O Questão – filosofia zen e violência

Na década de 80, os quadrinhos de super-heróis estavam começando a passar por uma espécie de revolução. A DC Comics, em um movimento de vanguarda, traria um novo espírito para suas produções, reapresentando personagens menores que acabariam por se tornar ícones de uma geração.

O Sombra de Howard Chaykin, a Liga da Justiça Internacional de Giffen e DeMatteis (formada por personagens secundários, com exceção do Batman) e o Homem Animal de Grant Morrison são alguns títulos que até hoje são lembrados por sua originalidade, ousadia e criatividade. Os roteiros haviam evoluído além dos embates contra o supervilão do mês.

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O Questão, um obscuro personagem criado por Steve Ditko para a Charlton Comics na década de 60 e posteriormente adquirido pela DC, também fez parte dessa pequena revolução ganhando uma revista mensal em 1987. Os roteiros foram assumidos por Dennis O’Neil, com desenhos de Gerry Conway. O’Neil pretendia trazer os heróis da era de prata dos quadrinhos para o mundo real, o que ele já havia feito magistralmente, em parceira com o desenhista Neal Adams, escrevendo uma série de histórias da dupla Arqueiro Verde e Lanterna Verde em uma jornada pelo lado negro dos Estados Unidos, encarando problemas sociais ao invés de bandidos fantasiados.

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Charles Victor Szasz foi criado em um orfanato. Cresceu com uma fúria interior que quase o levou a se tornar um delinquente. Adulto, assumiu o nome de Victor Sage e se tornou jornalista em Hub City, onde também combatia o crime como o vigilante mascarado chamado Questão. Sage usa uma máscara que simula pele humana, fixada ao rosto por meio de um gás especial criado pelo cientista Aristotle “Tot” Rodor, seu único amigo. Assim, trajando sobretudo e chapéu azul, um homem sem rosto atacava o crime organizado em uma cidade fictícia em plena decadência moral.

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Sob a tutela da dupla criativa, o Questão sofreria uma transformação espiritual, passando de um simples lutador de rua a um moderno guerreiro zen, um protagonista que, mais do que combater o crime batendo e prendendo os criminosos, procurava compreender as motivações deles e, no processo, terminava por descobrir mais sobre si mesmo.

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Sage não morreu e foi substituído por outra pessoa, não virou um agente do caos, não foi revelado ser um alienígena ou androide nem qualquer outra estratégia utilizada tão rotineiramente pela Marvel/DC. Como algumas crianças, ele só precisava levar uma lição. Turrão que era, o Questão simplesmente topou com a Lady Shiva e levou a maior surra de sua vida. A mulher conhecida como a assassina mais mortal do mundo havia sido contratada por uma organização criminosa para derrotar o homem sem rosto, mas durante o combate, algo no seu oponente despertou seu interesse. A assassina poupou a vida de Sage e o levou até Richard Dragon, antes o maior artista marcial do mundo e agora um homem em cadeira de rodas.

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Victor passou um ano isolado nas montanhas treinando artes marciais e aprendendo sobre filosofia oriental com Dragon. Percebendo que seu pupilo não conseguia mais progredir, decidiu mandá-lo de volta à sociedade como forma de testá-lo. Então, um novo Questão surgia em Hub City. Menos explosivo e mais comedido, um lutador melhor que iria além da violência, mas continuaria lutando contra os problemas da cidade, que sofria uma espécie de surto endêmico de corrupção. O’nneil inclusive declarou certa vez que sua Hub City era baseada em uma cidade americana real, mas se recusou a revelar qual seria.

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Sage se questiona sobre suas razões para ser um vigilante, sua atração pela violência e sobre as facetas de sua personalidade que transbordava arrogância e narcisismo. Ao encarar a corrupção da cidade, o Questão enfrentava a si mesmo em histórias que refletiam parábolas e charadas zen. Mas, longe de ser um mestre iluminado, o atormentado herói frequentemente perdia o autocontrole e a espiral de violência e corrupção ameaçava devorá-lo. Em cada edição da edição americana, O’nneil ainda indicava um livro para os leitores, como Zen and the Art of Motorcycle Maintenance, de Robert Pirsig. Corrupção urbana, artes marciais e filosofia zen seriam então os três temas que marcariam essa a publicação durante suas 36 edições.

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A arte de Denys Cowan também foi importante na revitalização do personagem. Enquanto autores contemporâneos da época como George Pérez e John Byrne mostravam um traço limpo, o traço de Cowan era mais fluído e sujo, conseguindo reproduzir expressões dúbias e irônicas, além de demonstrar uma habilidade foram do comum para desenhar lutas, afinal, artes marciais era um dos temas principais da série.

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No Brasil, algumas histórias desta fase foram publicadas na revista Os Caçadores (Editora Abril, entre 1990 e 1991), um título em formato americano e papel couchê, criado para reunir os heróis urbanos da DC Comics. A partir do número 3, o Questão passou a ser um dos personagens principais da publicação, que reunia também Arqueiro Verde, O Sombra, Falcão Negro e histórias curtas de Mulher Gato e Canário Negro. Os Caçadores foi cancelada na edição nº 15.

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Essa encarnação do personagem acabou passando despercebida de boa parte do público brasileiro. Aqui o Questão ficou mais conhecido por meio da série animada Liga da Justiça Sem Limites, onde era apresentado como um homem paranoico com teorias conspiracionistas tal qual sua contraparte em Watchmen, o Rorschach.

Com tantas publicações de qualidade duvidosa sendo lançadas atualmente em capa dura, é de se estranhar e lamentar que O Questão de O’neil e Cowan não ganhou também uma série de encadernados. Lá fora saíram 6 volumes, reunindo as edições 1 a 36 da revista mensal.

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Curiosamente, a junção de filosofia zen e violência foi utilizada na série Life, da emissora NBC, estrelada por Damian Lewis. O ator interpretava Charlie Crews, um detetive que fora reintegrado à força policial após ter passado pouco mais de uma década na cadeia por um crime que não cometera. Durante o período em que ficou preso Crews teve contato com a filosofia oriental e passou a aplica-la na solução de crimes e para apaziguar a frustração dentro de si pelo tempo perdido. A série teve duas temporadas somando 32 episódios.

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Outro personagem da DC Comics que explorou bastante a filosofia zen foi o Arqueiro Verde Connor Hawke, filho de Oliver Queen, o arqueiro original. Hawke cresceu em um mosteiro budista onde praticava artes marciais e o tiro com arco e flecha diariamente até abandonar o treinamento espiritual para seguir o caminho de violência e morte do pai.

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