Eles salvavam o mundo, mas não conseguiam parar de brigar entre si.
Esse período da história cinematográfica possivelmente será lembrada como a era de ouro dos super heróis no cinema. Por enquanto o público e a mídia ainda se mostram focados neste sub-gênero, esperando com ansiedade a estreia de novos títulos. Mas a fórmula encontrada por Hollywood bebe diretamente da fonte das HQ’s e, para quem acompanha os heróis da Marvel e da DC já há algum tempo, percebe que a vida dos personagens nos quadrinhos passa por reformulações, reviravoltas, adaptações e readaptações de tempos em tempos.
Sempre que as vendas caem, surge a necessidade de tentar reconstruir os personagens, utilizando artifícios cósmicos (Crise Infinita na DC e Heroes Reborn na Marvel) que dão um reset nos títulos, procurando encaixar novos conceitos que modernizem as histórias. Tanto a Marvel quanto a DC passam por tantas crises quanto o Capitalismo. Essa característica das grandes editoras americanas já contaminou o cinema em um espaço de tempo até curto. A primeira vítima foi a franquia do Homem-Aranha. Apenas 5 anos após a conclusão da trilogia dirigida por Sam Raimi, foi lançado o reboot contando a mesma história de forma diferente. Reboots no cinema já ocorreram antes com Superman e Batman, mas com um intervalo de tempo bem maior, justificado até mesmo pelo avanço dos efeitos especiais.
Dentre as produções previstas para 2016 está Batman vs Superman – Dawn Of Justice. O filme pretende ser o pontapé inicial para a Liga da Justiça. É aqui que entramos no assunto deste artigo. A população em geral imagina que a equipe da DC Comics sempre foi formada pelos medalhões da editora, com Batman, Flash, Lanterna Verde, Superman, Mulher Maravilha e Aquaman. Inclusive a série animada criada por Paul Dini contribuiu muito para fixar esta imagem no conceito popular. Mas, na década de 80, um plano improvisado e com chances mínimas de sucesso foi autorizado para a criação de uma Liga da Justiça nos moldes de um sitcom americano, com personagens que ninguém conhecia exatamente. Piadas e super heróis. Tinha tudo para dar errado.
O Universo DC havia passado pela saga LENDAS, uma história na qual Darkseid tentou colocar a humanidade contra os super heróis. Depois deste arco, novas reformulações nos principais personagens da editora estavam sendo preparadas e, justamente por conta deste plano, esses personagens foram vetados para serem parte da nova Liga da Justiça. Os editores não queriam nenhum tipo de interferência durante a reformulação dos personagens. O que seria para ser o retorno em grande estilo da equipe com os heróis mais poderosos do mundo terminaria em um arremedo de personagens do segundo e terceiro escalões da editora. Restou ao editor responsável pela futura publicação da equipe, Andy Helfer, aceitar a oferta do roteirista Keith Giffen de modificar um pouco as coisas, de arriscar, de ridicularizar o comportamento de seres capazes de destruir uma cidade. De fazer o leitor rir.
Os dois filmes dos Vingadores possuem seus momentos cômicos contrabalançando a ação que acontece no enredo. Mas são casos pontuais, ponderados e inseridos milimetricamente quando a oportunidade surge na trama e, principalmente, no relacionamento entre eles. Possivelmente herança desta fase da Liga da Justiça, até mesmo porque as histórias em quadrinhos dos Vingadores eram desprovidas do tipo de humor que foi apresentado no cinema.
A nova equipe de produção do título foi fechada em Keith Giffen (argumentista), JM DeMatteis (roteirista), Kevin Maguire (desenhista), Al Gordon (arte-finalista) e Bob Lappan (letrista). Ao longo dos anos apenas Giffen e DeMatteis foram presença constante e os maiores responsáveis pelo sucesso da publicação.
Qwertyuiop
Giffen é um nova-iorquino que desenhou por muito tempo a Legião dos Super-Heróis, título que foi muito bem sucedido na década de 80 e que o tornou conhecido no meio. Além de desenhar, volta e meia também ajudava o Paul Levitz nos roteiros. Também foi o criador, em conjunto com Roger Slifer, do Lobo, o assassino intergaláctico que arranca as suas tripas e as devora com prazer, de algum modo matando também o leitor, de rir. Enquanto escritor, Keith é tido como bipolar. Seus personagens pairam em embarcações em alto mar que parecem seguras, mas na verdade podem se esfarelar a qualquer momento em tempestades repentinas. Alterna fases de bonança com situações tensas que deixam vítimas fatais.
DeMatteis, outro nova-iorquino, escreveu a soturna mini-série vampiresca Blood. Por si só isso já seria motivo para questionar a sua ida para um projeto que teria foco no humor com sujeitos em uniformes colantes. Escreveu A Última Caçada de Kraven, a história mais densa e angustiante do Homem Aranha que já li, considerada por muitos leitores a melhor do aracnídeo. Também foi responsável por uma fase de Demolidor na qual Matt Murdock estava literalmente na merda, vivendo sob nome falso e, além de cego, mudo em uma espécie de voto de silêncio. Ou seja, DeMatteis trata seus personagens com um certo sadismo.
Juntos, a dupla tornou a Liga da Justiça em um dos maiores sucessos editoriais dos quadrinhos na época. E isso em uma era na qual a qualidade de outras publicações de superequipes era enorme. Havia Os Novos Titãs de Marv Wolfman e George Pérez e os X-Men de Chris Claremont, ambos em sua melhor fase. Todos estes autores gastaram tanto a mente criando boas histórias por tantos anos que seus cabelos caíram.
Pense localmente, aja globalmente: Liga da Justiça Internacional
As palavras-chave da década de 80 e começo de 90 foram: bipolaridade; guerra-fria; ameaça nuclear; ONU; globalização. A dualidade comunismo/capitalismo parecia estar na fase da “melhora da morte”. Parecia que as relações iriam melhorar mas, ao mesmo tempo, havia o temor de que de repentinamente o famoso botão vermelho seria apertado e começaria o mítico inverno nuclear. Nisso, a ONU estava parecendo mais relevante que nunca, mas a Liga da Justiça ainda era América.
Eis então que a primeira missão da nova equipe é justamente na sede da ONU em Nova York, quando terroristas fazem os estadistas reféns. Formada aos trancos e barrancos por Batman, Ajax, Canário Negro, Senhor Destino, Senhor Milagre, Capitão Marvel, Besouro Azul e Guy Gardner, os personagens discutem entre si o tempo inteiro, mas conseguem realizar a missão com sucesso e, o mais importante, aparecem na mídia. O Batman, justamente o personagem mais sério e sisudo de todos, foi o único do primeiro escalão a ser liberado pelo editor para ser utilizado na equipe. Tornou-se tipo o diretor durão cercado por um monte de alunos de ginásio de filme norte-americano de comédia adolescente.
Na trama, os heróis descobrem que foram reunidos através da manipulação de Maxwell Lord, um empresário multimilionário que sutilmente direciona a equipe a ter uma atuação global. Graças aos esforços de Max, já na sétima edição, a Liga da Justiça recebe o status de “nação independente”, funcionando como uma força pacificadora internacional da ONU, estabelecendo embaixadas pelos principais países do planeta, incluindo até o Brasil. Depois é lançado outro título da equipe, a Liga da Justiça Europa, onde um grupo liderado pelo Capitão Átomo estabelece residência em Paris.
Muitos personagens passaram pela equipe durante essa longa fase. Os que simbolizam mais essa época é a dupla Besouro Azul e Gladiador Dourado. Como adolescentes de comédias norte-americanas, tentavam sempre bolar planos para fazer uma grana por fora (segundo eles o salário da liga era quase que miserável) e ganhar as mulheres. Havia também a dupla feminina Fogo e Gelo (duas desempregadas que bateram na porta da embaixada atrás de emprego e terminaram ficando) e havia…Guy Gardner, o Lanterna Verde mais odiado do mundo. Um verdadeiro escroto que pegava no pé de todos. Ou seja, quase ninguém era exatamente um modelo de herói como o Superman. Além disso, todo mundo era manipulado por Max, um empresário do tipo “os fins justificam os meios”.
A fórmula deu tão certo que terminou por ser expandida para outros títulos. O Senhor Milagre e o Senhor Destino ganharam publicações próprias escritas por DeMatteis. Scott free, um Novo Deus filho adotivo de Darkseid, entra na Liga da Justiça e resolve se mudar com sua esposa, a Grande Barda, ex-assassina de elite de Apokolips, para um subúrbio da pacata Bailey, cidadezinha do interior de New Hampshire. O cara queria apenas uma vidinha comum, mas as visitas de demônios, aparições de supervilões e dos colegas da Liga da Justiça transformam sua vizinhança em uma zona.
Já o Senhor Destino foi reformulado. Agora o guerreiro dos lordes da Ordem era apresentado como a fusão entre um casal, Eric Strauss (uma criança de alma arcana, envelhecida misticamente até a idade de um adulto) e sua ex-madrasta e atual paixão, Linda. Os dois são guiados por Nabu, um lorde pinguço da Ordem que habita o cadáver de Kent Nelson, o Senhor Destino anterior. Completam o time o advogado Jack Small e Pete, um demônio fugido do inferno. DeMatteis criou uma série envolta por várias referências místicas, mas sem deixar a comédia de lado. Quando Joachim Hesse, um pateta barrigudo metido a mago, descobre que pode se tornar Indra, o mestre do 5º Mundo, caso cumpra uma penitência de 40 dias e noites em jejum dentro de um círculo mágico, o planeta começa a sofrer interferências sobrenaturais que vão piorando à medida que o tempo vai se cumprindo. Uma missão para o Senhor Destino, que encontra o atual soberano do reino místico cobiçado por Hesse decidido a destruir o planeta porque não consegue transpor a barreira que protege o pretendente a usurpador do seu trono. A equipe do mago mais poderoso do mundo consegue resolver a treta comendo comida chinesa em frente ao faminto Joaquim, que não resiste ao cheiro do frango xadrez e quebra o jejum. Fácil assim.
O estilo Giffen/DeMatteis também foi imitado pela concorrência. John Byrne, ao assumir o título da Mulher-Hulk, impôs o mesmo tipo de humor das histórias da LJI e também foi bem sucedido. Por um tempo.
No Brasil, a editora Abril publicou a revista Liga da Justiça entre 1989 e 1994, totalizando 67 edições. A versão nacional fez bastante sucesso também no país, chegando a ganhar o troféu HQ Mix de melhor publicação seriada de 1992. Após cancelada, a editora lançou logo em seguida Liga da Justiça e Batman, um mix que alternava entre a saga a Queda do Morcego e a nova Liga da Justiça escrita por Dan Jurgens e comandada pelo Superman. Um negócio para se esquecer completamente. Foi até o número 26, quando a publicação também foi cancelada e a equipe desfeita por mais uma crise (Zero Hora). Em 1997 chegava às bancas Os Melhores do Mundo, onde aquela idéia de reunir os maiores heróis da editora que havia sido deixada para trás lá na metade da década de 80 voltou a ser cogitada. A Liga da Justiça América, escrita por Grant Morrison, formada por Superman, Batman, Mulher Maravilha, Ajax, Flash, Lanterna Verde e Aquaman, apareceu na edição 9. Estava de volta a fase sisuda da equipe.
Agora, após tantos anos, o trabalho de Giffen e DeMatteis ainda é saudosamente lembrado pelos leitores daquela época, apesar de ter aquela pequena parcela que odiava as piadas, o conceito e a coisa toda. Em um revival, houve a mini-série Já Fomos a Liga da Justiça trazendo de volta até o desenhista original, o Kevin Maguire. Agora, está em andamento o título Liga da Justiça 3000, também escrito por Giffen/DeMatteis. A maravilhosa tecnologia do século XXXI trouxe de volta, através de amostras de células, os maiores heróis do século XXI (ao longo da história o leitor vê que não foi bem assim). Agora, o mundo mais uma vez pode ser salvo, ao som de muitas risadas, porque os clones dos heróis vieram com tantos problemas que parecem ter sido fabricados na China.
Besteiras, babaquices e imbecilidades
As tramas no mundo dos seres superpoderosos poderiam ser tão simples quanto a de qualquer pessoa. A partir de situações típicas, as coisas começavam a acontecer. Em “O louco do bastão”, o carro de Barda, esposa do Senhor Milagre, é roubado quando estava estacionado em frente à Embaixada da Liga, em Nova York. Um dos ladrões encontra o mega-bastão, uma arma viva confeccionada em Apokolips, no porta-malas do carro. Quem guarda uma arma capaz de pulverizar um prédio no porta-malas do carro?
As confusões e desentendimentos vão desde aterrissar um helicóptero no topo de um prédio que não agüenta o peso, provocar um curto-circuito em toda a embaixada, comprar uma ilha para fundar um hotel-cassino da Liga da Justiça a organizar um churrasco na casa do Senhor Milagre. A Liga Europa, a contragosto de 99% de seus membros, acolhe um gato de rua como mascote. O bichano termina sendo seqüestrado, mas ninguém quer pagar o resgate.
Nem tudo era piada o tempo inteiro. Entre uma confusão e outra ainda havia um mundo a ser salvo do ataque de minhocas gigantes, supervilões de outra dimensão, invasores de corpos em forma de estrela do mar, robôs gigantes, déspotas alienígenas e nações beligerantes.
Abaixo, reproduzo um texto escrito por Andy Helfer, o editor da DC Comics responsável pelo título na época, contando sua versão de como as coisas aconteceram. De resto, fica registrado a genialidade da dupla Giffen/DeMatteis que, separados e em conjunto, criaram várias histórias que sobreviveram ao teste do tempo.
As coisas acontecem Por Andy Helfer (Publicado em Liga da Justiça nº 25, Editora Abril, janeiro de 1991)
Esse tal de Giffen estava realmente me irritando. Sabe, toda sexta-feira, ele enfiava a cabeça na porta aberta de meu escritório, abria u sorriso ligeiramente lunático e, por entre dentes cerrados, sussurrava as palavras “Liga da Justisssa”. Então, tão subitamente quanto tinha aparecido, ele evaporava, deixando apenas um sorriso de Gato Risonho flutuando no ar esfumaçado do meu escritório.
Eu sacudia a cabeça, expulsando os efeitos de sua publicidade nada subliminar de si mesmo. E daí pensava sobre o assunto. E pensava. E pensava…
A Liga da Justiça da América já estava na minha cabeça há meses, desde que o editor-chefe Dick Giordano me chamou ao seu escritório para me contar que uma nova LJA estava programada para emergir da futura mini-série da DC, LENDAS. Mas, ele disse, essa não seria apenas outra versão da LJA – os fãs já estavam cheios de pretendentes ao trono. Não, isso deveria ser um retorno à grandeza para o grupo – a revitalização de uma equipe onde brilhariam os melhores e maiores heróis do universo DC! Faça-a grande, ele disse, me acariciando a cabeça…faça-a genial!
Eu deixei o escritório de Dick sentindo que tinha recebido a atribuição que procurava – reunir os heróis mais poderosos na principal revista de equipe da DC. A imagem enchia minha mente: Super-Homem, Batman, Mulher Maravilha, Flash, Lanterna Verde. Todos juntos. Todos sob um título. Seria genial…exceto:
O Super-Homem estava na época sofrendo renovações. Monsieurs Byrne, Wolfman e Ordway educadamente me mandaram tirar as mãos de cima. A Mulher Maravilha estava recebendo o mesmo tratamento, cortesia de George Pérez. Idem para Mike Baron e o Flash.
Era uma vez a volta à grandeza. O destino bateu à porta… e não tinha ninguém em casa.
Fiquei arrasado. Denny O’Neil, percebendo minha profunda depressão, ficou com pena de mim me cedeu o Batman. E, como editor do Lanterna Verde, eu ainda poderia convencer Hal Jordan a ingressar no grupo se eu quisesse. Mas, a despeito desses raios de esperança, meu sonho de reunir os heróis mais conhecidos da DC foi por água abaixo. Nada tinha saído do jeito que eu havia planejado. Fiquei apenas com duas certezas na vida. A primeira, de que Dick Giordano iria periodicamente me chamar ao seu escritório para um relatório de progresso na LJA. A segunda, de que aquele doido do Giffen, chegando sexta-feira, iria enfiar sua cabeça na porta aberta do meu escritório e sussurrar as palavras “Liga da Justisssa”.
Então, quando Keith apareceu na minha porta pela sétima sexta-feira consecutiva, eu estava pronto pra ele. Ele sorriu. Largo. Hoje, ele parecia mais com o Coringa do que com qualquer Gato Risonho. Estava ótimo para mim. “Liga da…” ele começou.
“Você quer – é sua”, eu interrompi. O sorriso dele desapareceu – mas o rosto dele ainda estava lá. Ele tinha mordido a isca. “Você ta brincando”, ele disse. “Estou desesperado”, respondi.
Esse foi o começo de tudo. Agora, pelo menos, eu tinha um companheiro na miséria. E, na miséria, começamos a trabalhar sério. Logo de cara. Keith fez uma pergunta muito simples. “Se não podemos usar os caras grandes, quem podemos usar?” Uma pergunta razoável – mas eu não tinha resposta. Perguntei aos meus superiores. Eles tinham a resposta… mais ou menos. A lista de membros da LIGA, disseram, iria emergir do enredo de LENDAS… quando LENDAS fosse escrita. O que ia demorar algum tempo. Consultei a equipe de LENDAS: Mike Gold, o editor; John Ostrander, o argumentista. John Byrne, o desenhista. Saí com alguns compromissos firmes para heróis de terceira categoria e algumas possibilidades em estudo para alguns heróis de segunda.
Enfim, nós (graças a Deus eu podia dizer “nós” – finalmente tinha alguém para me beliscar e me dizer que eu não estava sonhando isso tudo!) tínhamos uma revista de grupo sem um grupo. Genial. Estava na hora, nós decidimos, de jogar sério. Precisávamos sair com uma idéia para uma revista que funcionasse, não importando quais personagens aparecessem nela. Parecia uma fórmula suicida – afinal, um sinal seguro de uma história em quadrinhos ruim é uma em que qualquer personagem pode ser usado como herói. Uma boa história do Batman só pode mostrar o Batman… e isso vale para qualquer personagem do universo DC (ou de outra editora). Criar uma linha narrativa genérica iria assegurar o desastre… a não ser…
E se não criássemos uma história per se – mas em vez disso nos focalizássemos no ambiente em que nossos heróis iriam habitar? A Liga da Justiça era, na verdade, um “clube” de super-heróis…. por que não focalizar esse aspecto? Em vez de inventar uma ameaça em escala mundial para o grupo combater no primeiro número, por que não se deter nos simples inter-relacionamentos dos heróis? Dessas discussões entre Keith e eu se formou uma espécie de filosofia – uma que dura até hoje e que vou tentar resumir aqui:
Heróis têm a obrigação, para com a sociedade e consigo mesmo, de serem heróis – e isso quer dizer agir como um herói. Há uma persona pública que cada herói tem e que raramente é abandonada. Heróis são modelos de comportamento. Os cidadãos se inspiram neles, apóiam, acreditam neles. Na presença do público, a máscara esconde, além do rosto do herói, sua verdadeira personalidade. Mas, na presença de seus companheiros… é outra história! A Liga da Justiça é uma fraternidade onde os heróis podem tirar suas máscaras e relaxar. Eles podem ser humanos pra variar – e, na verdade, ser como nós.
Era uma filosofia que iria funcionar, não importa qual a situação. E nós resolvemos complicar ainda mais – usar uma jogada que espelhasse nossa própria confusão quanto à situação incerta do grupo. Chamamos essa jogada de “Maxwell Lord.
Como você constata já nas sete primeiras aventuras da Liga, Max Mistério é a força propulsora por trás do grupo – de alguma forma, ele alista uma variedade de heróis para formar uma nova LIGA DA JUSTIÇA. Como ele faz isso, ninguém sabe ao certo. Os próprios personagens não sabem o que estão fazendo no grupo. Conexões são cruzadas, enganos são cometidos, personagens entram e saem – e só uma coisa é certa: Max fez isso. Como e por que é outra história, mas basta dizer que tudo termina com Max, o manipulador de homens e heróis, em boas relações com a Liga.
Outra jogada, decidida desde o começo, foi mudar o nome da revista a partir do sétimo número. Desde o começo, Keith sentiu que a revista precisava de um novo âmbito – algo que fizesse o grupo parecer mais atual. Afinal, quando a LJA foi criada, as preocupações de um herói eram um tanto quanto limitadas. O trabalho era proteger os Estados Unidos – pro diabo com o resto do mundo. Incrível que o Super-Homem e o Batman não desse um pulinho até a Rússia de vez em quando para espancar Khrushchev… pra não falar do demônio que reside a apenas 95 milhas ao sul da Flórida.
Mas os tempos mudam. A proliferação de armas atômicas, o crescente efeito estufa, pobreza mundial, doenças devastadoras…. tudo isso tornou o mundo muito menor. As preocupações principais do público americano não começam e terminam mais em nossas praias. Nossos problemas são os problemas do mundo e vice-versa. A Liga da Justiça iria refletir essa realidade. Então, tiramos a palavra “América” do logotipo. Mas isso era só uma pista do que viria. Essa equipe de Super-Heróis não mais iria representar apenas os Estados Unidos. Graças ao reconhecimento da ONU, eles se tornariam uma força mundial mantenedora da paz, com diretos e privilégios que, na prática, os tornariam cidadãos do mundo. Embaixadas, não sedes, seriam agora o ponto de convergência. Eventualmente, cada nação-membro da ONU teria uma, completamente equipada com computadores e tubos de teleporte. Seria uma vasta rede com grupos diferentes de heróis baseados em países diversos. Foi uma grande mudança, e uma que iria criar muitos problemas para o grupo – problemas que estamos enfrentando de frente na Liga da Justiça Europa, uma divisão da Liga da Justiça Internacional que foi acrescentada recentemente.
Mas a última jogada seria a maior delas. Foi nossa aposta mais arriscada, e a que parece ter pago mais. Dada a filosofia com que tínhamos concordado – o fato de que pela primeira vez heróis iriam agir como pessoas comuns -, seria força demais torná-los engraçados? Humor era uma palavra que raramente tinha sido colocada na mesma frase que “super-herói”, mas lá estava Keith Giffen, realmente falando isso. E, antes que eu pudesse me deter, estava dizendo a ele que fosse em frente. Na verdade, o humor da Liga era uma reação ao estilo “super-herói amargo e durão” que havia se tornado tão popular no ano que precedeu a renovação da Liga da Justiça. Por algum tempo, o negócio de gibis foi transportado a um mundo hollywoodiano de “altos conceitos” onde todas as propostas incluíam um personagem taciturno e inchado de esteróides. Era ridículo, era irritante, e estávamos determinados a arriscar nossos pescoços pra provar que eles estavam errados. Acho que conseguimos.
De qualquer forma, estou me adiantando. Jogadas e fios de narrativas à parte, nós tínhamos uma revista para produzir e, logo que Lendas estava encaminhada, um elenco de candidatos a membro de equipe havia se formado. Tudo de que precisávamos era um artista e, para minha grande surpresa na época, alguém que redigisse diálogos.
Sabe, Keith Giffen gosta mesmo de fazer argumentos. Ele adora escrever pequenos gibis em pedaços de papel-ofício e adora desenhar quadrinhos. Mas mande ele pôr as palavras na boca de um personagem e o cara gela! Não é que ele não possa fazê-lo – suspeito que um dia ele consiga -, mas, na época, diálogo era uma palavra muito nova para Keith, ele não queria correr o risco de afundar o projeto com um mau começo. Ou isso, ou ele queria jogar a culpa sobre mais cabeças. Só por precaução…
Então, a temporada de caça estava aberta. Um artista e um relator de diálogos. Sem problema. Certo. Certíssimo.
Eu estava lutando para escolher entre dois ou três artistas diferentes quando outro problema caiu na minha mesa – um jovem novato promissor, chamado Kevin Maguire, tinha recebido uma oferta de trabalho mensal na concorrente. Kevin estava trabalhando em uma nova série que eu estava preparando e, depois de completar o primeiro número, ficou sem o que fazer, esperando um segundo roteiro. Nesse meio tempo, aconteceu de ele mostrar a alguns dos caras da Marvel o seu trabalho.
Basta dizer que Kevin veio ao meu escritório pra explicar seu dilema: embora quisesse trabalhar na DC, ele não podia continuar esperando. Então, eu pensei por um momento – só um momento – e ofereci a ele a Liga da Justiça. Por que não? Ele era bom, muito bom, e a idéia de trabalhar com um quase desconhecido me agradava. Fã, para melhor ou pior, tendem a ter noções preconcebidas de artistas e escritores…. Por que não dar a eles uma revista importante com um artista de quem nunca tinham ouvido falar? Foi, em retrospecto, outra jogada bem arriscada.
O trabalho de Kevin, no final das contas, provou que eu tinha razão. Página após página, ele é apenas… perfeito. Seu maior dom é o de capturar emoções sutis nas expressões faciais – eu honestamente não acho que haja alguém no ramo melhor nisso. Seus desenhos empresta um senso de realidade aos personagens – se personagens de quadrinhos existissem como pessoas reais, você sabe que eles seriam exatamente como Kevin Maguire os desenha. A arte dele cobre o espaço entre a fantasia e a realidade como nenhuma outra. E, graças ao seus próprio senso de humor, Kevin acrescentou zilhões de nuances sutis aos argumentos de Keith, transformando o sorriso de um personagem num bico, torcendo a imagem visual só um pouquinho, refinando-a, e armando uma ainda não escrita linha de diálogo para o ainda não decidido redator de diálogos.
O redator acabou sendo J.M. DeMatteis – outra jogada de risco. Com exceção de mim mesmo, J.M. era o último remanescente da última encarnação da Liga da Justiça. Ele é um dos mais respeitados roteiristas de quadrinhos – mas seus cinco anos anteriores no ramo mostraram poucas evidências de uma habilidade de escrever… coisas engraçadas. Todo o seu trabalho (a smini-série Blood, por exemplo) era caraterizado por uma profunda espiritualidade e uma preocupação com os temas humanos sérios. Todos os quais, nós avisamos logo, ele devia deixar na portaria.
Mesmo nos escritórios da DC, as pessoas achavam que estávamos loucos. Mas eu conhecia J.M. há anos, desde os meus tempos de novato – ele foi a primeira pessoa a sorrir pro meu lado sem pedir que eu fosse tirar um Xerox de alguma coisa. Quando eu era um estagiário de verão na DC, foi o primeiro profissional de quadrinhos a me convidar a jantar em sua casa; foi o primeiro profissional de quadrinhos que pude chamar de meu amigo. Eu tinha visto lados dele que a maioria das pessoas não conhecia, e sabia que, se pudéssemos puxar esse lado pra fora, alcançaríamos nosso objetivo. “Só fique louco”, eu disse a ele. “Seja tão engraçado quanto puder. Se for ruim, eu tiro… e, se for comprido demais eu corto. Só não se preocupe com isso”. Ele ouviu, acho – e, embora eu tenha cortado algumas piadas, no geral funcionou muito bem. Tudo ocorria com uma certa espontaneidade porque, em 90% das vezes, a primeira coisa que aparece na cabeça de J.M. é a melhor. Naturalmente, as situações de Keith e os personagens de Kevin não atrapalharam nada.
O único problema com os diálogos de J.M. era que eles…hã… tendiam se alongar um pouco. Diferentemente da maioria dos diálogos de gibis, cortar uma ou duas linhas na Liga da Justiça é difícil, já que há ritmo e tempo muito distinto estabelecidos. Seria como cortar o quarto verso do hino nacional americano – a música toda empaca. Daí, ou a piada inteira ficava, ou era substituída por uma nova. Na maioria das vezes as piadas eram engraçadas demais para serem jogadas fora – então o trabalho de letreiramento foi confiado ao mestre do jogo de espremer letrar, Bob Lappan. Bob é o letrista preferido para escritores que escrevem malditamente demais. Ele consegue fazer os mais desajeitados blocos de diálogos se encaixarem ordenadamente no canto do quadrinho. Bob, como Keith e Kevin, tem estado conosco em todos os números – e é o herói oculto da revista.
Finalmente, quando todas as fases estavam acertadas (argumento, desenho, diálogo e letras), sobrou para Al Gordon colocar as coisas em preto-e-branco. Embora Terry Austin tenha arte-finalizado o primeiro número, Al entrou no número dois para se tornar o arte-finalista regular da revista. Ele tinha acabado de trabalhar com John Byrne no Quarteto Fantástico e estava pronto para um novo desafio – e ficamos satisfeitos em tê-lo a bordo.
Assim, nós realmente conseguimos sair no mês seguinte a Lendas. Não sabíamos bem de quem eram os personagens com os quais estávamos brincando de mês a mês, mas tínhamos as ferramentas para lidar com qualquer adversidade futura. Nós inventamos um pouco no caminho, mas a maior parte da produção foi cuidadosamente planejada. Os resultados foram incrivelmente populares. E as pessoas que disseram que estávamos loucos por tornarmos heróis da DC engraçados estão agora trabalhando duro e fazendo a mesma coisa com seus heróis. Toda semana, outra revista de “super-heróis leves” aparece nas bancas americanas. ´” “alto conceito” de novo. Mas nós chegamos primeiro.