Um Caso de Detetive é uma produção canadense que se vende como uma comédia leve, uma aventura descontraída, mas sua aparência é capciosa. Enganar o espectador é um artifício perigoso. O cineasta corre o risco de perder parte da audiência quando revela seu verdadeiro propósito. 

O pôster, o título original, a sinopse, a trilha sonora e os demais elementos apresentados no trailer levam a imaginar que se trata de uma produção leve, uma espécie de filme “sessão da tarde”. Dedução errada. 

Um Caso de Detetive é mais do que aparenta ser. Sua fotografia com cores saturadas, os cenários ensolarados e personagens jovens contrastam com a escuridão do protagonista e a maldade que a cidade onde se passa história oculta. 

Apontaria que temos aqui uma obra destinada à sessão dos “cult movies”, pois foi totalmente ignorada em seu lançamento, em 2020, mas encontramos muita gente elogiando o filme, seja dentre a crítica especializada ou entre os meros cinéfilos. 

Willowbrook é uma daquelas cidadezinhas do interior onde todos se conhecem em bairros com casas com cercas pequenas e jardins de grama verde. Mas há alguns anos a felicidade parece ter evaporado do município. 

Abe Applebaum, interpretado por Adam Brody, é um detetive particular que já foi muito famoso e estimado pela comunidade durante seus feitos quando criança. O jovem Abe conseguia desvendar qualquer mistério, de roubo do dinheiro da caixa da caridade a pequenos e insignificantes furtos. Até a polícia local buscava seu auxílio em alguns casos.

O sucesso do garoto o rendeu um escritório no centro da cidade, conseguido graças ao apoio dos cidadãos. Como criança prodígio, seu futuro parecia garantido. 

A situação mudou quando sua secretária e melhor amiga, e também filha do prefeito, Gracie (Kaitlyn Chalmers-Rizzato), desapareceu. A polícia não conseguiu nenhuma pista e Abe, quando mais necessário, se mostrou totalmente inútil.

O tempo passou e a garota nunca foi encontrada. O acontecido fez com que o humor das pessoas da cidade mudasse. Aquele clima de ambiente seguro e feliz se dissipou. O garoto detetive teve naquele evento trágico sua infância feliz e promissora encerrada. 

Abe agora é um homem de 31 anos que permaneceu estagnado, preso ao seu sucesso passado. Praticamente alcoólatra, é desprezado por todos. Permaneceu com seu escritório, mas os poucos clientes que aparecem trazem apenas casos banais, ou talvez o mesmo tipo de casos que ele costumava resolver na infância. 

Um dia, entre uma ressaca e uma surra, recebe a visita de Caroline (Sophie Nélisse), uma estudante de 16 anos que o contrata para descobrir quem matou seu namorado. Dias antes, Abe havia visto o corpo do rapaz ser retirado de um rio. O jovem havia sido morto a facadas. Contrariado, inseguro, o detetive finalmente resolve aceitar o caso. 

Quando somos crianças, tudo o que fazemos é aplaudido pelos adultos. Não é necessário muito esforço para agradar. À medida que crescemos, as exigências vão aumentando. A régua para o sucesso se torna cada vez mais alta. 

De criança prodígio admirada por todos, Abe se torna um adulto problema. A família alterna entre o menosprezo e a pena. Seus feitos pregressos são tidos como irrelevantes, algo da infância já distante, lembrança constrangedora dos bons tempos que a cidade viveu. 

Mesmo conhecendo as circunstâncias que moldaram sua vida até aquele momento, é difícil simpatizar com o protagonista. Abe muitas vezes se mostra inseguro, derrotado, desleixado e pouco genial. Sem recursos, sem respeito dos outros ou próprio, recorre sempre ao álcool para continuar anestesiado. 

Em determinado momento, descobre que não era mesmo tão bom quanto todos achavam que ele era. Mas acontece que essa ilusão não foi algo que nasceu dele, mas que as pessoas ao redor criaram e alimentaram. Applebaum percebe que algumas vezes foi também usado por outras pessoas, incriminando inocentes. 

Mesmo após esse momento de epifania o detetive não renasce magicamente porém, as descobertas sobre si mesmo fortalecem sua resiliência, o mantendo no caso do garoto assassinado. 

As investigações o levam a descobrir uma droga desconhecida, consumida por alguns jovens da escola. Abe depois descobre ser um estimulante que ajuda pessoas inseguras a sentirem confiança. Ele mesmo chega a consumir a substância em alguns momentos, se tornando uma espécie de super-homem. Mas, como toda droga, regride quando o efeito passa. 

Ao longo do filme o detetive falha, fracassa, comete erros, bebe, vomita, continua bebendo mais, mas, ainda assim, prossegue, seguindo as pistas e evoluindo na investigação. 

O roteiro espalha peças do quebra cabeças em vários momentos do filme, pistas sutis que levam realmente à solução do mistério. Sejam fatos corriqueiros mostrados em retrospecto, sejam simples fotografias, ou até erros cometidos pelo protagonista em sua carreira pregressa como detetive. Tudo vai se ligando e fazendo sentido sem que pareça artificial, fantasioso ou fácil demais. 

Quando a cortina final se fecha, percebemos o tamanho da tragédia que se abateu sobre a cidade. A luz revelou o mal, mas não quer dizer que o extinguiu ou redimiu o detetive. A conclusão o leva a uma segunda epifania, uma segunda revelação sobre si mesmo, trágica e pessimista. 

Um Caso de Detetive é um filme que se apresenta leve inicialmente mas se revela um neo noir ensolarado, uma obra agridoce que precisa de um certo tempo de maturação na mente do espectador. Depois se percebe que se trata de um pequeno grande filme, que merece ser mais reverenciado. 

Cenas destacadas:

Intoxicado: Abe é enganado por um grupo de adolescentes, que o encaminham para uma pista falsa. Mas, energizado pelo consumo de uma droga misteriosa que encontrou no armário do garoto assassinado, têm uma reação violenta, superando momentaneamente sua personalidade derrotista. 

Criança no corpo de adulto: O detetive volta na casa de um suspeito, mas termina escondido no armário do quarto da irmã do rapaz. Dentro do armário, ele é ao mesmo tempo o jovem confiante da infância e o homem fracasso e inseguro da atualidade. Se quando criança era fácil se safar dos problemas, o mesmo não acontece agora. Abe continua agindo como um garoto, usando as mesmas técnicas que empregava aos 12 anos. Para solucionar o homicídio, terá de finalmente evoluir. 

Triunfo e tormento: Abe consegue desvendar o caso. Descobre quem matou o namorado de Caroline e o que aconteceu à sua amiga de infância desaparecida. Deveria ser seu momento de triunfo, mas a grande vitória que esperava durante toda sua vida, se inverte. Ele aparenta ter abandonado o passado, mas mais tarde percebe que isso é impossível e talvez nunca se recupere. 

Um Caso de Detetive (The Kid Detective, 2020)
Diretor: Evan Morgan
Gênero: Neo Noir; Drama; Policial;
Elenco: Adam Brody; Sophie Nélisse; Kaitlyn Chalmers-Rizzato
Duração: 1h40min