Há aquela narrativa da jovem inocente que deixa sua comunidade do interior, onde todos se conhecem e praticamente não existe maldade, ganância ou violência, e parte para uma grande metrópole, onde sua inocência a transforma em um farol para todo tipo de lobo travestido de ovelha. Em Fargo acontece justamente o contrário. O lobo é que sai da grande metrópole, onde suas artimanhas já são conhecidas, e migra para cidadezinhas pacíficas do interior do estado de Minnesota.
Quando crimes violentos começam a acontecer, as autoridades locais em geral não estão preparadas para enfrentar assassinos profissionais, organizações criminosas estruturadas como grandes empresas de Wall Street ou a violentíssima máfia russa. Por sorte, em cada cidadezinha dessas, sempre haverá um policial inteligente e corajoso, mas subestimado pelos colegas, para lutar contra vilões como Lorne Malvo (Billy Bob Thorton), Mike Milligan (Bookem Woodbine) e V.M. Varga (David Thewlis), que esbanjam astúcia, crueldade e filosofia, muita filosofia.
Fargo – Uma Comédia de Erros, o filme de 1996 dirigido pelos irmãos Coen, apresenta uma policial grávida investigando uma série de assassinatos em Brainerd, uma pequena cidade no interior de Minnesota. O filme fez bastante sucesso na época, chegando a ganhar o Oscar de Melhor Roteiro Original. Quase duas décadas depois, quando tudo está sendo empacotado e transformado em série para televisão, alguém teve a ideia genial de colocar Fargo na lista. Acertaram. E não apenas refilmaram o longa original em 10 capítulos. Criaram novas histórias que se interligam sutilmente umas às outras, inclusive ao filme, mesmo que cada temporada apresente personagens e tramas diferentes, em épocas distintas. Até ainda mais. A série possuí referências de praticamente todos os filmes feitos pelos irmãos Coen.
Após 3 temporadas de grande prestígio, sob a produção de Noah Hawley, a série da FX se consolida como uma das melhores da atualidade, seguindo fielmente o estilo cinematográfico dos Coen. Fargo reforça aquela impressão que tem se disseminado que as barreiras que dividem as produções feitas para a televisão e para o cinema estão caindo. Determinadas séries podem ser encaradas tranquilamente como filmes longos divididos em várias partes. É o caso aqui.
Tanto o filme original quanto a série partem da premissa de que os acontecimentos apresentados são baseados em histórias reais. O alerta tem como efeito reforçar significativamente a suspensão da descrença do espectador. Mesmo sabendo das possíveis adaptações sobre os fatos, fica mais fácil engolir qualquer acontecimento ou coincidência mais exagerada. Mas, seriam mesmo os eventos apresentados tanto no filme quanto na série, baseados em fatos reais? Todo mundo caiu nessa em 1996. Muita gente ainda cai.
This is a true story. The events depicted in this film took place in Minnesota in 1987. At the request of the survivors, the names have been changed. Out of respect for the dead, the rest has been told exactly as it occurred.
O longa metragem original até foi mesmo inspirado em dois acontecimentos verdadeiros, mas de forma mínima. Em um deles, um empregado da General Motors cometeu fraude manipulando números de série na empresa, como vemos o Jerry Lundegaard (William H. Macy) fazer. O outro acontecimento foi o caso de Hellen Crafts, uma mulher de Connecticut que foi assassinada pelo marido, que ainda tentou se livrar do corpo com uma máquina de destroçar madeira (como acontece em uma das cenas do filme). Tirando esses dois fatos, o resto foi inventado.
Para reforçar mais ainda a impressão de história real do filme de 1996, em 2001 houve o caso de uma japonesa chamada Takako Konishi que parecia ter morrido ao tentar encontrar a maleta de dinheiro que o personagem de Steve Buscemi deixou enterrada na neve. A encontraram caída na neve perto de Michigan. Algumas pessoas juraram que ela falou “fargo”. Chegaram a fazer um filme sobre esse caso: Kumiko, the treasure hunter.
Porém, um documentário chamado This is a True Story mostrou outra versão da história. Konishi teria perdido o emprego em Tóquio e resolveu visitar os Estados Unidos, voltando a uma região na qual ela já havia estado com um amante americano, um homem casado. Sua morte teria sido um suicídio por overdose de sedativos.
Então, Fargo é mesmo baseado em histórias reais? Tanto o filme quanto a série apenas fingem contar acontecimentos reais. Nas palavras de Ethan Coen, em uma entrevista ao Huffington Post: “Nós queríamos fazer um filme do gênero história real. Você não tem de ter uma história real para fazer um filme com uma história verdadeira.”
Então, as tramas apresentadas são tão verossímeis que poderiam mesmo se passar por histórias reais? Diria que nem tanto. Mas com certeza tudo é produzido de forma a ser o mais crível possível, especialmente quando alguém é baleado em cenas a lá Sam Peckinpah.