Porque Hellblazer Origens é o melhor encadernado disponível nas bancas atualmente.
Saído das páginas da revista Monstro do Pântano, enquanto o personagem estava sendo reformulado pelo roteirista Alan Moore, John Constantine ganhou uma publicação própria em 1988, a Hellblazer, escrita inicialmente por Jamie Delano. O roteirista inglês pegou o coadjuvante, aproveitou as fundações deixadas pelo criador e então ergueu a construção como o mais hábil mestre de obras da ficção.
O resultado não foi uma simples mansão mal assombrada, mas um dos mais macabros arranha-céus já vistos no universo das histórias em quadrinhos. Delano estabeleceu toda a mitologia do personagem, concedendo às histórias uma profundidade raramente vista em uma revista em quadrinhos, especialmente uma que tinha o horror como carro chefe.
O estilo de roteiro de Delano pode ser descrito como uma “história em quadrinhos literária”. Ao lado do desenhista John Ridgway, o escritor vai construindo uma atmosfera nauseabunda, formada por violência expressada de forma gráfica e literária, física e psicológica, onde a voz do protagonista lança seu cinismo e sarcasmo diretamente na mente do leitor que, mesmo após se deparar com demônios e fantasmas, consegue se aterrorizar ainda mais com as pessoas comuns e com o mundo em que vive, o real.
Esse efeito acontece porque o autor mistura o horror da vida real com o horror ficcional, envolvendo o mercado de ações com a disputa por almas no inferno, psicopatas com seitas religiosas, vodu com apostas ilegais e lutas clandestinas, pirâmides financeiras com pirâmides de oração, racismo com demônios e vício em drogas com magia negra, criando um universo onde o fantástico está diretamente relacionado com o real e ambos são assustadores.
E não há protagonista mais humano que John Constantine, criado à imagem e semelhança de Sting, vocalista do grupo inglês The Police. Um mago beberrão que chegou ao limiar da loucura após ter literalmente ido ao inferno e voltado, caminhando e vomitando por uma Londres suja e carcomida, indo aonde até as baratas se recusam. Salvando o mundo uma vez ou outra. Matando pessoas no processo, sempre.
O conceito de magia nas páginas da Hellblazer é totalmente diferente do que se encontra em Dr. Estanho da Marvel ou em Dr. Destino da DC Comics. John não enfrenta um demônio lançando raios pelas mãos ou atirando contra ele com balas ungidas (como no péssimo filme estrelado por Keanu Reeves). Na maior parte dos casos, bate um papo com o sujeito, ilude, trapaceia, o convence a ir aonde ele não iria. A verdadeira magia é discreta, confessa.
Por isso, as histórias da fase Delano em Hellblazer, tal qual as melhores obras literárias, não se tornaram datadas. A publicação do título no Brasil passou por diversas editoras diferentes ao longo dos anos, até que a Panini lançou a série em encadernados reunindo as edições desta fase e da seguinte, escrita por Garth Ennis. Agora, a Panini anunciou a republicação de Hellblazer Origens, que conta com 7 volumes. Trata-se absolutamente de um dos melhores quadrinhos em banca atualmente.
O primeiro volume reúne as seis primeiras histórias do título americano:
Fome e Um Baquete de Amigos: Constantine volta de viagem e encontra um velho amigo em seu apartamento. O infeliz libertou Mnemoth, o espírito da fome em Nova York, e agora John tem de procurar a ajuda de papa Meia-Noite, um feiticeiro vodu, para conter o perigo de uma possessão demoníaca em massa no coração dos Estados Unidos. O espírito da fome solto no país do capitalismo, compelindo suas vítimas a comerem tudo que encontrarem pela frente e mesmo assim morrendo de desnutrição severa. Será que Delano quis insinuar algo?
Correndo atrás: A Mammon Investimentos, uma empresa comandada pelo arquidemônio do lucro, estabeleceu um clube de elite no distrito financeiro do inferno. Yuppies que se afiliam ao clube e se endividam começam a morrer de formas bizarras, chamando a atenção de John. Além de usar a ideia dos jovens que ascendiam no mundo dos negócios rapidamente, a história ainda possui como plano de fundo a situação política na Inglaterra em 1987, data na qual se passa, onde acontecia mais um embate nas urnas entre conservadores e liberais, com os demônios torcendo para a vitória de Thatcher.
À espera do homem: A sobrinha de John conhece três adolescentes que são casadas com um mesmo homem, e ela também pode se tornar uma de suas esposas, com direito a toda liberdade que não encontra em casa. Aqui surge o primeiro indício de uma organização chamada Exército da Danação e também os Cruzados da Ressurreição, uma espécie de seita que abriga os guerreiros de Deus.
Quando Johnny volta marchando para casa: Nesta história fantasmagórica, John é atraído para a cidadezinha de Liberty, no interior dos Estados Unidos, onde os moradores recorreram à pirâmide de orações organizada pelos Cruzados, na esperança de que seus filhos retornem da Guerra do Vietnã mais de vinte anos depois. A invocação dá certo e um exército de soldados-fantasma invade a cidade, mas eles ainda pensam que estão nas selvas e enxergam seus parentes como vietcongues.
Preconceito extremo: O Exército da Danação está cada vez mais atuante em Londres. O demônio Nergal usa os corpos de quatro jovens neonazistas para criar uma criatura monstruosa que cruzará o caminho de Constantine. Nessa história, Delano usa como matéria prima para o horror o racismo e o preconceito de jovens de gangues que agem contra homossexuais e negros, criando um monstro cujo visual que reflete esses sentimentos de ódio. Ainda aborda o problema da AIDS na época.