que, em uma terra considerada perfeita, uma das famosas democracias socialistas europeias, nasceu um grupo de fanáticos inconformados que se denominava Inner Circle e descambou a queimar igrejas e derramar sangue.

Lords Of Chaos é inspirado na história de como dois músicos desse grupo, justamente os líderes, entraram em uma espiral de auto ilusão, delírio e beligerância que acabou na morte de um deles. Em 1993, Euronymous, guitarrista e líder do Mayhem, foi assassinado barbaramente por Kristian ‘Varg’ Vikernes, do Burzum.         

O filme é narrado pelo Øystein Aarseth, conhecido também como Euronymous, interpretado por Rory Culkin, irmão daquele que a família esqueceu em casa no Natal por duas vezes. Øystein é apresentado como o típico jovem headbanger no auge de sua paixão pelo heavy metal, passando os dias bebendo, ouvindo música com os amigos e sonhando em se tornar um músico famoso. Terminado a escola, os pais financiam uma loja de discos para ele, onde no subterrâneo do lugar nasce o Inner Circle, uma espécie de clube para os “verdadeiros fãs do metal”.

Ao apresentar o dia a dia dos personagens, o filme involuntariamente assume ares cômicos. Os fãs de metal são apresentados como solitários e revoltados sem causa, garotos embriagados por riffs e álcool que gritam Satanás para assustar velhinhas e impressionar a sociedade que desprezam por desprezar. Nessa primeira fase, com o Mayhem ainda em gestação, surge o vocalista sueco Pelle ‘Dead’ Ohlin (Jack Kilmer), uma espécie de autista depressivo que venerava a morte. Dead dormia em um caixão, enterrava suas roupas, matava gatos e se mutilava nas apresentações, tudo para se sentir mais próximo da morte. Quando ele finalmente estourou a própria cabeça com uma arma, Euronymous aproveitou para tirar fotos para promover sua banda, usando a imagem do integrante arrebentado na capa de um EP da banda.

O caráter caricato e cômico dos personagens entra em pausa quando a violência se apresenta, não contra eles mesmos, como no caso de Dead, que comete suicídio e ainda é usado como garoto propaganda da música mais extrema do mundo, mas quando é voltada para terceiros. O bárbaro assassinato de um homossexual por um dos membros do grupo prepara a audiência para o que virá pela frente. Matar uma pessoa é mais difícil do que Hollywood faz aparentar. A cena é construída mostrando toda essa dificuldade, a hesitação do assassino ao desferir os golpes e a luta e angústia da vítima. Se alguém já teve a infelicidade de assistir a algum vídeo passado via whatsapp de assassinato em presídio vai entender.

Øystein possui uma personalidade manipuladora, é alguém que percebe o vazio dos discursos e das mentes ao seu redor para, através de sua pose, arregimentar não amigos, mas seguidores. Por instinto, ele sabe aplicar muito bem golpes psicológicos para dominar os garotos inseguros, os antissociais que buscam um grupo de semelhantes. É assim que Kristian ‘Varg’ Vikernes (Emory Cohen) é atraído para ele.

Tanto Euronymous quanto Varg são construídos como jovens inseguros. Os músicos são garotos que vivem com os pais em um dos países com melhor qualidade de vida do mundo, mas que optam pela revolta vazia, embarcando em ideologias furadas que se sobrepõem à música. Até hoje o Black Metal é mais marcado pela ideologia que pela música.

O filme consegue construir muito bem aquela realidade tribal, não a dos fãs de heavy metal extremo, mas a dos fãs extremos do heavy metal. Tem gente que vive dentro de uma fantasia e quando são confrontados a viver de verdade essa fantasia têm duas escolhas: encarar a realidade, que é o que o líder do Mayhem finalmente faz, ou parece se direcionar a fazer, ou se aprofundar ainda mais na ilusão de poder, que é por onde o líder do Burzum segue, impulsionado por inveja, raiva e sede de poder.

Até em cenas pesadas, como a do ápice, o assassinato de Euronymous, abre-se espaço para a comicidade. Enquanto o ex-amigo sangra em desespero, Varg prepara um copo de achocolatado na cozinha. Isso não diminui o impacto da cena. A câmera não desvia em nenhum momento. A morte é lenta, agonizante, talvez caricata além da conta, mas mostra novamente que matar alguém não é tão simples se você não é um açougueiro profissional ou um militar treinado pelo Coronel Trautman. Até cortar o pescoço de uma galinha é complicado. Corre-se o risco de ela sair correndo sangrando por todo o lugar.

Por algumas críticas que têm surgido, parece que o filme não está sendo bem recebido justamente pelo público que é representado na tela. Lords Of Chaos não é um filme para os fãs de heavy metal em nenhuma de suas entrâncias, muito menos um documentário, mas um filme apenas, e é assim que deve ser assistido. Ele representa os headbangers como criaturas caricatas, no máximo como uma molecada imatura que só quer ser reconhecida, beber, ter amigos e transar. Os protagonistas da história parecem uns bobões, mas bobões existem de verdade em qualquer meio. Na cena da música pesada, seja qual vertente for, não é diferente, vide o comportamento dos fanáticos pelo Manowar (e do próprio Manowar).

No meio da música pesada se pode encontrar todo tipo de grupos e o radicalismo faz parte de sua história, vide a disputa entre os músicos e fãs de hard rock de Los Angeles contra os do thrash metal de San Francisco, ou ainda os confrontos entre punks e headbangers em São Paulo. O filme denigre demais a imagem dos camisas pretas, mas é um recorte realístico de grupos que agem mesmo daquela forma. Alguns se corrigem com a idade, que faz emergir naturalmente a maturidade. Outros apenas crescem e continuam sendo obtusos, odiando o cristianismo, falando em satanismo e ocultismo, decretando morte aos posers, apontando o dedo para a camisa de algum novato na área e questionando se ele curte mesmo aquela banda que está vestindo, exigindo algum tipo de prova para fazer parte da cena.

Outras críticas são referentes às incoerências com a realidade dos acontecimentos. Isso é absolutamente normal em adaptações cinematográficas baseadas em fatos reais.  Aconteceu recentemente com o vencedor do Oscar de Melhor Filme, Green Book (2018), aconteceu com Bohemian Rhapsody (2018) e com O Destino de Uma Nação (Darkest Hour, 2017). Todos estes traziam adaptações e cenas que jamais aconteceram realmente ou que não aconteceram da forma exata como foi retratado na tela. Baseado no livro Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Metal Underground, escrito por Didrik Soderlind e Michael Moynihan, o próprio filme alerta ser construído em verdades e mentiras.

A personagem da fotógrafa que se torna namorada de Euronymous, Ann-Marit (Sky Ferreira), por exemplo, aparentemente não existiu, mas ela cumpre uma função importante no longa. Ela é a voz da razão, a primeira a perceber que todo aquele papo é ilusão e que Euronymous é apenas um fanfarrão. Ela termina funcionando como uma linha, uma corda que o resgata, o fazendo encarar o mundo real e se dedicar mais seriamente à sua música. Euronymous (Mayhen) sai da ilusão. Ele finamente percebe e confessa que a música é mais importante que a ideologia, que se trata apenas de marketing. Varg (burzum) demonstra ter problemas mais graves em seu interior. Torna-se mais radical, não consegue se desvincular da imagem que criou para si.

O diretor sueco Jonas Åkerlund é basicamente um veterano dos vídeos clipes, portanto o meio da música pesada não lhe é estranho, tendo sido inclusive baterista da banda Bathory entre 1983 e 1984. Tendo vivência no universo da música extrema, Åkerlund soube retratar perfeitamente um ambiente de intolerância e aparência, construir e conduzir uma história que parece perfeitamente factível para qualquer pessoa, misturando diversão e depravação, humor e violência extrema. Logo em seguido a Lords of Chaos, fez para a Netflix o filme de ação Polar (2019), estrelado por Mads Mikkelsen, um trabalho tecnicamente competente, mas com roteiro raso e estética de Power Rangers.  

Por trás de uma imagem satânica como a da banda Slayer, pode existir um católico fiel como Tom Araya. Fica a lição máxima do filme: curta a música e não seja babaca.

Lords Of Chaos (2018)
Diretor: Jonas Åkerlund
Gênero: Drama
Elenco: Rory Culkin; Emory Cohen; Jack Kilmer
Duração: 1h58min