Filho de um escritor, Young herdou mesmo alguma habilidade de redação. O diferencial dessa autobiografia é que foi mesmo escrita pelo próprio músico sem o auxílio de um jornalista como coautor ou o emprego de um escritor fantasma como é o mais comum. O fato de estar com a locomoção reduzida na época o ajudou a se concentrar no trabalho e o resultado foi um compêndio fragmentado que privilegia o homem em detrimento do músico.
A narrativa não é linear, mas fragmentada em várias linhas temporais que vão se alternando sem uma ordem específica, o que provoca alguma confusão mental no leitor para se situar cronologicamente. Young Começa com uma longa divagação sobre o PureTone, um projeto capitaneado por ele, uma tentativa de convencer o mercado a oferecer aos ‘verdadeiros’ fãs de música um formato digital mais fidedigno que o MP3, que compacta demais os arquivos causando perda de qualidade. Esse tema retorna várias vezes ao longo do livro, repetindo os mesmos argumentos, queixas e anseios. Ao menos serve para mostrar o quanto pode ser moroso o mundo dos negócios, além de arriscado. Havia um certo temor de ir contra a Apple ao mexer nesse assunto.
“(…) um dos guardas me chamou de hippie fedorento. Ele usava um óculos de aro de chifre. Gritando de volta, eu disse que ele parecia um gafanhoto. Ele entrou na cela e me deu uma surra. Socou minha cara e me chutou no chão. Foi traumatizante.”
Outra paixão do canadense explorada vastamente no livro são os carros. Ele chegou a ter um galpão repleto de veículos, inclusive com um mecânico exclusivo para a manutenção. Ligado a temas ambientais, outro projeto a que Young dedicou tempo e dinheiro foi o desenvolvimento do Lincvolt, um veículo movido a energia elétrica, não poluente.
Após a leitura das cerca de 400 páginas, concluímos que Neil Young é um sujeito mesmo rural, reservado, preservando a timidez de sempre, alguém que gosta de manter uma certa distância de multidões. O músico passou por problemas sérios de saúde desde a infância, onde escapou do terrível vírus da poliomielite e posteriormente, já adulto, passou por mais alguns episódios que o levaram a exames dolorosos e cirurgias arriscadas. Alguns de seus filhos tristemente também seguiram a mesma sorte, seja por problemas no parto ou um azar genético, os deixando com certas limitações pelo resto da vida.
“(…) esses celulares e esses ricaços que podem pagar pelos melhores lugares me perturbam e fazem com que eu me sinta um objeto de museu.”
As partes mais interessantes de fato são as que se relacionam com a sua carreira musical, a história de um jovem franzino que deixa seu país para entrar e viver ilegalmente nos Estados Unidos em busca de uma carreira como músico, tentando evitar a polícia o máximo possível em uma vida quase nômade. Algumas passagens marcantes são a surra que ele levou de um policial dentro da cadeia e o encontro com Charles Manson, o qual ele até viu algum talento como músico no encontro.
“Em seguida, apareceu um cara que pegou minha guitarra e começou a tocar várias músicas. Seu nome era Charlie. Era amigo das garotas e também de Dennis.”
Alguns pontos nebulosos são passados rapidamente, como seu controverso posicionamento político, onde teria até elogiado Richard Nixon, fato que ele atribui mais às distorções dos jornalistas, justificando sua antipatia por esses profissionais.
Neil Young: A autobiografia
Editora: Globo (setembro de 2012)
Capa comum: 408 páginas