Séries de televisão eram um tipo de entretenimento repetitivo de produção barata. Mesmo assim, quando emplacavam se tornavam uma fonte absurda e longeva de renda com pacotes de episódios anuais cujos episódios se atinham a uma estrutura engessada.
O formato começou a ser revolucionado através de emissoras fechadas, tendo a HBO protagonismo na iniciativa. Séries com The Wire, Oz, Família Soprano, The Shield, Breaking Bad e Mad Men entraram para a história do entretenimento apresentando enredos refinados e protagonistas diferenciados. Em dado momento, parece que toda a criatividade fluiu para os sinais de televisão, fugindo das telas de cinema, mídia que fica de tempos em tempos perdida tentando uma nova sincronia com o público. Esse processo de ascensão das grandes produções televisivas está bem descrito no livro Homens Difíceis do Brett Martim.
Se antes uma série policial tinha muita ‘investigação’ incluindo longas sequências de papo furado mas pouquíssima ação graças principalmente às restrições orçamentárias que incluíam de elenco a sala de roteiristas, as tramas passaram a se tornar inovadoras, lidando com personagens complexos e multidimensionais.
O problema é que, às vezes, pode ser cansativo acompanhar uma série cujos capítulos formam uma sequência ininterrupta de uma história única com duração de cerca de 12 horas por temporada. Achei que Justified ofereceria uma espécie de modernização dos antigos programas semanais com episódios fechados.
A série da FX é protagonizada por Raylan Givens (Timothy Olyphant), um Delegado Federal que, após matar um criminoso em uma espécie de duelo, como punição é transferido para o interior do Kentucky, local onde nasceu, cresceu e jurou jamais retornar.
Um Delegado Federal, ou U.S. Marshal, tal qual o filme sequência de O Fugitivo estrelado por Tommy Lee Jones, é um tipo de policial que persegue criminosos foragidos ligados a crimes federais.
O título Justified é uma referência aos duelos do velho oeste, onde quando alguém atirava e matava outra pessoa também armada, em uma disputa leal (ou não muito), estaria isento de qualquer penalidade. Raylan se apresenta como um homem daquela era. É cavalheiro, usa chapéu de caubói e adora desafiar os oponentes para uma justa, onde ganha quem sacar e atirar primeiro no alvo. É um protagonista carismático apresentando ideais do passado.
Os primeiros episódios apresentam histórias contidas, onde ele cumpre missões específicas. O diferencial é a dinâmica e formato das aventuras. Há bastante ação, situações inusitadas e truques para enganar o Delegado e, claro, o espectador. Você torce pelo próximo duelo.
Ainda no decorrer da primeira temporada, a estrutura começa a mudar sutilmente. Personagens que se apresentaram de uma forma se desenvolvem e tomam caminhos por vezes incompreensíveis e os bandidos recorrentes começam e tomar tanto espaço na tela quanto o protagonista do programa.
Raylan se apresentou implacável, mas justo e cavalheiresco. Porém, essas características parecem, de certa forma, diluir seu heroísmo. Em mais de uma ocasião, apanhou feio em brigas, em algumas vezes porque o álcool também interferiu em suas ações erráticas graças a decepções sentimentais.
No amor, sofre pela ex-esposa, Winona (Natalie Zea), que parece o manipular seguidamente. Agora casada com outro homem, volta a se relacionar com o marido que abandonou, ao que tudo indica, por conta de uma mistura entre o risco de estar com um policial com sua limitação financeira. Tanto que ela rouba dinheiro apreendido pensando em não perder o casarão para as dívidas contraídas pelo atual esposo, o que leva Raylan a também cometer crimes e se queimar com seu chefe.
Boyd Crowder (Walton Goggins), é o amigo de infância, adolescência e início da vida adulta que incorreu na carreira de criminoso, como parece ser o mais comum na região. O desenvolvimento do personagem nas três primeiras temporadas não faz o mínimo sentido. Primeiro é apresentado como um fanático nazista que explode pessoas com bazuca. Após ser preso, se metamorfoseia em um lunático pregador religioso arrependido de uma vida violenta até que, após mais um surto de violência, resolve finalmente se tornar um trabalhador comum. Chega até a enfrentar uma quadrilha que planejou roubar a mineradora onde voltou a trabalhar, mas então reúne uma nova gangue e retorna de vez para o crime formando então uma das maiores organizações criminosas da região.
Crowder aparece em quase todos os episódios da série. O problema é que não é um personagem carismático como o Raylan e a amizade pretérita dos dois não parece mais fazer o mínimo sentido, principalmente com o que aconteceu ao final do episódio piloto.
Ava Crowder (Joelle Carter) entra em Justified como uma mulher que sofria violência do marido até o dia em que o matou com um tiro de calibre 12. Assim que vê Raylan, se insinua para ele, insistindo até conseguir iniciar um romance com o Delegado. Seu marido era o irmão de Boyd que, claro, a procura para a estuprar e se vingar, mas termina recebendo um tiro do mesmo calibre no peito, que milagrosamente não o mata.
Ao ver Raylan se envolver novamente com Winona, Ava se distancia e termina abrigando Boyd, agora um homem supostamente regenerado, em sua própria casa, mas sempre o tratando de forma ríspida. O que acontece para ela, então uma mulher que se mostrava totalmente honesta e oprimida pelos homens da região, resolve iniciar um romance ardente nível Bonnie e Clyde com o irmão do marido que ela matou? É uma transformação radical demais.
Indo além, ela se torna integrante da gangue, participando de conspirações para roubos e assassinatos, a levando fatalmente para atrás das grades por decisões que ela mesma tomou.
Duffy (Jerry Buns) é apresentado na segunda temporada como um agente perigoso, uma espécie de psicopata que comanda uma associação de extorsão e agiotagem associada a uma organização mafiosa maior. Na temporada seguinte, é desconstruído como um serviçal meio boboca que fica às voltas com Quales (Neal McDonough) que parecia ser o grande vilão da vez mas que, com o decorrer da história, se mostra cada vez mais descontrolado e sem sentido.
As temporadas se sucedem apresentando como vilões principais famílias criminosas e mafiosos que, por vezes, parecem cópias das anteriores. Artifícios narrativos que no início impressionavam, como reviravoltas bruscas, se tornam repetitivos.
Assim, Justified vai se reajustando tomando rumos que tonteiam o espectador com personagens coadjuvantes que tomam cada vez mais espaço enquanto o protagonista praticamente se torna coadjuvante em sua própria série. As temporadas passam a se escorar em uma trama contínua por vez, que se alonga em vais e vens teatrais que convencem pouco.
Os casos pontuais apresentados nos primeiros episódios, com as criatividades dos criminosos elaborando golpes e artimanhas, as reviravoltas e os duelos mortais contra Raylan demoram demais a voltar a acontecer, abafando os aspectos mais legais da série.
Apontei vários pontos negativos mas concluo afirmando que Justified não é ruim, apesar de perder o potencial ao longo das temporadas. Sua proposta como série policial deveria ser mais centrada no protagonista que, apesar de todas as suas imperfeições não é exatamente um complexado no nível dos abordados no já citado Homens Difíceis.
Os pontos fortes da série, que por vezes são apagados dentro de uma mesma temporada, são a crueldade dos criminosos, suas astúcias, a desenvoltura do Delegado, os provocando e, para finalizar, os momentos dos duelos mortais. Séries mais simples e diretas fazem falta.