Pegue qualquer lista de melhores diretores da história do cinema que leve em consideração características técnicas ou subjetivas e a probabilidade de o nome de Stanley Kubrick estar presente é próxima a 100%. Impressionante para um diretor considerado clássico e que possui uma filmografia bastante enxuta, contando com apenas 13 títulos. Fora indicado 4 vezes sucessivas para o Oscar como Melhor Diretor, mas nunca ganhou o prêmio.
“Pois o que visualmente domina os filmes de Kubrick é, ao contrário, a ruptura de uma ordem pela violência, violência causada pelo ressentimento, pela vingança, pelo instinto guerreiro.”
O cineasta iniciou sua vida profissional como fotógrafo para jornais e revistas e, fazendo contatos no meio, terminou dirigindo seu primeiro filme com a ajuda de um antigo colega de escola. Iniciava-se então uma carreira cujo ponto alto foi 2001: Um Odisseia no Espaço.
Todos os filmes dele, com exceção de Spartacus, que foi um projeto que assumiu a pedido do ator Kirk Douglas, eram a princípio rechaçados pela crítica. Apesar de nunca ter dado prejuízo aos estúdios, graças também a um controle rígido do orçamento, os filmes de Kubrick também não impressionavam quando o critério era bilheteria. Mas, com o tempo, suas obras passavam a ser reavaliadas e sua genialidade reconhecida até que chegou ao ponto em que ganhou passe livre dos estúdios.
“Do macrocosmo de 20021 ao microcosmo de O Iluminado, a busca é a mesma: através do fantástico e de seus mitos, procurar a razão desses terrores irracionais que governam o ser humano.”
Era descrito pela mídia como uma espécie de gênio recluso, alguém difícil de trabalhar, mas as entrevistas de elenco e diretores de apoio contidas no livro do crítico francês Michel Ciment desmentem esse desenho do cineasta. Kubrick era sim criterioso, exigente e perfeccionista, mas sempre um cavalheiro no trato com seus colaboradores. Ele já sabia o que queria e como queria, mas gostava que seus colaboradores chegassem às mesmas conclusões por si mesmas, ainda que ouvisse atenciosamente as opiniões divergentes.
“Se a violência fosse nociva, acho que seria preciso apontar primeiro para os desenhos de Tom e Jerry, para os filmes de James Bond e para os westerns italianos, pois eles apresentam a violência como algo engraçado, sem nenhuma consequência. Considerar o cinema e a tv como um aspecto essencial da violência no mundo é ignorar as verdadeiras causas dessa violência. Posição cômoda para os jornais e para os políticos, que lhes permite ocultar os verdadeiros problemas.”
O livro não se trata de uma biografia, mas uma reunião de apontamentos, com extensos artigos analisando algumas de suas obras mais importantes, além de entrevistas com atores e atrizes como Marisa Berenson (a Lady Lyndon de Barry Lyndon), Jack Nicholson (o Jack Torrance em O Iluminado) eMalcolm McDowell (o Alex de Laranja Mecânica). Também estão presentes entrevistas com o pessoal de apoio que já trabalhou com Kubrick, como o diretor de fotografia John Alcott e até um assistente, Andrew Birkin, que trabalhou como office boy na produção de 2001, onde ganhou a oportunidade de subir de carreira graças a uma intervenção bem sucedida, conseguindo encontrar um deserto na Inglaterra para as filmagens.
Claro que há entrevistas com o próprio astro do livro, realizadas por Ciment, nas quais o cineasta destila suas opiniões sobre o cinema, suas obras, sobre o público e fornece alguns detalhes de como costuma trabalhar, construir suas histórias. Kubrick desenhou o presente, o passado e o futuro em suas produções, analisando o comportamento humano em diferentes gêneros cinematográficos.
“Durantes os últimos anos de sua vida, o cineasta ficou ainda mais afastado do mundo. Não deu nenhuma entrevista, não apareceu em público e, em uma época em que a mídia desempenha um papel cada vez mais invasivo, desafiou a sociedade do espetáculo.”
Ao final, como era comum nas publicações de uma era antes da internet, o livro oferece a filmografia completa do diretor, com sinopse e ficha técnica de todas as produções. Não se faz imprescindível na nossa atualidade, mas fornece um ar retrô e de completude à obra.
Kubrick
Autor: Michel Ciment
Editora: Ubu (1ª edição, setembro de 2017)
Capa comum: 368 páginas