No fictício Distrito de Farmington em Los Angeles, há uma delegacia de polícia conhecida como “O Celeiro”. A DP, uma igreja reformada, é uma espécie de fazenda de animais onde aqueles que não são predadores são presas. Os criminosos são literalmente mantidos em uma jaula no centro da delegacia. Qualquer policial que demonstre qualquer tipo de fraqueza é exposto e ridicularizado pelos demais.
The Shield foi concebida por Shawn Ryan, um cara que havia passado um ano escrevendo roteiros para Angel, uma série juvenil derivada de Buffy – A Caça-Vampiros. Ele se inspirou no escândalo de corrupção de uma unidade policial chamada CRASH, especificamente criada para combater gangues em Los Angeles. Ao final da investigação, estimava-se que cerca de 90% da equipe estava envolvida ou, no mínimo, sabia do que ocorria.
Ao escrever o piloto, Ryan não acreditava que receberia sinal verde para a produção. Quando foi ao ar, duvidava que o piloto se tornaria uma série, mas era o momento certo para esse tipo de ousadia televisiva. A FX estava procurando um produto assim para competir com a HBO, que lançava, praticamente ao mesmo tempo, The Wire.
Os dois programas chegaram até a instigar uma rivalidade entre os públicos. Quem curtia The Shield acusava The Wire de ser muito lenta, parada demais. Quem curtia The Wire apontava que The Shield era pouco realista, porém, o realismo era algo que a série procurava apresentar visualmente.
As cenas eram filmadas em um estilo espontâneo, com câmera na mão e steadycam, gravadas em super 16. No início, isso pode causar um desconforto no espectador, mas logo ele se envolve e mergulha no universo caótico do programa.
The Shield é uma série policial diferenciada por vários fatores e características. No episódio piloto, o protagonista Vic Mackey (Michael Chiklis) comete friamente um assassinato contra um colega policial, um novato que entrou em sua equipe com o objetivo de espioná-los. O que mais o espectador pode esperar de um programa que começa dessa maneira? Bem-vindo ao inferno.
A princípio, os episódios são divididos em três blocos narrativos, cujas histórias se alternam na tela e se cruzam ocasionalmente. Acompanhamos os policiais de uniforme que patrulham as ruas, a dupla formada pela veterana Dani (Catherine Dent) e pelo novato Julien (Michael Jace); vemos as investigações da dupla de detetives encarregados de casos de homicídio, composta por Dutch (Jay Karnes) e Claudette (CCH Pounder); e, finalmente, acompanhamos a Equipe de Ataque, uma unidade criada para combater as gangues de rua. Ronnie (David Rees Snell), Shane (Walton Goggins) e Lemanski (Kenny Johnson) são liderados por Mackey.
Todos os personagens possuem um lado obscuro que surge em determinados momentos, em maior ou menor grau, mas a Equipe de Ataque é diferenciada por ser composta por agentes indiscutivelmente corruptos. Mackey e sua turma se aproveitam das brechas no sistema e da dinâmica das ruas para agirem de forma independente, transgredindo a lei sempre que necessário. Eles fazem acordos de proteção para manter o equilíbrio entre as gangues e evitar guerras entre elas. Recebem propinas, armam flagrantes e organizam seus próprios golpes, interceptando dinheiro e drogas de quadrilhas.
As atividades do grupo naturalmente levantam suspeitas dos superiores. David Aceveda (Benito Martinez), capitão de polícia do Celeiro, passa três temporadas tentando flagrar Vic e seu grupo em algum ato ilegal. O problema é que Mackey, além de ser muito esperto, é essencial para o distrito policial manter os índices de criminalidade sob controle. Aceveda tem pretensões políticas e, frequentemente, depende das ações afirmativas da Equipe de Ataque para se justificar perante seus superiores, mantendo-se no cargo e abrindo caminho para a Câmara Municipal.
The Shield retrata os aspectos mais assustadores da profissão policial. Ser um policial nas ruas de Los Angeles é uma atividade de alto risco, lidando com o imprevisível, com o pior que a sociedade pode oferecer e em péssimas condições de trabalho. O Celeiro é mostrado como uma repartição caindo aos pedaços, onde nem mesmo o banheiro funciona corretamente. As instalações são inadequadas, os recursos são escassos e o número de policiais é insuficiente para atender às demandas da comunidade.
Há conflitos constantes entre os próprios policiais devido às suas filosofias de vida em vários níveis. Julien é homossexual, mas luta para reprimir seus impulsos, recorrendo à igreja. Dutch é um ótimo detetive, mas sua vida pessoal é um fracasso, o que o torna alvo de brincadeiras cruéis dos colegas. Aceveda deixa transparecer que se importa com a corrupção dentro de sua delegacia apenas pela oportunidade de se projetar como político. Dani luta para se impor em um ambiente dominado por homens.
Vic Mackey vive entre a vida e a morte em muitos sentidos. Ele entende que um policial vale muito pouco para a sociedade e que precisa cuidar de si mesmo, dos colegas da equipe e da família, que inclui dois filhos autistas. Parece compreender que, agindo da maneira que age, sua queda é iminente, mas assume um comportamento de apostador habilidoso demais para deixar de usar seus recursos. Sua energia, sagacidade e capacidade de reverter situações ruins se tornam alguns dos motivos pelos quais o espectador torce pelo seu sucesso, apesar de tê-lo visto como um assassino frio no episódio piloto.
Quando o sistema tenta se purificar, o remédio parece ser pior que o veneno. O Tenente Kavanaugh (Forrest Whitaker), enviado pela corregedoria, transforma a vida de Mackey, sua equipe, seus familiares e todo o distrito em um inferno, especialmente na quinta temporada, a qual considero o auge da série. As manipulações do corregedor vão se intensificando a ponto de ele agir da mesma forma que seus alvos, abandonando completamente uma conduta correta. Foi nesse momento que os produtores não tiveram dúvida que o público apoiava Mackey.
Desde o início, é possível perceber que os pontos fracos da Equipe de Ataque, especialmente de Mackey, são seu melhor amigo e sua esposa. Shane Vandrel se mostra emocionalmente desequilibrado, imprudente, impulsivo e pouco inteligente. Quando ele se afasta de seu mentor, cria problemas que inevitavelmente levam à queda de todos. Assim como um mafioso tradicional, que resolve lidar com suas fraquezas na forma de seu sobrinho para garantir sua própria sobrevivência, Mackey também tem a mesma leitura, mas há um resquício de consciência nele que o impede de agir e evitar o desastre.
Uma corrente é forte de acordo com a força de seus elos individuais. Se um deles é fraco, a corrente se rompe naquele ponto. Essa é a lei das organizações criminosas. É do ponto fraco que vem o erro, a traição. Assim como para um mafioso tradicional, a família é sagrada para Vic, e ele fará de tudo para mantê-la protegida, mesmo que o sacrifício seja considerado alto demais.
Embora o protagonista seja apresentado como um dos tipos mais repulsivos de criminosos, um policial corrupto e assassino de policiais, a série vai destacando suas qualidades. Vic se mostra um homem compassivo em vários momentos e até um policial confiável em várias oportunidades. Ele é alguém capaz de estender a mão para amigos, parceiros e familiares, o tipo de pessoa para quem outros recorrem quando o problema é complexo demais.
O espectador nunca tem certeza exata do que se passa na mente do protagonista, mas ao longo das temporadas, Mackey parece demonstrar arrependimento por meio de suas palavras e ações. Em determinado momento, ele mostra disposição para continuar como policial com o propósito de honrar sua missão. Quando ele se envolve em uma investigação contra uma operação do cartel mexicano que envolve um plano de infiltração imobiliária na cidade, parece estar disposto a fazer o que é correto, a servir e proteger a comunidade onde vive.
No entanto, ao longo do caminho, as circunstâncias o levam, mais uma vez, a se desviar do caminho certo. A lição que resta é que, não importa o grau de relacionamento, o sangue sempre falará mais alto do que qualquer outra conexão. O episódio final da temporada é arrepiante e marca definitivamente The Shield como uma das grandes séries da história da televisão, onde até mesmo o espectador perde um pouco de sua alma ao acompanhá-la até o fim.