Sobrenatural – Ainda na estrada após todos esses anos

Arquivo X foi um fenômeno de audiência no seu tempo, sendo encerrado em 2002 após 11 temporadas. O mundo parecia precisar de outra série de televisão que mostrasse agentes do FBI investigando casos insólitos. Eis que, em 2005, estreia Sobrenatural. Na trama, dois irmãos cruzam os Estados Unidos em um Ford Impala preto, caçando e acabando com fantasmas, vampiros, monstros, mutantes, lobisomens, demônios ou qualquer tipo de fenômeno inexplicável. Salvando pessoas, caçando coisas, o negócio da família. Vez em sempre, a dupla se apresenta vestindo ternos e mostrando identidades do FBI, tal Mulder e Scully.

Por trás da simplicidade aparente da proposta, havia um fio condutor ligando todos os episódios, uma trama-mestre obscura que levaria à finalização do conceito delineado por Erik Kripke, o criador da série. Mas, o que seriam apenas duas temporadas se transformaram em cinco. Agora, a CW já confirmou a 14ª temporada, e muita gente já vêm se perguntando há anos como pode ser possível duas sagas televisivas tão longas como as de Sam e Dean e a da Dra. Meredith Grey. Para essa última, a medicina ainda não encontrou resposta.

O grande objetivo da família Winchester seria encontrar e destruir o demônio dos olhos amarelos. Uma simples história de vingança contra a criatura que destruiu a família. Logo que a missão foi cumprida, surgiu outra adversária, a demônio Lilith, que levou finalmente à revelação da trama principal da série. A história evolui de uma simples vendeta a uma missão que salvará toda a humanidade da destruição, com os irmãos lutando contra o próprio Lúcifer. E aí, fim.

Kripke planejou que Sobrenatural seria encerrado em sua quinta temporada, onde toda a trama planejada desde o piloto seria concluída. “Francamente, nunca esperei que chegasse a cinco anos. Mas agora que estamos no nosso quinto ano, tenho a intenção de terminar a história e não a levar para outra direção ou diluí-la”, o diretor criativo declarou na época para o Entertainment Weekly.

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Ademais, o que poderia ser mais ameaçador do que impedir o apocalipse trazido pelo próprio Satã? Um pensamento limitado. Dizem algumas lendas que, quando o anjo Lúcifer caiu no Inferno, outros já estavam lá. Criaturas mais antigas e perigosas, como os leviatãs. Assim, movido por uma base de fãs ansiosos por mais, o Impala continuaria na estrada, com seus ocupantes manipulados não por anjos ou demônios, mas por executivos gananciosos, roteiristas criativos, público sedento por mais sangue e dois atores, Jared Padalecki e Jensen Ackles, que toparam correr o risco de não conseguirem nunca mais se dissociarem de seus papéis.

Muitos acusam Sobrenatural de ter se tornado repetitiva, sem relevância e com roteiro barato. Sam e Dean se alternando em falecimentos e ressuscitações protelatórias em histórias sem nenhuma novidade. O Impala dando voltas em círculo como os papos depressivos sobre o quanto aquela vida era ruim ao final de cada episódio.

Provavelmente esses detratores pararam de ver a série por outras razões, em especial, a de terem amadurecido o suficiente para não mais se encaixarem na faixa etária a que se destina o programa. Algo semelhante ao que acontece com gente que passa a se envergonhar de ter curtido heavy metal em sua adolescência, dando sorrisos constrangidos sempre que alguém menciona seu antigo visual ou codinome na galera, tipo Igor Skullcrusher.

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Apesar de ser uma série com ar teen, Sobrenatural por vezes assume uma violência gráfica que consegue ir bem além do Universo Cinematográfico Marvel, por exemplo. A maioria de seus episódios seguem um fórmula fixa estilo “o monstro da semana”, onde Sam e Dean chegam em uma nova cidade para investigar mortes misteriosas, se relacionam com alguns habitantes locais, acham que desvendaram tudo para, logo em seguida, serem pegos de surpresa, mas ao final tudo é resolvido e pegam novamente a estrada. Na semana seguinte, tudo se repete.  Porém, alguns episódios conseguem subverter completamente esse padrão, criando histórias inusitadas seja em estilo narrativo ou trazendo elementos novos para a trama.

287 episódios e contando. Eis alguns pontos que podem explicar a renovação de Sobrenatural para sua décima quarta temporada:

Gênero: Sobrenatural é uma série de nicho. O público que curte o gênero de terror é até certo ponto fiel. Também é um gênero que costuma atrair novos adeptos, assim conseguindo renovar sua base de fãs. Mesmo que os veteranos se cansem, uma nova base de fãs se forma e continua apoiando a base da pirâmide. Também é um tipo de “road movie”, um subgênero que atrai um tipo específico de público afeiçoado a coisas como pessoas estripadas e maníacos assassinos de beira de estrada.

Mortes definitivas: Apesar das idas e vindas para o além dos dois protagonistas, a série conseguiu descartar definitivamente personagens populares e que tiveram importância na história: A caçadora de fortuna Bela Talbot (Lauren Cohan), que aliás teve um dos fins mais sinistros de toda a séria, a demônio Meg (interpretada em dois momentos, por Rachel Mind e Nicki Aycox), o John Winchester (hoje o bastante famoso Jeffrey Dean Morgan), o ajudante/tio Bobby (Jim Beaver), e a caçadora Jo Harvelle (Alona Tal), explodida sem piedade.

Novos coadjuvantes: Os roteiristas conseguiram inserir com sucesso novos personagens coadjuvantes cativantes, sejam aliados ou inimigos. Mesmo após o fim da “saga principal” tivemos o caçador Garth (DJ Qualls), um cara que lembra o Salsicha de Scooby Doo, a Charlie Bradbury (Felicia Day), uma hacker ruiva, lésbica e nerd, Crowley (Mark Shepard), o Rei do Inferno, um Lex Luthor do reino dos condenados, com mais cabelo e melhor humor, e Kevin (Osric Chau), um profeta que a contragosto termina se unindo ao time.

Rock e horror: Quem comanda que tipo de música rola no carro é o motorista. E quem dirige o Impala é Dean Winchester, um cara apaixonado por rock clássico e heavy metal. Muita gente que acompanhou a série ficou fã de AC/DC (ao menos de uma música) e Kansas. Durante um bom tempo Thunderstruck e Carry On My Wayward Son foram temas de encerramento e abertura das temporadas.

Os produtores sempre conseguem encaixar uma música ou outra em momentos marcantes, como o início da sexta temporada com Beautiful Loser do Bob Seger acompanhando a vida normal de Dean, ou ainda ele dirigindo em direção a uma morte terrível cantando Wanted Dead or Alive do Bon Jovi, no último episódio da terceira temporada. Boa música decididamente colabora para cativar novos fãs.

Criando o novo sem modificar os cânones: Os roteiristas conseguiram cavar mais ainda na mitologia da família winchester sem recorrer a recursos fáceis e preguiçosos, como apagar, ignorar ou subverter o que já havia sido definido anteriormente. Um dos melhores capítulos da toda a franquia foi a da revelação da existência dos Homens de Letras, uma sociedade de magos que protegiam a humanidade, cujo avô de Sam e Dean, o pai do John Winchester, fazia parte. O episódio ainda trouxe uma nova vilã de impacto, a estonteante Abadon.

Desenvolvimento contínuo dos personagens: Ao acompanhar as temporadas, pode-se perceber a escalada da instabilidade emocional dos protagonistas, cada vez mais violentos e imprevisíveis, tomando atitudes capazes de surpreender o mais fiel dos fãs. Não dá pra confiar cegamente no próximo passo de nenhum dos irmãos Winchester, e isso leva a situações bem interessantes, afastando a simples dualidade entre o bem e o mal, dando espaço a uma área bem cinzenta.

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