O que se espera de uma biografia de uma lenda da música mundial? Histórias de bastidores da indústria fonográfica, processos de composição, um relato meticuloso das trajetórias dos músicos e personagens importantes, antes e depois da fama, algumas polêmicas, um retrato da época em que brilhou e uma análise da carreira como um todo? Sim. E se for de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos? Histórias de consumo industrial de drogas pesadas, sexo depravado, prática de magia negra e destruição de quartos de hotéis. Led Zeppelin – Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra, tem tudo isso.
Essa biografia, escrita por Mick Wall, jornalista britânico especializado em música pesada, narra toda a trajetória da banda, desde sua gestação nos sonhos de Jimmy Page e depois nos de Peter Grant, passando por sua solidificação em Led Zeppelin I, a estabilidade em Led Zeppelin IV, o auge em Physical Graffiti, a decadência posterior e a desintegração após a morte de John Bonham, além de sua pós vida zumbi até pouco depois de uma última apresentação na Arena O2 em 2007.
Em primeiro lugar, se trata de uma biografia não autorizada, portanto, o autor não se sente coagido ou obrigado a amenizar fatos controversos ou ainda omitir reflexões e opiniões sobre os acontecimentos com base nos relatos reunidos. Isso é bastante positivo, pois o Led Zeppelin sempre teve fama de ser um grupo bastante fechado, praticamente uma empresa familiar, e uma daquelas famílias com muitos esqueletos bem escondidos em mansões mal assombradas.
“Lançado no dia 23 de outubro de 1970, duas semanas depois do lançamento nos Estados Unidos, Led Zeppelin III já tinha chegado no primeiro lugar nos Estados Unidos quando começou a ser vendido na Grã Bretanha, onde também chegou ao topo. No entanto, estava destinado a se tornar um de seus trabalhos mais ignorados, mal interpretados e atacados pelos críticos até hoje.”
Os personagens principais, além de Jimmy Page, Robert Plant, John Paul Jones e John Bonham, são Peter Grant, o feroz empresário, e seu braço direito, Robert Cole, em menor escala. Mick vai alternando a narrativa entre eles, ora em conjunto, ora separados. Em determinados momentos, o jornalista isola um deles (com exceção de Cole) e dedica alguns parágrafos a uma análise individual, fazendo o papel de autor onisciente, alguém que sabe o que se passava na mente da pessoa naquele determinado momento da sua vida. Esse recurso faz com que o leitor se sinta ainda mais próximo do biografado, fortalecendo um processo de empatia e, por vezes, provocando a sensação de que o leitor é o próprio biografado.
A mística em torno do Led Zeppelin é muito forte, e se tornou ainda mais poderosa alguns anos após sua dissolução. A banda sempre recebeu muitas acusações de plágio. No momento em que o primeiro disco do grupo chegou às lojas, o Truth do Jeff Beck Group já havia sido lançado. A semelhança entre algumas canções dos dois álbuns provoca controvérsias até hoje. Isso acendeu a rivalidade entre Page e Beck, que, segundo contam, chegou a chorar de raiva quando viu a música “You Shook Me” no álbum do grupo do antigo companheiro dos Yardbirds. Vale lembrar que os dois já discutiam sobre a autoria da Beck’s Bolero, que já era uma versão do famoso Bolero de Ravel.
“(…) meu coração parou de bater quando ouvi “You Shook Me”. Olhei para ele e falei:’Jim, o que é isso?’ E as lágrimas começaram a correr de raiva. Pensei: ‘Isso é uma baita sacanagem, só pode ser’. Quer dizer, Truth ainda está rodando no toca-discos de todo mundo e esse metido aparece com outra versão.”
Esse tipo de acusação acompanhou o Led por toda sua carreira, e chegou até a render processos mesmo vários anos após a dissolução da banda, inclusive na ultra famosa Stairway to Heaven. Mick adentra nessa polêmica esclarecendo como eram os processos de composição no blues desde seu surgimento, mostrando indícios de como Page teria se aproveitado de partes de outras músicas, ou apenas alterado as estruturas em determinados pontos, ou ainda as letras, o que chegou a provocar uma troca de acusações entre o guitarrista e o vocalista
Outra lenda importante no grupo é sobre a presença forte do empresário Peter Grant, ex-pupilo de Don Arden, proclamado o Al Capone da música pop. Grant também não era conhecido por pegar leve para defender os interesses dos seus protegidos, e isso se tornou mais verdadeiro no auge de popularidade da banda, quando o empresário foi comparado posteriormente ao Scarface de Al Pacino, consumindo cocaína como um rock star de cinema e cercado por seguranças armados da pior espécie. Não foi apenas Grant que tinha perdido o controle nessa época. Plant, Page e Bonham também estavam alucinados. A vida nas estradas durante as turnês provocava uma espécie de transformação em todos. Bonzo, o baterista, era uma espécie de lobisomen que podia se transformar a qualquer momento. Em um momento te daria um abraço carinhoso e em seguida poderia te encher de porrada sem muita explicação.
“Michelle Myer, sócia do produtor Kim Fowley e socialite de Los Angeles. Myer estava jantando e sorriu ao vê-lo. Bonzo não sorriu de volta. Em vez disso, aproximou-se cambaleando e deu-lhe um murro no rosto, derrubando-a da cadeira. “Nunca mais olhe para mim desse jeito!”, ele gritou.”
Jimmi Page já tinha fama por carregar algemas e chicotes para usar nas groupies desde os tempos dos Yardbirds, e seu grau de excentricidade só havia aumentado desde então. Chegou a manter um relacionamento com uma garota de 14 anos, Lori Maddox, e sua dedicação ao estudo do ocultismo, particularmente aos ensinamentos de Aleister Crowley, envolveu o grupo em uma espécie de aura negra que fascinava os fãs e aterrorizava todos os outros seres humanos do planeta. O livro dedica um capítulo para descrever a trajetória do dito “homem mais perverso do mundo” e a influência que exerceu em Page. As lendas falam que um outro discípulo de Crowley teria lançado contra o músico a maldição do “toque de Midas”. Seria o Led a banda mais satânica do mundo em sua época? Coincidência ou não, o Zeppelin pegou fogo pouco tempo depois e algumas pessoas morreram queimadas.
“Milionários famosos que se escondiam atrás de guarda-costas armados, agora tinham seus próprios fornecedores de drogas e um jato particular.”
O único elemento comportado na equipe era John Paul Jones. Em determinado momento, o baixista praticamente se separou do convívio com os colegas, se aproximando apenas nos momentos de ensaios e apresentações, uma forma de se preservar do furacão intenso que se tornou o dia a dia da banda, movida por cocaína, groupies e confusão. Jones seria imprescindível para a realização do último disco da banda.
E então chegamos à outra polêmica. Com a morte de John Bonham, o grupo decidiu paralisar as atividades por tempo indeterminado. Era o início da década de 80, e a música do Led já tinha sentido a turbulência da ascensão do punk. Logo, o som encorpado de bandas como Iron Maiden, Saxon e Def Leppard iria espalhar o vírus do Heavy Metal na forma de uma pandemia global. As bandas da década passada que não se ajustaram aos novos padrões perderam relevância, mas o Led teria a sua credibilidade preservada, mantido em um sono criogênico com promessas de ressurreição posterior, o que nunca de fato aconteceu, apesar de algumas apresentações pontuais e, segundo alguns observadores, decepcionantes.
Já abalado pela perda do filho em um acidente de carro, e agora após a morte de John Bonham, Robert Plant teria aproveitado os trágicos fatos para justificar o seu desinteresse pela continuação do Led, se concentrando em uma carreira solo de sucesso com músicas acústicas. Desde então, Plant teria sido o grande impedimento para um retorno definitivo. Na última reunião, em 2007, para um show na Arena O2 em Londres, o cantor se recusaria e tocar as músicas mais pesadas, como Immigrant Song. Também teria desenvolvido uma intolerância a Stairway to Heaven, apenas a executando por muita insistência de Page e Jones. Um vocalista egoísta para uma banda que sempre fora considerada egoísta nos palcos.
Led Zeppelin – Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra, lançado no Brasil pela Globo Livros, explora todas essas polêmicas e controvérsias, reunindo depoimentos dos integrantes, de pessoas da equipe e daqueles que, em algum momento, cruzaram com os deuses dourados do rock. Apesar dos temas espinhosos e histórias fantásticas, não soa sensacionalista ou gratuito, sendo um ótimo livro para os interessados pelo que realmente importa, a música.