Algumas das histórias em quadrinhos mais inusitadas do mundo.
Para quem não é adepto da leitura de histórias em quadrinhos, esse parece ser um universo bizarro por si só. Não são poucos os que não compreendem qual o prazer em acompanhar séries de desenhos estáticos estampados em páginas e páginas de volumes mensais que parecem não ter fim. O fato de os leitores de quadrinhos, em geral, não destoarem do estereótipo nerd retratado em The Big Bang Theory não ajuda muito.
Principalmente agora com a explosão de filmes hollywoodianos de super-heróis, o grande público imagina que os quadrinhos se resumem a super seres em fantasias coloridas combatendo vilões que querem dominar ou destruir o mundo. De fato, ao menos no Brasil, Homem- Aranha, Batman e suas turmas são os astros principais das bancas, ao lado de uma até recente infestação nipônica de mangás. Mas saindo da rua principal, entrando em becos escuros pouco convidativos, sujos e enlameados, habitados por uns tipos pouco sociáveis e talvez até psicóticos, um leitor mais curioso pode encontrar obras pouco recomendáveis criadas por pensadores mais criativos e bem menos comerciais e, por isso, obrigados a viverem na escuridão.
No meu modo de ver as coisas, quadrinhos são uma forma de contar histórias. Se o sujeito não pode ser um diretor de cinema mas não se satisfaz em apenas escrever livros, se torna roteirista e/ou desenhista de quadrinhos. Assim, a literatura e o cinema são seus concorrentes diretos. Na verdade, o quadrinho é um híbrido bastardo do cinema e da literatura. Um filme ou série de tv demora muito a ser feito, custa muito e é consumido em poucas horas. Um livro não requer quase nenhum recurso, demora para ser lançado, demora um pouco mais para ser consumido e então o leitor fica órfão. Já as histórias em quadrinhos são produzidas de forma industrial, com novas edições nas bancas com periodicidade certa. Tex chega mensalmente nas bancas da Itália há mais de 60 anos. Uma série de televisão não conseguiria atingir essa marca por várias razões óbvias.
A diversidade de títulos, em nível mundial provavelmente supera o número de opções de entretenimento de um serviço de tv por assinatura. Você encontrará todo tipo de ideia projetada em quadrinhos. Todo tipo de loucura também.
Lembro primeiramente que o quadrinho mais estranho que li foi uma história do Monstro do Pântano, publicada na revista Superamigos nº 33, de 1988 (não sou tão velho assim. Comprei a edição em um sebo). Teu Corpo Entre os Mortos, escrita por Alan Moore, narrava uma jornada ao inferno a lá Dante Alighieri feita pela criatura verde em busca da alma de sua amiga, que havia sido enviada para lá por um feiticeiro. No inferno, o Monstro do Pântano por fim a encontra sendo disputada por demônios. A história se torna incomum principalmente por estar publicada em uma revista dedicada a super heróis como os da Liga da Justiça.
Se a caminhada de um ser feito de raízes e plantas pelo inferno não parece tão bizarro, que tal a história de um pastor possuído por uma criatura híbrida de anjo e demônio que se refugia em seu corpo e o dá o poder de ter suas ordens obedecidas por qualquer pessoa? E se esse pastor resolve sair pelo mundo na companhia da namorada, uma assassina de aluguel, e de seu melhor amigo, uma vampiro, caçando Deus para o obrigar a confessar todos os seus pecados? O selo Vertigo, da editora DC Comics, foi meu primeiro contato com histórias com algo de bizarro. Enquanto Os Vingadores tentavam derrotar Mefisto por meio da violência, John Constantine vencia o Demônio batendo apenas um papo com ele e o enganando. Ainda assim, os produtos da Vertigo possuem muita coerência e naturalidade quando comparadas às histórias publicadas pela europeia Heavy Metal, onde quase tudo parecia apenas uma desculpa para desenhar cenas de sexo. Não é uma crítica. Na Heavy Metal, a imaginação não tem limite algum. Os roteiristas europeus são de longe os mais lunáticos. Não à toa os melhores escritores do selo Vertigo são europeus.
Feitas as devidas considerações primárias sobre o universo das histórias em quadrinhos, apresento agora alguns títulos obscuros, considerados bizarros ou inusitados mas, acima de tudo, curiosos. A lista é bastante modesta, uma vez que o tema poderia facilmente render um livro.
Longshot Comis
Se você não sabe desenhar nada mas ainda assim quer fazer uma revista em quadrinhos, pode imitar a Longshot Comics. Nada poderá ser mais minimalista que isso. Uma publicação criada em 1995 e que apresentavam nada mais que pontos falantes. Segundo alguns críticos o negócio era engraçado e valia o preço de um quadrinho normal. Imagine uma história repleta de personagens diferentes todos representados por pontos? Imagina ler uma página como essa acima?
The Leather Nun and Other Incredibly Strange Stories
Propagandeada como os mais estranhos, esquisitos e bizarros quadrinhos que já foram publicados nos últimos 50 anos ou mais. “Adulto e underground” parece ser um código para perversão sexual. A capa traz uma freira sentada seminua em um trono, com uma espada na cintura e fumando um cigarro com uma expressão de pós-sexo na cara. A Leather Nun do título transporta o protagonista para o reino da salvação sexual.
O restante da antologia inclui histórias de Robert Crumb, Spain, Jaxon e outros artistas. A maioria mistura sexo e angústia com doses pesadas de imagens religiosas de uma forma inegavelmente profana mas que provavelmente dizem mais sobre os artistas que sobre as religiões em si. O preço da edição de 32 páginas na Amazon é modesto. Apenas $7,98. Imaginei agora uma história na qual Maomé encontraria a Leather Nun. Seria épico.
My Brain is Hanging Upside Down
O título é emprestado de uma música dos Ramones. Trata-se da vida de David Heatley, o criador da maluquice, contada de seis formas diferentes, mas narrativamente conectadas. Sexo, Raça, Mãe, Pai e Parentes – e tudo mais no mundo fica de fora ou é incluído em momentos estranhos e desconexos. É tipo, a primeira vez que fiz isso e a primeira vez que alguém fez aquilo comigo. A história sobre sexo parece um conto pornográfico.
“Sex History” descreve todos as experiências sexuais do protagonista desde o jardim da infância com detalhes que fariam qualquer terapeuta ficar envergonhado. “Black History” é uma honesta meditação acerca de seu próprio racismo, onde ele apresenta as pessoas negras que conheceu. “Portrait of My Mon” e “Portrait of my Dad” são belas descrições do relacionamento amoroso pouco funcional de seus pais. “Family History” é a história de sua família desde os primódios até o nascimento de seus próprios filhos. “Dream Comics” são histórias envoltas nas histórias principais mas com uma lógica própria e desconcertante. Histórias verdadeiras e desconfortavelmente hilárias.
Amputee Love
Criado por uma mulher chamada Rene Jenson e desenhado por seu marido, Rich Jenson, ambos amputados. A arte da capa é de Brent Boates. Na história, Lyn é a secretária de um chefe tirano. Quando o porco a manda trabalhar durante o final de semana enquanto ele relaxa no clube, ela perde a cabeça, mando o emprego às favas e sai dirigindo furiosa até colidir com um ônibus. Perde a perna direita. No hospital, conhece Sheri, uma mulher que a ensina a se readaptar a sua nova condição. Logo, é apresentada a uma espécie de clube sexual para pessoas que perderam algum membro.
A história Lembra o filme Crash do Cronenberg, onde pessoas terminam mutiladas pelo peculiar gosto de fazer sexo em carros em alta velocidade. Quanto mais cicatrizes e sequelas de acidentes, mais sexy se tornava a pessoa. Na Amazon, a edição de Amputee Love custa a humilde bagatela de $299,99.
Hansi: The girl who loved the swastika
Não é nenhuma idolatria suja feita a Hitler, mas uma olhada atenta em como uma boa bíblia e uma saudável dose de cristianismo pode salvar qualquer um. Ou talvez seja mesmo uma propaganda nojenta. Foi Publicado por Spire Christian Comics em 1976.
Trata-se da autobiografia de Maria Anne Hirschmann. Ela foi devota ao partido nazista até o suicídio de Hitler. Maria viveu em Sudetenland em 1938 quando os alemães tomaram a Czechoslovakia. Naquele ano, entrou na Bund Deutscher Madel (BDM) e se tornou uma enfermeira voluntária em uma clínica médica no oeste da Alemanha. Quando a guerra acabou, foi capturada por soldados Russos do tipo que estupram as prisioneiras inimigas. Hansi foi poupada de ser violentada porque era muito franzina. Finalmente, conseguiu fugir para a Suíça e depois para os Estados Unidos. Preferiu os americanos gângsteres aos russos estupradores. Lá se tornou uma professora de escola básica e reencontrou seu antigo namorado alemão, outro sobrevivente da guerra. Se casaram. Ao seu devido tempo, achou que era boa ideia adotar ter fé em Cristo e resolve se devotar à bíblia. Ela trocou o controle nazista pelo controle cristão.
Young Witches
Muito sexo explícito, violência e loucura fora de escala. As histórias são centradas em duas jovens bruxas, Lilian e Agatha, que vivem em Londres no início da década de 1900. Lilian Cunnington é enviada para um internato feminino que na verdade é uma escola para jovens bruxas.
Após uma revolta interna, ela e uma amiga, Agatha, seguem caminhando seminuas em direção a Londres até que um cavalheiro chamado Dr. Jekyll surge na estrada e dá uma carona às moças. Daí então a coisa começa a ficar bizarra de verdade. O bondoso doutor aplica seguidamente nas duas, com a ajuda de sua governanta lésbica, um enema vaginal que as deixa loucas de tesão e semidopadas. No porão da mansão, são colocadas com outras dezenas de mulheres na mesma situação. O Dr. Jeckyll as usa em espetáculos pornográficos ao vivo em uma espécie de teatro, incluindo sexo com cachorros, cavalos e até cobras. O nível sobe (?) ainda mais quando entram em cena Jack, o estripador, Albert Einstein, Sherlock Holmes e os escritores Arthur Conan Doyle e Louis Stevenson.
Como Matar Seu Namorado
Para encerrar, uma HQ que esconde as aparências. Publicada pelo selo Vertigo em 1995, a história criada pelo inglês Grant Morrison é sobre juventude e revolta. Uma adolescente entediada se interessa pelo bad boy da escola, os dois saem para beber e resolvem matar o namorado dela e pegarem a estrada. Conhecem um bando de hippies com planos terroristas e então acontece mais sexo e mais violência. O que talvez torne a coisa mais esquisita é o clima de conto infantil que permeia a história, principalmente por conta dos traços limpos de Philip Bond.